#HÁ MUROS QUE PERTENCEM AO AMANHÃ# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Constato
o comportamento das pessoas de nervos sólidos. Esses senhores se humilham
imediatamente perante o impossível. Impossibilidade, logo muralha de pedra. Que
muralha de pedra? Mas as leis naturais evidentemente, as conclusões das
ciências naturais, as matemáticas. Ensaiem discutir: dois e dois fazem quatro.
A natureza não se importa com a sua autorização? Ela não se preocupa com os
seus desejos, nem em saber se suas leis lhe agradam ou não. Você é obrigado a
aceitá-la tal qual é, com todas as suas conseqüências e resultados. O muro é o
muro, etc.
Mas,
meu Deus, que tenho eu com as leis da natureza e da matemática, se tais leis,
por uma razão ou outra, não me agradam, não me satisfazem. Eu, naturalmente,
não poderei quebrar esse muro com a cabeça, se não possuo forças suficientes
para o derrubar, mas não me reconciliarei com ele pela única razão de ser ele
um muro de pedra e eu não possuir forças bastantes para extingui-lo. Como se
essa muralha fosse apaziguante e sugerisse a mínima ideia de paz pela razão de
estar edificada sobre dois e dois são quatro! Ah, absurdo dos absurdos! É bem
mais fácil compreender tudo, ter consciência de todas as impossibilidades e de
todas as muralhas de pedra, não se inclinar diante de nenhuma delas, se isso
lhe desgostar; chegar ao esgotamento das combinações lógicas mais inevitáveis,
às conclusões mais horrorosas sobre a própria responsabilidade ( se bem que
você veja claramente que de nenhuma maneira é responsável).
Assim
é... Há muros que pertencem ao amanhã, só o amanhã poderá degustá-lo, nada há
que os destruam. Qualquer investida contra eles torna-se vã, torna-se inútil. O
amanhã é eterno, perdura por todos os séculos. São muros construídos com a
vida. Nada há que possa avaliar os esforços, lutas, labutas foram dispendidos
na construção. Fica a liberdade para quem desejar, sonhar, ter esperança de
derrubá-lo. Empreender-se em algo é preciso, engajar-se com uma ideia é
fundamental. Impérios sucumbiram-se na História. O muro jamais será. Só pessoa
de nervos sólidos podia construí-lo. A César o que é de César.
Mergulhar
voluntariamente na inércia, rilhando os dentes em silêncio; e pensar que você
nem mesmo se pode revoltar contra o que quer que seja e contra ninguém: que é
uma farsa permanente, uma trapaça. Mas, apesar de todas essas coisas
incompreensíveis, você sofrerá, e menos você compreenda, mais sofrerá. O
sofrimento da inveja supera todos os da humanidade. Dizem a inveja mata: mata o
invejoso. Isso por uma razão muito simples: os invejosos são incapazes, xucros,
inúteis, os invejados são capazes, tem os dons e talentos para os seus
empreendimentos sólidos e eternos. Que inveja será capaz de matar quem
construiu este muro? Tiro o chapéu em reverência aos invejados, mesmo assim
seguindo a linha do horizonte que é só minha. Sorrio amareliçado para os
invejosos, viro-lhes as costas. Sou consciente de quem sou.
No
ornato do tempo, zinas do juízo da existência, excedendo de cruzadas a
casualidade da mágoa, inerência do penar, às bondades da harmonia imortal e
entes que se idolatram e se cedem autônomos, a aragem confidencia solfa, a
fragrância oscilante extasia o aforismo, rebento em primor, na sagacidade de
primavera, e, na finitude desinteressada de uma acção tão encantadora, lateja o
coração, na cadência de derretimento,
Na
cena de luminosidade, onde o estético que flui no reflexo da retina, alvorejar
o imenso gemido de existência, linheiro da sensibilidade.
(**RIO
DE JANEIRO**, 04 DE JUNHO DE 2017)
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