**A LESTE DO DESERTO MONTANHAS E FLORES...** - PINTURA: Graça Fontis/PROSA POÉTICA: Manoel Ferreira Neto
EPÍGRAFE:
"O milagre da obra humana, à face da montanha,
vejo sumir-se na poeira – no silêncio da ordem universal súbito clamor de
misericórdia atravessa de alvoroço a paz dos homens." (Manoel Ferreira
Neto)
"Qualquer mistério é liame do silêncio e
inspiração o tempo amarra na eternidade."(Manoel Ferreira Neto)
Seja-me permitida oportunidade de - num fim de
tarde de quinta-feira, ventando, sol ameno, deitado na rede na sacada da
residência, fumando, criando musiquetas das razões absolutas do efêmero,
fugazes da eternidade, suscitando fará friozinho na madrugada, não os que
exigem três cobertores de lã, mas agradável de se conciliar o sono - sonhar a
natureza em harmonia com o espírito, sentir preciso aquecer, com paixões
outras, desejos que me habitam, reclamam revelações.
Assim pedindo e rogando, não estou interessado em
diplomacias. Muito embora prefira ser verdadeiro, sem me inspirar nestas
características, creio divulgar sentimentos outros, sem os quais não seria
indivíduo ardiloso, deixando as palavras ressonarem em antemão de sinuosos
avessos; creio expressão da espiritualidade seja poucochinho sutil e, assim,
destilo venenos singulares, pois que amaria se a revelasse, podendo até
rejubilar-me por encontro com ideais.
Devo dizer, antes de seguir, o pedido não se
justifica como se fora condenado ao silêncio, nada restando senão pedir para
dizer o que me vem à alma, não me importando se a derradeira vez. As palavras
sejam último desejo, desnecessário cumprir, publicar. Tendo sido ouvido,
certifico-me de não esquecer palavras célebres - a Leste do Deserto não serão
esquecidas por terem sido espetáculo da natureza.
Este mistério de viver sente desejo de conhecer, na
jornada, a vagarosa caminhada. Por lance de dados, acreditando nada poder
causar-me surpresa ou suspensão, sem arrogância de análise, janela mostra
imagem de homem com a frincha de desejo impossível, para ser lugar concreto nas
encruzilhadas recorrentes de tempo e espaço.
A alma será saciada em grande banquete. Jardins de
rosas brancas, flores variadas, lágrimas (quando contidas), partidas e lutas
são para amanhã. O céu abrindo fontes de luz no espaço, alegrias se assemelham
a utopias.
Quem nasce é ainda nada. Quem morre, a
infinitesimal aparição; é a plenitude, pura necessidade de ser. Um homem só é
perfeição, realiza-se até aos limites, após a morte o não poder anestesiar. É
assistir à aparição de ventos de aquéns-em-aléns, na madrugada, mesmo por breve
tempo - enquanto raios de luzes emergem da espessura em que deslizam os dedos -
pessoas tagarelem o cotidiano de louvores, reconhecimentos.
Reconheço-me mundo fechado – voz obscura que me
fala transcende passado e futuro, vibra desde as raízes ao universo, -
indissolúvel, olho sensações que me foram habitando, sei-me ser instalado em
esperança originária de pão necessário. Como é estranho este esforço de captar
na palavra instante infinitesimal, ainda não é, mas se faz presente e é
antecipado pelos anelos do coração.
Não tenho direito de me orgulhar desta voz obscura
senão assumir sou ser instalado em esperança originária de pão necessário,
outra não sendo senão a de mergulhar fundo n´alma, arrancar-lhe desejos de
assistir as necessidades humanas. Valores e virtudes pertencem aos homens.
A dimensão de infinitude que nos habita, este poder
incrível de saber-nos, é em nós que se limita e torna absurdo o desafio que nos
lança a contingência e morte. A experiência de nós, bom moço, do inverossímil
milagre do que somos, é difícil, e de si miraculosa.
