#EU VOU, TU VAIS, ELE VAI, NÓS VAMOS, VÓS IDES, ELES VÃO... PARA AS PREFUNDAS DO HADES# - Graça Fontis: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Digo-o sem qualquer pejo, sem pestanejar, necessito
ser sincero, e não tenho interesses outros de negar-me.
Há até verdade, e esta só o tempo revela e mostra.
Mas em vossa voz não há pureza; por um ínfimo menor capricho, mais ínfima
vaidade ou orgulho da raça expondes a vossa verdade à mostra, no opróbio, nas
cantinas e bares, nos botequins de vermelho deslavado, escavoucado cá e lá, e
verdurarias, no baixo meretrício e nos supermercados, no mercado municipal, nos
bordéis próximos ao Presídio Municipal, nos açougues da periferia, nos campos
de guerra, campos da fome e da sede, campos de exilados famintos, sedentos, e
presidente se recusando a receber exilados em seu país...
Acaso tendes esta certeza tão incólume de que o
dito e revelado a todos seja sim a vossa verdade? Não acredito eu que por um
átimo de segundo não tenhais tido alguma dúvida? Não tenhais pensado poderia haver
equívoco enorme, e tudo se tenha transformado em um motivo de riso e galhofa,
causa de mangofa irônica, satírica ao estilo de vós fostes iluminado,
pousou-vos na águia, emborcado, braços abertos, mãos segurando suas asas,
passeais pelo espaço, não con-cordais há quem se sente instalado no mundo,
monte no seu cavalo alado e começa as estripulias aéreas? Mas não. O que
primeiro foi sentido logo encontrou nas palavras abrigo de consciência e
verdade. Engraçado!... Por mim, antes de qualquer afirmação acerca de mim,
por-me-ia em questionamento, analisando isto e aquilo até que conseguisse
assegurar-me de meus sentimentos e emoções todas.
Sou tão misericordioso e solidário por vezes, então
envio-lhe estas palavras em homenagem à sua pachorra da verdade, é merecedor:
"De mãos atadas aos pés por algemas, eu vou, tu vai, ele vai, nós vamos,
vós ides, eles vão para as prefundas de Hades; nada há mais de contestar".
Do outro lado da abóbada que conduz a um pátio, por
trás dos muros de telhas desbotadas e sem brilho, há um grande jardim com
lilases e roseiras, nas paredes vasos de orquídeas suspensos. Desço ao longo
das ruas tranquilas ladeadas de jardins, de pequenas casas de campo afogadas em
verdura e flores, de terrenos baldios com largas faixas de areia de um
amarelado ocre demarcados com cercas de arame farpado. Uma bruma luminosa
suaviza as linhas, atenua as cores, dá um aspecto fantasmagórico e
fenomenológico a essa paisagem sem pitoresco, mas de uma fluidez e de uma
simplicidade sedutoras.
Cores vão se achando a si mesmas, atraindo-se e se
repetindo num movimento contrapontístico, re-versa-se, inversa-se,
multiplica-se, se des-cobrem até que se des-cobrem pólos de um mesmo conjunto,
transformando-se, então, em áxis cromática de uma idéia, de um pensamento, de
uma utopia da imagem, de esperanças e sonhos, desejos e fé.
Vós quereis realmente dar sentido e significado,
identificar a própria crença e íntimo credo, dizer alguma coisa, mas por temor
escondeis o vosso último juízo, vossa derradeira palavra, com a intenção
exclusivíssima de estadismo, porque não sentes segurança capaz, tendes firmeza
para enunciá-la, declará-la a plenos pulmões, mas apenas uma fútil ousadia, um
covarde atrevimento. Vós vos gabais de inteligente, útil, capaz, consciente,
mas vós apenas titubeais, e o titubear-se é uma rede sedenta de plenos vacilos,
porque embora a vossa inteligência funcione, a vossa alma, o vosso espírito,
coração estão ofuscados pelo desequilíbrio, desestrutura, insanidade,
perversão, e sem uma alma, espírito, coração ingênuos, puros, inocentes não
haverá um eu, uma consciência plenos e justos. E quanta impertinência há em
vós, como sois impositivo, como se lhe surge na face a empáfia, como sois cheio
de nove horas e regra de nove. Mentira, mentira e mentira. Quê absurdo!
Apocalipse agora!
É evidente que eu mesmo imaginei, criei, e por que
não dizer que inventei todas essas vossas palavras, bebi num cálice de verbo a
oratória sem cor e sabor, odor, para matar a minha sede de censura e rejeição,
realizar a paranóia que é só minha - estais em silêncio apenas ouvindo. Se
fostes mesmo real, estivesse pisando no solo de vossos caminhos, o que diríeis,
fico aqui a in-vestigar nos cofres da inconsciência, fá-lo-ia, sim, por
per-versão, ironia, para ver de perto os vossos risos e deboche. Bosque. Não
sois, contudo. Criei a vossa palavra para deleite e exultação de estar curtindo
este dia de cerração à beira-mar. Isto é também de um homem além das águas.
Olhando-as, contemplando-as, buscando entendê-las, tenho passado trinta e oito
anos consecutivos observando com perspicaz atenção, por uma frincha, a essas
vossas palavras. Sou eu quem as expresso, sou quem mesmo as inventou, pois é
apenas isso que se tem de fazer à beira-mar num dia de cerração observando a
neblina obscurecendo a visão das águas comungando-se às nuvens, olhando a água,
as ondas espraiando-se, inventar alguma coisa.
Não é de se espantar, assustar, não é de causar
qualquer admiração que estas palavras hajam sido decoradas e assumido forma
literária.
(**RIO DE JANEIRO**, 02 DE JUNHO DE 2017)
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