#E O RIO BEBIA A FLORESTA# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO




A aparição do anticristo, a notícia de que o fim do mundo se aproxima a passos largos, conflitos asiáticos, orientais e ocidentais podem assumir significado simbólico válido para a razão e esse fim do mundo, representado como
um acontecimento imprevisível.


E o rio bebia a floresta!...


Como se um flamboyant me acenasse,a-balançando as folhas, brotos de folhas, flamboyant de ampla, múltipla folhagem e rijo desejo, vontade, volo, servindo de encosto e, ainda, sombra para o vagabundo tirar uma soneca, o boêmio de violão ressonar entre a morte antecipada, prévia, avant-prémier, e a eternidade retrógrada: assim está o mundo frente aos promotores, juízes e advogados, diante de cujos olhares o homem rasteja, arrasta-se e se abaixa e se rebaixa e se torna mais vil que cobra ou porco, gambá ou tatu de sepultura.
E a palavra glorificou a sabedoria que floresce na escuridão, nas trevas, nas mediáveis e mediavélicas dimensões da a-lumiação, sabedoria de brumas noctívagas, proscreveu para longe, distante, de si tudo que é desprezível, mesquinho, medíocre, o que vive disperso suspirando, lamentando-se, e aquele que persevera até as menores vantagens, o obsequiador apressado, que se deita de costas, acomodado e submisso.


E o rio bebia a floresta!...


Desejo, insolente e meigo, segurar a balança sobre o mar de ondas bravas, ondas furiosas; e escolho, veloso e lisonjeador, também, um álibi, testemunha, para que a tudo assista, esteja presente a tudo - tu, jabuticabeira, entre o abacateiro e o jardim de orquídeas, rosas, a que amo de paixão e delírio, com o seu tronco áspero, creio ser a idade que vai avançada, e galhas de folhas verdes e viçosas. Por que travessia vai o hoje a caminho do vir-a-ser, das coisas futurais, do futuro? Que força descomunal obriga o alto a descer até o baixo? E o que requer com irreverência o mais alto - crescer ainda mais, ainda mais, ainda mais... sonhos dentro de outros sonhos, dentro de outros sonhos, dentro de outros sonhos. Para os corações sedentos de amor, ternura, afeição, corações carentes, para os corações livres, a inocência e a liberdade, o jardim dos deleites na terra.


E o rio bebia a floresta!...


Silente surge à beira da floresta uma presa sombria. Céu de estrelas pela noite espiritual. Rua vazia, escuridão, silêncio.
Se me en-veredo pelas cositas, desemboco-me nas "tais", e nas tais cositas vou-me fazendo, re-fazendo, tornando a fazer, vou seguindo a estrada das tais, que não trans-formam a linguagem e o estilo de estar-no-mundo, mas trans-literalizaram as experiências e vivências, tornam-lhes espírito de sonhar a verdade, tornam-lhes alma de desejar, não o absoluto, isto é quimera, o viver aberto aos horizontes re-versos da lareira da contingência, das achas crepitando-se nas chamas do fogo, esse picadeiro mais lindo e esplendoroso, onde os risos e alegrias permanecem por sempre - objeto de risadas e gargalhadas dos homens, e admirador da obra de Gogol, aprendi a representar no picadeiro as graças de estar-no-mundo, nasci sem razão, prolongo-me à busca do sorriso nos horizontes de lareira re-versa, clareiras in-versas, abtusas, rio de mim mesmo, e morro de alegrias in-versas e trans-versas, olhando e con-templando o uni-verso de in-finitudes sob a luz fosforescente das sensações de ser, não-ser...


E o rio bebia a floresta!...
Buscava através do aparente o que aparecia, através do disperso o que dispersava, e recolhê-lo no silêncio que dizia a unidade. O devir haver-se-ia de constituir-se, como a ponte entre não-ser e ser.
A vida é viver todas as coisas. Se não as vivemos, não se viveu, estivemos nas sombras do mundo. Por vezes, a maior angústia é a suprema e divina felicidade. E por vezes, se pensamos nas re-versas lareiras do trilhar-os-caminhos-do-prazer e felicidade, é a maior desgraça, infortúnio... E pensamos que somos os tais, se nos enveredarmos pelas cositas. Achamo-nos, pomos óculos escuros, usamos chapéus, estufamos o peito, olhamos de esguelha para a terra, e nada somos.
E enveredando-me pelas tais, desemboco-me nas cositas, e nos horizontes belos, na beleza dos horizontes, no esplendido de Belo Horizonte, e descubro entre emocionado e saudoso quanto a criar de modo que a vida valha a pena, tirando os óculos escuros do rosto, con-templando à distância, olhos, rumos, agradecido por estar no mundo, entre os homens, as coisas e os objetos, aprendendo sensibilizado a caminhada ora nos caminhos floridos de florestas, ora nas estradas de pura poeira, lama, após as chuvas, vendavais...


E o rio bebia a floresta!...
Não aguardei que a madura idade me convertesse em flor, essa beleza, em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada. Por entre os estatutos da terra e a conjuntura esconjurada dos deuses caminho. Ao sobrepujar o lugar, a audácia me leva a favorecer o não-ser contra o ser. Não consentirei que o envelhecer con-verta-me dos pecados e pecadilhos da in-consciência.
Vida, vida, vida... E Clarice Lispector, minha amada e querida escritora das horas em que a vida mostra suas perspectivas de dor e sofrimento, ipsis litteris trans-literalizada de vida, diz que não a precisamos entender, sim vivê-la. E estou vivendo agora as cositas das tais, as tais de cositas, comungadas vão desembocar nos horizontes de lareira re-versa, quando sinto e vivo o amor que compreende, vivencia, vive, entende... É a rosa da vida o amor - dizendo assim, lugar-comum, mas sentir isso nas profundezas dos quês-da-vida, hum... rum... ou rum... hum..., cositas da vida, vida de cositas, vida de tais cositas...cositas de tais vidas...
Sou homem imperfeito na vida, no caminhar por entre o picadeiro da vida e a vida de todos os picadeiros...


E o rio bebia a floresta...

(**RIO DE JANEIRO**, 26 DE ABRIL DE 2017)

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