A luz que nos esclarece a razão, ilumina a
sensibilidade, é a mesma que nos alumia a sabedoria, vontade de compreensão das
coisas do mundo. A alma subindo às alturas, podendo vislumbrar e contemplar a
luz, leva consigo vontades de júbilo, que, do mais fundo, remontam à nascença,
pela mesma lei que faz subir ao nível originário a água derivada do topo da
serra, esteja longe ou próxima aos olhos.
Não me é dado pensá-la, se não a relaciono com o
talento, todos somos talentosos, a fim de poder criar o pão de cada dia; este
talento é arma divina, não tenho quaisquer dúvidas, que Deus concede aos homens
para que a empreguem no melhor serviço dos semelhantes. Se esta luz a priori
não seja dirigida aos homens, em verdade perdera o brilho, nada resplandece, e
o tempo fá-la extinguir-se.
Homem novo vai nascer. Há no coração o mistério de
re-novação para todos, esse poder que instaurará as verdades na terra, todos
serão filhos de Deus e será isto o advento do Reino. História nova, porém, e
vivida no sangue, tenho sim, mas é minha. Em tal caso, se não falo ao futuro,
se é história “individual”, mais do que de “pessoa”, “homem”, se é “historieta
infantil e ingênua”, de que servem os cigarros para elaborá-la?
Em verdade, fumei único, dei poucos tragos, não
podia interromper as idéias que me surgiam para apanhar o cigarro no cinzeiro,
sobre a mesa do lado direito, trazendo-lhe aos lábios, tragando, recolocando-o
no cinzeiro. Se o fizesse, teria de espremer os miolos para recompor a idéia,
óbvio perdendo a originalidade. Por momentos me sinto vazio e só consigo
vencer, se interrompo e dou trago no cigarro. Quanta vez me deparei com dois
queimando-se!...
Só nos ermos em que não caíram as cinzas do exílio,
a vida conserva a divindade do talento e do dom. Os olhos ofuscados vêem os
sonhos como vasto campo a revelar-se entre duas realidades, a do horizonte e a
do infinito. É verdade que se me revelou ao espírito, estando a relembrar esta
fala, e que, salvo não estar tergiversando as idéias, concedendo-lhes
substancialidade, não pude me furtar ao desejo de contemplá-las.
No sonho, alarme, mistério, a presença de mim a
mim, mundo submerso na intimidade – só há problema para a vida, o de conhecer a
condição, e de restaurar a partir daí autenticidade.
Será que estou cedendo ao tempo avaro, inverno do
mundo? Mas é a nostalgia da palavra, melancolia do verbo que emocionam o
coração e faz o espírito vibrar de júbilo.
O segredo está enterrado no vale de oliveiras, sob
a relva e violetas frias, em volta de casebre cheirando a tinta fresca. Noite e
dia, falo, levanto a voz, clamo. Tudo se inclina. Surdo a todas as vozes.
Talvez, estando preste a morrer de fadiga, possa
renunciar ao túmulo dos néscios para ir deitar-me na areia do deserto sob a
mesma luz, e possa apreender o fogo ardente penetrou-me. Quase sem forças,
rasgo verbos.
Muitas das dores amenizaram-se, iniciando outro
estilo de ser. Alegria humilde e, todavia, excessiva, eleva-me, transfere-me à
evidência dominadora que respiro como ar de alhures.
Penso e imagino que a tarefa humana é fechar e
apertar os olhos, e ver se continua pela escuridão do quarto de dormir o sonho
avesso da ambição e volúpia.
Não sei dizer se fazia pouco de mim, se procurava
feixe de luz por abertura estreita; gostava dela, muito. Dizia “eu” e, dizendo
“eu”, era extraordinária maravilha.
Sempre em torno rebenta a esperança de quem inicia,
renova-se a vida, re-nascem experiências de comunhão. A vida, o minuto primeiro
– ignoro, se não tenho podido explicar aos homens de alma e coração puros,
cenas e imagens sobre que nem sempre falo.
