"EIS AQUI O VERNIZ PLÁSTICO DOS ELEMENTOS" - Graça Fontis: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Nesta
tarde de sexta-feira, tarde de cerração, sonhei com a minha companheira das
Artes, chegando à beira da piscina, onde me encontrava, dizendo-me: "Eis
aqui o verniz plástico dos elementos", e era uma escultura de candelabro.
Raios de sol incidiram no candelabro, luz forte ofuscando-me, acordei.
Ímpios,
só vocês podem com-preender e entender certas palavras e atitudes, por isto
lhes digo que, nalgum lugar deixei inscrito no tronco de uma árvore, “Eis aqui
o verniz plástico dos elementos...”
Abri
a porta da carruagem, disse ao amigo-boleeiro que deixasse os cavalos andarem à
vontade, cuidando apenas que seguissem a estrada, pedi-lhe que os deixasse
trotear à vontade. Não têm vocês o senso de olhar as atitudes de soslaio,
olham-na de frente, sem máscaras, sem interesses, vocês conhecem o segredo mais
íntimo da atitude, o que ela apresenta e representa, vocês são gênios, deuses
nunca d´antes ec-sistido, embora envoltos na escuridão, ironicamente tem o
rosto caiado de branco, faces com farinha e seus risos e graças são auroras
para todos, vocês inalam o odor da Verdade, mas o que, enfim, não lhes deixa
libertarem-se das picuinhas e achaques, entregando-se à Verdade tal qual ela se
entregou a vocês? Não conhecem as perfídias, pérfidas esperanças não deixam os
olhos brilhando, iluminando os interesses e intenções os mais escusos
possíveis. "Essa guerra vai acabar. Fim de bosques, rios, fim de
florestas, lagoas, fim de cavernas. Fim de amantes e companheiros... fim de
camaradas e amigos..." Apocalipse agora.
Peço
ao amigo-boleeiro que pare à soleira da choupana. Necessito de tomar uma água,
lavar o rosto, pentear-me. Se possível comer algo, se houver algo a ser comido,
a esta hora, olhando no relógio de bolso, herança que deixara a minha mãe, numa
corrente de ouro, nove e meia da noite.
Há
uma espécie de candelabro, .grande castiçal com ramificações, a cada uma das
quais corresponde um foco de luz, suspenso na madeira do teto, uma luz amena,
uma choupana simples, não destas que anunciam à distância a sua existência com
reflexos de luzes insinuantes e insinuosas, mas com piscina, choupana
particular, onde residem casal de escultores, a mulher esculpira o candelabro,
o homem é também criador de ovelhas, vietnamita panorama. À soleira de entrada
da choupana, um indivíduo de barba muito bem escanhoada, confiando o bigode,
enquanto tamborila alguma canção no balcão. Sento-me. Coloco o chapéu e a
bengala num banco. Peço um copo d´água acompanhado de um vinho, a melhor da
região. Pergunto-lhe, e nesse instante faz um chiado com a ponta da língua
próxima dos dentes, se há algo para comer. Diz-me que tem arroz com linguiça de
porco, todos apreciam, o que lhe confere a sobrevivência, tem algumas economias
no banco da cidade, com isto da linguiça de porco.
A
profusão de cores do amanhecer pertence a um espectro que, ao se mover com o
avanço do dia, e da guerra que segue o seu processo, produz a síntese de todos
os demais tons, tonalidades: o branco de dia e a intemporalidade cromática.
Noite
no vento, aquando lhes dirijo tais palavras, noite nas águas, noite nas pedras,
noite no amigo, noite na roça, noite em todos os lugares dentro e fora dos
homens, alfim é "perfeitamente noite". O tempo claro contra o tempo
escuro, ou noutras palavras: o tempo (escuro) contra o instante (claro), a
consciência (luz) contra a realidade (treva), alfim revérberos do espectro da
vida e morte acopladas no mesmo transporte.
Numa
estação ou noutra conservo a perspicácia e destreza em armazenar as sensações
mais evidentes e límpidas dos sonhos mais simples e suaves que me indicam o
próximo passo a ser dado no que concerne a sentir-me realizado e aberto para
todos os outros idílios que com certeza se revelam e manifestam sedentos de
contemplação, uma possibilidade de conhecimento e de vivência.
E,
no sonho, oh, ímpios, a mulher chegou com uma escultura de candelabro de vários
braços, que se inspirara na Esfinge, quando o marido estava à beira da piscina,
chegou com a escultura, dizendo-lhe: "Eis aqui o verniz plástico dos
elementos". Raios de sol incidiram em cada braço do candelabro, raios
fortes ofuscando-lhe os olhos, e ele acordou. Sonho numa tarde de sexta-feira,
cerração.
Sinto-me,
às vezes, repleto de um sentimento de com a vontade descobrir os aspectos
possivelmente amáveis e serenos da vida, isto para encantar ao mundo ao meu
redor, e a mim mesmo quem necessita e muito de mergulhar no espírito, encontrar
a Vida plena de imagens e estas imagens serem transformadas em possibilidades
de encontro, de experiência, isto o que é para mim a transcendência do “sentido
da vida”, que construo através das contingências das dores e sofrimentos e das
situações e circunstâncias do quotidiano.
Quem
sabe a vida seja isto mesmo, imagens dentro de outras imagens. O sucesso delas,
serem apreciadas, serem sementes de conquistas futuras, de algo que súbito
despertou a sede, e tudo o mais são buscas de a saciar com a água, por mais que
o acaso os teça e devolva, saem iguais no tempo, quem sabe ao in-verso de
invernos que me habitam, e nas circunstâncias, nos invernos de in-versas
ilusões; assim a história, assim o resto.
Os
ímpios, vocês, que não aprenderam a dissimular a vida, a não acreditarem que o
aliás dos idílios compactos só se faz revelar na aceitação e vivência da vida,
até mesmo na maior impiedade.
(**RIO
DE JANEIRO**, 02 DE JUNHO DE 2017)
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