#A POESIA ESTÁ MORTA# - Graça Fontis: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Amo
estes mundos possíveis, mas a alma está agitada.
As
águas deste novo mundo já valem mais que os mares e rios; são calmas, ventos
passam de entre as montanhas, sibilos entoam canções que não nascem apenas de
sentimentos, palavras, mas da vida que se re-nova, a neblina que cobre as
montanhas oferece aos olhos o deleite de ver a beleza do belo, o orvalho da
madrugada está inda mais incentivando a coruja a cantar euforicamente, canta e
canta e canta. "Isso aí, Coruja... Cante, cante, cante. Quem sabe algum
homem de palavras re-presente o som de seu canto, leia as suas angústias e
tristezas e seus desejos, sonhos!"
Chuva
forte irá cair!...
Se
o melhor dos mundos possíveis é este, o que será dos outros? Quem sabe serão a
liberdade, beleza sem par das palavras declamadas à luz da sabedoria,
inteligência; palavras que não apenas embelezam o cenário de todos os ideais,
abertos, contudo, às manifestações, que, na continuidade da vida, tornam
possíveis o encontro.
Esqueceu-me
a língua; a palavra se torna breve e hesitante. Versos e estrofes seguem os
caminhos da Língua Latina: vulgarizaram-se, tornaram-se versos e estrofes
mortos, resta apenas o Decreto Oficial das autoridades: "Os versos e
estrofes estão mortos." O desejo de conduzir me abandonou, o contato longo
e íntimo com os abismos me leva, antes, ao silêncio: “Quem sou para atingir o
milagre da expressão, expressão do milagre, e libertar as algemas e
correntes?”. Pobre de mim, não sei falar da vida, do que é isto viver. Houvesse
vindo ao mundo para ensinar como libertar os mortos, dar-lhes a vida novamente;
sei de mim, vim para trilhar os caminhos-da-roça. Empurrar-me para a margem da
estrada por afirmar a "poesia está morta" tão radicalmente,
recusar-me a ajudá-la a prolongar-se no mundo, estão me fazendo um grandésimo
favor: ando tranquilo, evito de atolar os pés na poeira até às canelas. Somente
após todos me houverem renegado, voltarei a todos. Resta-me cumprir a solidão
peremptória, eu diante de mim próprio com os meus mundos possíveis, quatro
misericordiosos segurando as alças do esquife, levando-me para o descanso
final. "Acreditai em vós. Sede quem sois", ouvira tais palavras não
faz muito, sorri com ironia: tais palavras lembraram-me os psicólogos, com
aquele prepotência de sabedoria: o que me falta é justamente isso saber quem
sou, acreditar em mim. Nada respondi. Só a mim devo a satisfação de me não ser,
de em mim não acreditar.
Chuva
forte irá cair!...
Uma
palavra simples, quase trivial (cada época parece ter a palavra que merece, não
é?!), uma palavra que se precisa verificar ou encarnar nos foi oferecida: “Sê
consciente e faze aquilo que quiseres!”.
Ser
consciente – instante após instante – e fazer o que se quer (não aquilo que se
pode). Eis aqui uma espécie de realismo, capaz de nos libertar das nossas
esquizofrenias e paranóias contemporâneas, neurastenias e esquizoidias.
Nada
sou. Nada preciso fazer, repito estas palavras, os olhos mentalmente fechados.
Às vezes, por puro deleite, invento reflexões: se a música toca, esta música
existe, houve um criador, quem a tornou sentimentos e emoções profundos. Creio
nada escapar à inspiração, a não ser o próprio mistério da criação.
Posso
até pensar que o ombrear-me com os sentimentos, trocarmos energias de pureza,
ingenuidade, ficou-me isto de dizer da vida em sentido de elevá-la, torná-la um
ser que se renova.
A
conciliação entre as palavras e sentimentos é que tornam possível a re-novação,
possibilidade de con-templar as imagens que hão-de criar outras realidades,
outros horizontes.
Chuva
forte irá cair!
(**RIO
DE JANEIRO**,02 DE JUNHO DE 2017)
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