Todo imenso, abençoado, envolvido por neblina,
estende-se diante da alma; coração, alegre e saltitante, como convém à criança
que sai da mercearia chupando pirulito, aí mergulha e se perde, da mesma forma
que os olhos, ardentemente aspiro a entregar-me aos prazeres efêmeros,
deixando-me impregnar de sentimento único...
Ai de mim!... Lá chego, cansado de tantas subidas,
às vezes de ladeiras absurdas às pernas, vejo nada sofreu metamorfose; encontro-me
mesquinho como outrora, a alma sequiosa suspira por água refrescante.
Homem que, tomado de espanto diante da
mediocridade, apela para forças e transporta facilmente cargas que, de sangue
frio, mal poderia empurrar. A natureza humana suporta a tristeza, alegria, até
certo limite; se o ultrapassar, sucumbirá. A questão não é saber se o homem é
digno de respeito ou dó, mas se pode aturar a medida da imbecilidade, que lhe é
de vocação e direito.
A vida é sempre a primeira hora.
No silêncio da noite, a voz firme ergue-se
ESPERANÇA a ESPERANÇA... Na mocidade, era antes taciturno, não por medo ou
timidez, pelo contrário, por espécie de preocupação interior que me fazia
esquecer de tudo, impossível sabê-la, e por mais procurasse estilos de a saber,
parecia-me criação, impossível esconder ser alguém de imaginação fértil.
O milagre da obra humana, à face da montanha, vejo
sumir-se na poeira – no silêncio da ordem universal súbito clamor de
misericórdia atravessa de alvoroço a paz dos homens.
Há no homem, bom moço, dor silenciosa; entra em si,
cala-se. Há outra que explode: manifesta-se por lágrimas de comoção e se
expande em serviços. Semelhante dor não quer consolações, repasta-se com a
idéia de ser imortal.
De novo, levanto harmonia de idéias, coroada de
eternidade – num longe imaginado (aí onde a lembrança é só pura expectativa)
passam ventos em linha, voz de espaço ressoa à atenção suspensa.
Só morre o que temos ainda para projetar. Nada
tenho? O amor. Envelheço-me. Morrer. Que importa se agora ou daqui a segundos?
Faria diferença? Não acredito. Convivo com esta realidade. Outrora a desejei
ansioso, seria melhor que continuar com tantas dificuldades. Sacudir de mim o
que me enfraquece. Este vil bocado de carne. Os planos atingem planalto
extenso, cercado de alvos picos de neve... Construção solitária de madeira
escura e pesado teto branco, perdido e sozinho na vastidão debalde(?).
Volto, talvez na esperança de reencontrar liberdade
cuja lembrança me acompanhe, recordação que esteja a seguir-me passos e traços.
Gosto de sorriso lívido de olhos brilhantes, do privilégio de blues num
botequim de rua sem luz, ninguém presente, o som baixo, luz turva, proprietário
com cotovelos enfincados no balcão, palitando dentes. Ficar o dia sozinho,
perquirindo e analisando a beleza. Mister conhecê-la pouco mais. E, para
recriar beleza, amor dilacerante, só uma atitude é suficiente: olhar profundo
numa sala vazia, o eco primordial de sons. Só assim consigo descrevê-la. Se
tinha enorme ternura, entregando-me, era afinal a mim, porque não há senão esta
entrega para nos restituir a nós.
Seja dito que o segredo grita, frágil, para a
insolência da meiguice, nas sementes dos sonhos do verbo; é isto que deve ser
dito, qualquer mistério é liame do silêncio o tempo amarra na eternidade.
A brisa antes dos oceanos desliza-se em palavras a
desejar de si fluírem sons eternos e solitários, nada mais posso esperar que
sejam ouvidas sem talentos ou dons; apanho pedra no chão e, mãos em concha,
distribuo olhares em direções outras do horizonte. Neste instante, que talvez
esteja servindo para algo, esteja a fazer-me bem, (se não bem, mal espero não
fazer!) deixe a verdade iluminar-me.
