**TABERNÁCULO DE SONS E LUZES** - PINTURA: Graça Fontis/PROSA POÉTICA: Manoel Ferreira Neto
In Memoriam: Mãe-Dinha, falecida aos 06 DE ABRIL DE
1996. Muitas saudades, Dinha!
O monte desça ao vale e o vento dos cumes, às
baixadas!
Nessa sinfonia chamada vida, nessa ópera chamada
silêncio, que tipo de dança vim dançar, erudita, moderna, clássica, que espécie
de olhar - de ternura, compaixão, - encantar, quantas cordas terá minha
harpa...
Para que nasci? Haverá um fim determinado ou não -
tudo se resuma a surpresas, aventuras nunca dantes imaginadas?
Ah, com que alívio, com que pressa digo isso –
recosto-me à cadeira de balanço em que me encontro sentado, não tardando muito,
vejo-me diante das luzes que iluminam a noite.
Ah, luzes, quanta tristeza e desconsolo, alegria e
felicidade, dirigi-lhes, suplicando-lhes atenção e consideração, e muitas
imagens enviara-me, esperando que as traduzisse com sentimento e certeza,
tornar-se-lhes a essência de vida a que tanto sonhava e desejava no mundo!...
Quanta, hein?! E, agora, sinto-as no íntimo, não sabendo se lhes ouço a voz
tímida e terna, se lhes dirijo palavras e súplicas, se lhes ouço dizendo tudo é
questão de viver a vida, e, embora poucos acreditem, vivo à busca de viver, e
assim alcançar a Vida que desde a eternidade me fora doada de modo, estilo
gratuitos, dançar ao som e carinho, ouvindo-me ser.
Não havendo resposta, a mínima que fosse, para
esses questionamentos que lanço ao final do dia – não que os tenha pensado
desde a manhã, enfastiando-me às vezes por serem contundentes, aspirando a
tornar-lhes cinzas vez por todas, e estas desapareçam na terra, húmus de vida a
ser iluminada, gerada: as luzes, assim acredito, revelam indícios de
compreensão.
Um observador judicioso não poderia deixar de
perceber certo tom-sarcástico, por assim dizer, nesta situação de indagação
sobre as razões de viver, o destino que até o presente só há traços gerais
tecidos, nunca algo que satisfaça um pouco. As luzes é que encaminham para o
que desejo dizer com estes pensamentos, reflexões, os sons indicam, des-ocultam
as veredas a serem perseguidas. Não fora a luz da estrela que levou os três
reis magos ao menino Jesus que acabara de nascer? Não fora a voz de Deus que
despertara Moisés, levou-o à esperança da Terra Prometida?
Mistérios!... Quem sabe nasçamos todos
predestinados ao mistério, muito mais que às certezas, seguranças!... O
nascimento não se dá única vez, acontece todas as vezes que saímos de trilhas
percorridas por tempos inesquecíveis neste ou naquele aspecto e buscamos outros
lugares no mundo, lugares que não foram devassados. Moisés não ouvira a voz de
Deus, “levasse o seu povo à terra prometida”?!... Que desejamos outras emoções,
sentimentos e sonhamos o encontro, realização.
Ah, que sei eu do coração humano, suas necessidades
prementes – no fundo, nesse insondável lugar onde se representa a última cena
de uma ópera e sinfonia sem espectadores, talvez esteja na intimidade própria
de quem ouve voz melodiosa e divina. Leve as palavras aos homens!...
Que idéias, que lembranças flutuam no espírito? A
fisionomia não transmite sensação de repouso, ao contrário, transforma-se,
modelando-se sob o in-{fluxo} de imagens esvaídas há muito tempo, e cuja volta
produz viva expressão de dor, de sofrimento.
Silêncio é o eco de um silêncio ainda mais
profundo. Silêncio é a grande sala de audiência de Deus...
Ninguém pode vir juntar-se a nós, neste início de
noite, sentado à cadeira de balanço, na sacada de minha residência, a senhora
lendo um romance, Estrela Polar, de Virgílio Ferreira, escritor português,
deitada em nossa cama. Quem sabe alguém que tenha encontro marcado com a vida
possa vir a se nos juntar! Saberá ele que nos encontramos aqui, buscamos
explicações para o ato de viver, seguir trilhas, desejar a felicidade, o prazer?
