#ABRE-SE PELO CÉU A FLOR DE VIDRILHOS# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


Ainda é outono, embora seus dias estejam contados. Ser "ainda" é indício de que o tempo re-velará o que não o fora, será possível sentir o clima indizível; sentimentos outros de carência, solidão se a-nunciarão, porque são eles que, como lenha na lareira, aumentarão as chamas de desejos, esperanças da plen-itude de todos os verbos que nasceram no crepúsculo da vida, perscrutando o limiar indistinto do in-finito, re-nasceram no alvorecer, inventariando os vestígios de nonadas estendidas ao longo das sendas, de vazios espalhados na extensão das calçadas, de nadas sarapalhados pelas alamedas e becos, terrenos baldios.
A noite é límpida e fina - enorme diamante, - abre-se pelo céu a flor de vidrilhos.
Aproxima-se o inverno. O ar frio, gélido, adstringente – interessante é que durante o outono, fizera calor diferente, ao longo do dia, calor que produzia aperto, compressão no peito, - os enormes espaços noturnos dispersam-se a um cismar de recordações. O ar fatigado, o cheiro a tabaco toldavam-me de um nojo espesso e devasso, de uma torpeza flácida e úmida. Mas, anterior a esta repulsa e medo, sentia ávida atração pela vida de homem qualquer que se empapara até ao pescoço na quente gordura animal, pelas coisas superficiais, destas que os bestilóides amam de paixão, como por exemplo antologia de poemas melosos de amor, pura "xanguana". No Iluminismo, davam-se poetas e escritores às pencas; em nossos dias vazios de tudo não se lhes encontram somente em pencas, encontram-se-lhes aos montes declamando e recitando suas vulgaridades por todos os cantos e recantos. Um cerco de vício e de crime acutilava-me de todo lado, escaldava-me como um bafo vinagrento.
A um cismar de recordações?!... De que me recordo, debruçado ao parapeito da janela, ninguém passando na rua? deserto de solidão e silêncio, verdadeiramente um cemitério, nenhuma viv´alma perambula – normalmente há trânsito de pessoas nos finais de semana, desde quinta à noite até domingo por volta das dez horas. Alguém perscruta-me no canto direito da memória.


Olho as luzes nos postes, luz que me chega através dos espaços vazios das galhas e folhas de árvore, sendo preciso de ipê amarelo.


(**RIO DE JANEIRO**, 08 DE MAIO DE 2017)


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