A beleza encontra-se suspensa. A suspensão encantoa
e borrifica os segundos e minutos, esboroa o deslizamento das horas.
Músicas.
Fácil. Vejo-me andando por um jardim. Florido.
Rosas, lírios, crisântemos formam harmonia inverossímil.
Incrível a força para as evasões. Apanho o
cachimbo. Dou puxadas. Fumaça não sai. Tiro do bolso caixinha redonda,
cor-de-rosa, onde está colocado o tabaco. Ponho. Acendo o isqueiro. Abaixo,
invertendo a posição da mão. Entupido.
Beira de lagoa. Água clara, sendo possível ver-lhe
o fundo. Pequenos peixes, dando continuidade à existência. Apanho pedrinha,
atirando-a na água, a fim de ver-lhe o ricochet. Peixes espavoridos, fugindo.
Ao lado, o orvalho da manhã sobre o capim. Chilreado de pássaros. Nova imagem.
Apesar de calma, há muito de sinistro e misterioso. Como desvelar isto? Quase
impossível. Ao longe, rezes pastam. Braços para trás, olhando a natureza. Face
sombria a custo de esforço consigo tirar. Transborda ao frio exuberante.
Inverno. Último homem.
Dilação indefinida – desde que tomei consciência
desta expressão, tenho sobremodo pensado nela; talvez seja categoria. Consiste
em manter o processo em uma das fases iniciais. Para conseguir tal coisa é
preciso que o acusado e colaborador, certamente este último, mantenham
ininterrupto contato pessoal com a justiça.
As horas acham-se encantoadas. Os minutos, presos
no pêndulo, entorpecidos. Os segundos, parados nos ponteiros. É à tarde, quando
o dia penetra no abismo do tempo, que a existência é quotidiana. Há ansiedade
vã na noite, céu sem luminosidade. Até neste torpor sem limites, cada ação e
gesto revelam-me.
Tenho essa vida para viver, e seria quase traição
faltar à entrevista – entrevista endossada desde a eternidade. Por isso,
procuro-a ao amor, em toda a parte onde sei esperar-me palavras.
Tenho fumos de insigne nas horas de pachorrice.
Quem não é de todo pachorra? Releva observar não recorrer à idéia de antes da
melancolia estes fumos de insigne servirem de máscara, que não admito, sendo
mais aconselhável perecer; serviram de fuga, para não estar de frente com a
indigência.
Creio na harmonia entre os desejos e as relações,
dizendo haver superado as expectativas.
Devia ter percebido para que porto o coração
selvagem se dirigia, e, selvagem, os sentimentos puros se revelariam, apesar de
a sombra ombrear os passos. De que me valeria a selvajaria, não fosse a
presença da sombra a ombrear-me os passos. Não sei elucidar os contrários e
adversidades. Quem sabe o caminho da consciência seja itinerário a ser seguido
para vencer as dificuldades!...
Falo com paixão. Paixão louca pode justificar
quimeras e fantasias deléveis. Não justifica o mais importante: o erro. Sendo
este incontestável, fatos não podem trapacear. Muitos, não olhando de soslaio e
se afastando, fá-lo de longe indecisos, com hospitalidade de sorriso mesclado
de dúvidas e medos. Quem sabe realizo algo esperava veemente, apesar de ser
pudico nalguns valores e virtudes de homens célebres!...
Sei a minha arte: ininteligível seria supor e
desejar não a soubesse, sem ela ser-me-ia impossível estar falando neste
estilo, às avessas, portador de veneno sem precedentes, os encômios satisfazem
a todos os paladares, dependendo dos achaques e pitis. Não me esqueço do outro
lado da moeda.
