#VESTÍGIOS DE UTOPIAS DEIXADOS NAS RUAS E ALAMEDAS# - PINTURA: GRAÇA FONTIS/AFORISMO: Graça Fontis/Manoel Ferreira Neto


"Aguardem-me!..." disse-o Tersíone, virando as costas a alguns amigos com quem compartilhava delicioso churrasco de picanha, regado a caipivodka, naquela sexta-feira da paixão, con-templando uma muda de pé de limão que o enteado havia acabado de plantar, com tanto esmero e carinho, "Chegará o longo crepúsculo outonal, onde e quando salvarei a minha luz para além..
Haverei de, em breve, re-colher os vestígios de utopias deixados nas ruas e alamedas por onde trilhei passos, res-gatar as horas e dias perdidos na inércia predominante do passado. Se me fora prazerosa a inércia, digo-lhes haver sido aventura muito além do simples ou sublime prazer, sonhava-me esta inércia predominante do passado, sonhava-me inerte passado.
- Herdei de quem? - se fora herança não me é dado responder-lhes com propriedade, mas lhes garanto, olhando de frente as situações e circunstâncias, cri a vida não me fora dada, cri era inútil a sobrevivência, as nuvens brancas era o reduto apropriado até o fim.
Calado, assisto o passar do tempo, o passar do ouro e dos risos, o passar dos bois e das ovelhas no topo da montanha, onde, através de mim, o todo transforma-se numa figura des-comunal e im-potente, o ser re-veste-se numa imagem além dos dons e talentos da criação, e não o alcançarei.
Finquei raízes neste lamaçal... estúpido; nada digo, apenas ouço, lamento, lamurio, re-clamo, mas nada faço, nada fantasio ao menos para digredir; questiono, e antes de dizer que ninguém me ouve, sou quem não ouve os questionamentos, as res-postas, inda que quiméricas, recebo em sussurros e murmúrios. Isso é óbvio e evidente... são só pensamentos, ideias frouxas, voláteis, nada há neles de substancioso, pois jamais gesticulei palavras em des-apreço aos meus algozes, ruminei sentenças e juízos ao bem e felicidade desejados pelos amigos. E porque o faria? Por quem me tomava para des-apreçar os algozes, para ajuizar os amigos, era a inércia predominante do passado, enquanto eles eram a ilusão sistemática e fundamental do poder e da glória?
Acaso em alguma vez perceberam a ira em meu olhar? Acaso em alguma vez sentiram o vazio no meu coração, sentiram o nada de por baixo da sola de meus sapatos, sentiram as tristezas, desconsolos, desesperos, angústias residentes nos recônditos, regaços de minh´alma? Não, nunca perceberam e nem perceberão, pois sou apenas um grão de areia num mar de aberrações discriminatórias, uma molécula de poeira numa estrada de intermináveis declives, de só valetas e buracos.
E neste outono ensolarado, onde as folhas fogem, são levadas pelo vento ou pela enxurrada de chuvas eventuais, e uma fumaça insistente aparece ofuscando ainda mais meus pobres olhos cegos por conveniência, sinto precisar ser luz para mundos mais distantes, noites ainda mais distantes..."


(**RIO DE JANEIRO**, 16 DE ABRIL DE 2017)🏅


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