Saberá ele que o espero ansioso, trocarmos algumas palavras de experiências,
desejos, vontades, sonhos? Diga-me ele estar diante do tabernáculo de sons e
luzes nada mais não é que lhes ouvir as palavras de inteligência e sabedoria
sob que nuvens trilhar as alamedas de sonho e utopia.
Nutro-me de questionamentos. Sacio a sede com a
carência.
Decerto não compreendo totalmente o que falo –
estou sim muito longe de imaginar o que designo como “saciar a sede com a
carência”. Sei que me acho dis-posto a tudo, defendo a vida em quaisquer
circunstâncias. Quem sou na realidade? Um ser fantástico e sem sentido, mas
cujos gritos, às vezes, confundem-se com os gemidos da verdade.
Dúvidas? Então posso dizer que muito do que se
passa em minh´alma já traz em si a previsão de resposta que intenciono ter nas
mãos feita concha, mostrando qual é a verdadeira face dos sentimentos que me
perpassam o íntimo.
Quem pode imaginar com que ardor me prendo à vida,
eu, que um dia tentei fugir dela por motivos fúteis e que, agora, minuto a
minuto, considero seu valor, e empalideço, e tremo só de imaginar que um dia
não mais estarei presente à sua claridade, aos sons e luzes. Resta-me o quê,
Senhor, senão estar aqui diante do tabernáculo de sons e luzes, dedicando-lhe
estes pensamentos, mesclados de interrogações, medos, esperanças!...
Sei-me cheio de força, sei que o mundo me espera,
todo o meu ser vibra como se através dele repercutisse um toque de harpa. Nada
mais existe, nada mais conta além das esperanças.
Posso erguer-me, levantar-me da cadeira de balanço,
conversar com a senhora, rir até como toda gente ri – poder qualquer me separa
dos outros, mesmo da senhora a quem amo deveras, incentivando-me esse clarão
particular, causado por todas as luzes que diante de meus olhos iluminam a
noite que rui com suas miríades de estrelas.
Há uma nuança de angústia, inexplicável, e, por
vezes, chego a sentir certo esforço de minha parte em vir à tona, a dirigir aos
homens palavras banais que servem às relações humanas, como se a retivesse, num
esforço de atração e densidade, o que existe de mais em minha natureza.
A vida parece-me tocada de sentido mais denso e
mais obscuro. Não há nisto qualquer vaidade, mas a certeza de que devo afrontar
os mistérios que me aguardam, de peito descoberto – como um homem,
experimentando seu duro ofício de viver e de continuar através das pequenas
mortes sucedidas ao embate dos fatos.
Continuo sentado à cadeira de balanço, a sensação é
a de quem houvesse sido abandonado para sempre, ou como se algum elemento que
me fosse muito caro, essencial mesmo, se me houvesse diluído no coração. O
sentimento é o de uma extraordinária liberdade: ruíram os muros que
aprisionavam meu antigo modo de ser. Como um homem adormecido durante muito
tempo no fundo de uma cisterna, acordo e agora posso contemplar face a face as
luzes que iluminam a noite.
A mão não trema ao ousar, quem sabe amanhã,
acordando-me, escrever palavras, e nem elas despertem no coração ímpetos de
melancolias, nostalgias difíceis – seja humano, simples dentro de meus próprios
limites, e procure acertar depois de tanto haver enganado, convicto de que há
outros estilos de prazer em levar a termo, na idade madura, o que em vão tentei
desperdiçar em invernos e in-versos menos esclarecidos.
Não é amadurecimento, supondo, a sensação que me
invade – é de plenitude. Tudo isso não é a prova de que começo a viver, de que
existo, e de que a vida deixou de ser terrivelmente grave e bela, com um
sentido que ainda não adivinhara, mas que existem sons e luzes, e intuo som aos
sonhos, cor às árvores e às folhas, às nuvens, ao céu, a tudo o que palpita de
infinito amor. Sinto-me grato por existir, e chego a pensar em ajoelhar-me
diante do tabernáculo de sons e luzes, agradecendo a Deus, a graça de me ter
feito presente a todas essas maravilhas.
(**RIO DE JANEIRO**, 06 DE ABRIL DE 2017)
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