#O COSTUME É O TEMPERAMENTO DOS PATETAS# (Ana Júlia Machado) - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


Se em algumas almas, singularmente dotadas e de percepção sensível, visão de lince sobre as coisas do mundo, sobre o eterno, sobre a plen-itude, se levanta a doce suspeita de sua composição múltipla, e, como ocorre aos gênios, ah, gênios!..., rompem a ilusão da unidade personalística e percebem que o ser se compõe de uma pluralidade de seres como um feixe de eus, e chegam a exprimir essa idéia, então imediatamente a maioria se prende, chama a ciência em seu auxílio, ciência que a tudo responde com excelência, aquela "excelência" tão peculiar aos portugueses, um conhecimento primoroso, diagnostica esquizofrenia e protege a Humanidade que não ouça um grito de verdade dos lábios desses infelizes, proscritos.
Para que perder aqui palavras, são tão difíceis, encontrá-las viçosas e banhadas de orvalho, quê parafernália da mente, por que expressar coisas que todos aqueles que pensam conhecem por si mesmos, quando sua simples enunciação é uma nota de mau gosto, uma voz desafinada? Assim, se um homem se aventura a converter numa dualidade a pretendida unidade do eu, se não é um gênio, é em todo caso uma rara e interessante exceção. Na realidade, não há nenhum eu, nem mesmo no mais simples, não há uma unidade, mas um mundo plural, um pequeno firmamento, um caos de formas, de matizes, de situações, de heranças e possibilidades. Cada indivíduo isolado vive sujeito a considerar esse caos como uma unidade e fala de seu eu como se fora um ente simples, bem formado, claramente definido.
Nada mais mágico e esplendoroso que, ao abrir os olhos no alvorecer, espreguiçar, depois de brincar com o cônjuge a noite inteira, noite de prazer e êxtases os mais sublimes, mergulhar nas pre-fundas da alma, acenar o bom dia, dizendo: "Eis-me aqui, seus presunçosos... Vou mais uma vez arrasar com todas as gerações de ascendentes e descendentes de vocês. Pernósticos... Então, é a união de todos vocês que fazem o eu? Para cima de "moi" não, Girulika!" Ouvir-lhes o guincho das risadinhas, ver-lhes os olhares de esguelha, aquele arzinho de "Acordou com a macaca hoje..." Virar-lhes as costas, cuidar dos interesses prioritários, à noite fumar um cachimbo e olhar para um ponto fixo no céu coberto de estrelas, procurar o nome escrito numa delas, sentir-se orgulhoso por estar escrito para sempre. Tudo são cretinices de por baixo das estrelas, um feixe de quimeras e ilusões.
Acordar com a macaca e dormir com os jegues na coxia. O que há de irônico, sarcástico, cínico nisto? Eis a condição da vida de um indivíduo isolado na sua mais suprema expressão!


(**RIO DE JANEIRO**, 24 DE ABRIL DE 2017)


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