#TAMBÉM DEUS TEM O SEU INFERNO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


Preencher as frestas, frinchas, buraquitos do inferno faz-se com verdades selecionadas. Por que o inferno dos proscritos, hereges, nômades, peregrinos, vagabundos não necessita de verdades selecionadas a preencher-lhes? Quiçá por se sentirem completos, perfeitos. No inferno, as verdades perdem o sentido, significado.
Completar as lacunas, falhas, vazios do paraíso celestial faz-se com in-verdades, dogmas, preceitos estabelecidos em leis. Por que o paraíso celestial dos hipócritas, dissimulados, viperinos, falsos é apregoado solenemente com as mentiras do caráter, personalidade, e seguido por rebanhos? Quiçá por a transgressão dos valores e virtudes ser-lhes o alimento dos instintos, e são eles que garantem a vida. No paraíso celestial, os instintos tornam-se espírito, e o Poderoso Chefão vangloria-se de sua misericórdia.
Construir, instituir os princípios éticos, morais, virtudinosos que estipulam a grandiosidade do ser humano, que endossam a imperfeição ser susceptível à perfeição, requerem a liberdade, reivindicam a consciência de existir ser fazer o homem à luz do eterno. Por que a nata fina dos homens, juízes, advogados, professores, políticos decantam os seus interesses e ideologias de tudo ser permissível, as leis e o saber assinam com distinção. Quiçá por lhes faltar sensibilidade, por lhes ausentarem emoções e sentimentos. Na morte, tudo é olvidado, todos são santos.
Acumular conhecimentos, distinguir alhos e bugalhos, separar as massas das maçãs, que revelam a inteligência humana, pedem entrega, dedicação, e são sujeitos à continuidade do tempo, fazerem-se, desfazerem-se. Por que as tradições subestimam tais sementes da espiritualidade, tais húmus da racionalidade? Quiçá por serem frutos insofismáveis de outras visões-de-mundo que mostram toda tradição é venenosa, toda tradição é perniciosa, toda tradição é alienante.
Amar o outro como a si mesmo, solidariedade, compaixão re-velam a sublime face da humanidade do ser, manifestam o ser "humano". Por que amar é tantas coisas, de "amar é..." o lotação do inferno está esgotado, a tinta da caneta dos poetas acaba em segundos, mister outra, outra, consecutivamente, e são infelizes no amor, o outro é o re-verso da moeda da honra, sensatez, dignidade, o outro é a pedra no sapato? Quiçá por os tempos serem outros, tudo isso seja válvula de escape da realidade, do real, e se insistem com a farsa é para adquirirem a redenção, a ressurreição, depois da morte para onde irem, em que freguesia vão cantar?
Também Deus tem o seu inferno, e o seu inferno é a estultície dos homens. Como um Ser Perfeito pode ser Pai Eterno de um rebanho de "maledetos"?


(**RIO DE JANEIRO**, 19 DE JUNHO DE 2017)


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