CRÍTICO LITERÁRIO PAULO URSINE KRETTLI INTERPRETA E ANALISA A SÁTIRA /**TABERNA DOS POETAS**/
Em regra, tese é afirmação, antítese é oposição à tese e desse conflito
surge a síntese; só que a síntese, por si só, premissas e fundamentos, torna-se
nova tese que será confrontada por nova antítese para vir nova síntese e,
assim, continuadamente, debate-se e reparte-se com profusão a dialética do
pensamento humano.
Claro, pensamento humano, pois ainda não nos foi permitido dizer que o
animal pensa, que o ar pensa, que o inanimado pensa. Essas situações têm
elementos resultantes desse embate aparentemente consensual, mas que trazem as
contradições da dimensão do pensar humano, e, desse pensar, a ação direta ou
indireta do homem em seu meio, em seu processo histórico a desencadear cadeias
persuasivas ou conflitivas para civilização.
Nas do nosso tempo, porém, as conquistas inclusivas do homem em seu
status quo – social, política, cultural, artística, até qualidade de vida,
iniciadas após a segunda guerra mundial e após o período ditatorial conservador
e capitalista - vêm sofrendo um revés inacreditável para atender novamente a
grupos de pensamentos novamente conservadores, capitalistas e, agora,
extremistas com ligações religiosas, que somente se enxergam a si mesmos,
colocando em risco toda a evolução do homo habilis, erectus, sapiens, quiçá,
sapienssapiens!
Essa explanação filosófica - filosofia descreve a realidade e a reflete
– reporta-me que a tese (ou todas as teses ou silogismos) não está sendo mais
motivo de antítese, mas sendo morta em seu nascedouro e também, no meu
entender, no seu aprofundamento.
Em Barroco Moderno, notadamente nas sátiras de Manoel Ferreira Neto,
nota-se que a dialética humana está por um triz, pois o interpretar (mesmo que
a dialética não interprete) e o refletir da realidade nos seus parâmetros e
dogmas estão em subornamento das suas premissas, inclusive as mais lógicas.
Decerto, estamos sendo chamados a compreender os atuais implementos
artísticos, culturais e literários sem a primazia da dialética.
Paulo Ursine Krettli
**TABERNA DOS POETAS**
FOTOS DE GRAÇA FONTIS E PAULO URSINE KRETTLI
SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto/Paulo Ursine Krettli
Dois poetas se encontram numa Taberna e enquanto tomam um vinho,
dialogam sobre a Solidão e Amor..., lendo dois contos de suas autorias,
publicaram juntos, em parceria, um livro. Só muitos anos depois se
reencontraram. Sentados na Taberna dos Poetas, primeiro encontro, a obra em
mãos, assim as lembranças e recordações de outrora.
Que vem a ser isso de amor, criação, cobiça ardente, estrela?
Porta de casa de discos, músicas nacionais, internacionais. Um mundo
diferente. Uma realidade de baterias, guitarras e violões. Lá dentro dois
jovens. Um lê reportagem que em letras garrafais diz: “Antigamente não existia
metralhadora, hoje existe”. Ela, na porta, olha os pedestres, ônibus, carros
que passam na rua São Paulo. Ele lembrava de quando residira por alguns meses
em Itabira, época que fora lançada a música “Era um garoto que como eu amava os
Beatles e os Rolling Stones”; achara muitíssimo interessante a lírica,
especialmente a palavra metralhadora, talvez por existir a metralhadora fosse
garoto tão solitário, tão sozinho no mundo, com todas as dificuldades, medos e
ódios, ressentimentos que lhe habitavam a alma. Ela não se recorda de nada,
poder-se-ia dizer não há qualquer vestígio de pensamento na mente, olha
perdidamente barata que, correndo, cai numa boca de lobo, dá um sorriso
disperso.
Ele, ao que parece gosta dela, mas é um gostar seco, duro, frio,
diferente do amor: poemas dirigidos à amada, escondendo-lhe o nome e
colocando-se diante dela como servo humilde diante do senhor, serenatas nas
noites de lua cheia, trocas de palavras bonitas, promessas de realizações de
vida a dois regulada e medida. Ela com seu rosto fino, olhar penetrante espera
palavra, gesto de carinho com cigarro entre os dedos e fumaça no ar. De
repente, levanta-se e com passos lentos vai até a porta e senta na caixa de
som, cruza as pernas, encosta o rosto na propaganda de Filmes Kodak, Para
Impresiones en Color, porque ali não somente vende discos, como também filmes virgens
que, ao toque de dedo na máquina, fotografa sorriso, gesto, sentimento, dor.
Filme, retrato, boa recordação aos amigos, parentes, de momento feliz,
contente, inesquecível. Jornal, notícias nacionais e internacionais, política,
economia, suplemento literário, crônicas de Carlos Drummond de Andrade, de
livros e filmes nacionais e internacionais, futebol, crimes, classificados.
Ela, na porta, continua olhando os pedestres, lotações, carros que passam na
rua São Paulo.
O livro aberto sobre a caixa, havia lido um conto, intitulado A ILHA, de
Paulo Ursine Krettli:
- Amando a ilha.
Que ilha?
- Da Grécia.
Tem sentido:
- O que é que tem sentido?
- O que é que tem sentido... Talvez nada tenha sentido, ou o sentido é
justamente o nada. Falar de ilha?
- Por que?
Não conheço ilhas. Imagino-as tão longe, tão distante.
- E o mar?
Também não.
- A Grécia?
Muito menos...
- Você está certo, poeta!
Por que?
- Filosofando...
Isto é filosofar? Falar de ilhas que não conheço, de mar que nunca vi,
de país que só conheço de ouvir dizer haver sido o berço da cultura.
- Na certa que é.
Não é palhaçada nossa?
- Minha, sei que não é... Talvez seja sua! É?
Minha, também, não!
- Então continue.
Continuar o que? Se o Ser se faz continuamente, a continuidade é também
o ser.
- Falando da ilha.
Não tem sentido...
- Tem sim, cara, vou tentar explicar-lhe com algumas palavras: há dentro
de sua ilha alguma coisa que vai além, que vem de cima para baixo; ela é tão
forte que parece energia total, totalizante, magnética e aquecedora. Talvez
seja uma oração confundindo-se em agradecimentos e pedidos, talvez querendo se
aproximar mais um pouco de Deus e falar com Ele sobre a grande ilha que lhe habita.
Oh, saquei tudo, e tudo tem sentido! Você coloca sua ilha diferente de outras
ilhas, muitas ilhas que tenho visto. Sua ilha é teocêntrica, sendo ela visível
quando você, voltando ao seu passado, da Grécia ou da Bíblia, se enche de
alegria e vê o porquê do homem e de sua existência como homem que possui
virtudes, erros e enganos, e sobretudo a possibilidade de pedir perdão a Deus.
Sua ilha ainda terá, se já não tem, habitantes que sentirão, descobrirão e
caminharão com o Pai envolvido num vulto humilde, mas cheio de sabedoria e
poder.
A grande ilha ilumina seu peito jovem e agradecido pelos dons recebidos
pelo Pai. Convicto do amor D´Ele, Helga encontrará o destino digno de seu nome,
de seu mundo e vida; o seu coração é a grande ilha...
(**RIO DE JANEIRO**, 04 DE ABRIL DE 2017)
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