Melhor haver menos sentimento nestes colóquios,
navegar mais junto às pedras das montanhas, ao invés de lançar-me às palavras
de conduta ilibada. Mas, enfim, posso afiançar, não apenas com palavras
medíocres, ser questão de estilo.
De outro modo, pareceria entregar-me por
curiosidade, talvez por costumes; seria enfadonha esta dúvida traidora sobre
nuvens que cobrem os céus da humanidade, experiências que edificam as
realizações, embora revezes e antemãos. Não me ando a seduzir há muito. Além de
outras coisas...
Não sou homem quem afasta experiências vividas em
detrimento de única, isto movido por interesses mesquinhos, sentir-me
confortável no meio dos homens. Creio a consciência que se me revelou da
profundidade de não me andar a seduzir há muito explica o passar ontem
deprimido, e para conseguir não me entregar ao torpor, pus-me a jogar paciência
com velho baralho encontrado numa das gavetas na biblioteca do quarto, pequeno
móvel em que guardo vinte e sete livros. Seja então início de outros risos e
ouros ao longo do caminho decidi-me trilhar. Parece-me melhor que paixão
desinteressada; aliás, poderia ser internado nalguma Casa Verde, não acredito.
Seria ininteligível não revelar o sonho que tive
esta noite, ficar-se-ia a criar hipóteses sobre algo que tenha gerado este
conhecimento, e que, em verdade, tenha dele dúvidas atrozes da veracidade por
se encontrar envolvido em hipocrisias.
Sonhara que no interior de mim lia algo. As
palavras reconheci-as como se constituíssem canção. Aliás, surpreendi-me,
dizendo: “Há uma canção nestas palavras. Há ritmo, melodia, arranjo”. Não me
admira que desta lembrança, difícil de não perceber e perscrutar perturbações,
primeiro clarão da aurora, atravessando os vidros da janela da alcova,
alumiasse o rosto, grave e plácido anterior à calma antes da tempestade.
Seria até não assumir o que digo, enquanto cofio o
bigode, hábito que adquiri. Não me admira não tenha dúvidas acerca da
veracidade, o que escondem palavras às avessas, inclusive desde o início,
quando poderia haver dito “selvageria”, dizendo “selvajaria”, e compreendo
haver verniz de celebridade no uso.
Fecho os olhos, e, se o verniz de celebridade
torna-me inoportuno, devendo continuar a falar em voz inaudível com absoluta
atenção se alguém não percebe esteja conversando sozinho, amanhã não haverá
quem não saiba converso sozinho, e todas as galhofas far-se-ão notórias, não o
deve à vontade, mas à situação, porque nem todo o engenho de Voltaire pode
fazer homem interessante. Enfim, jamais fui quem haja negligenciado o homem
trabalhar sem raciocinar, é o único modo de tornar a vida suportável.
Sou propenso que esta fala se fundamenta no lema
adotado, desde a mocidade, idade em que os espíritos jovens são extraordinária
vocação para o tabernáculo de imbecis. Por que me arriscaria a vida
insuportável, esquisita? À parte todos os senões, desde o de que é preciso
coragem para ser feliz, e não sou homem corajoso, aventureiro; aliás, muitas
vezes até me pergunto sobre a veracidade da selvajaria não ser imaginação;
desde o de fuga, conduta de má-fé, mais precisamente falta de responsabilidade
com quem represento.
Pareço-me indiferente aos sentimentos que inspiro –
não haveria modo de não sê-lo, pois que as dúvidas sobre esta fala são
traidoras. Se não indiferente, não seriam dúvidas, mas distúrbio de
personalidade - palavras dizem algo, sou diferente delas. Sendo indiferente aos
sentimentos que inspiro, obedeço ao lema não menos que a disposição do
espírito. Sei a fundo a retórica da paixão, não a emprego sem parcimônia.
Nada dissimulo, não revelo os desígnios. Deixo
transparecer no rosto o que sinto no coração. Poder-se-ia dizer seja espírito
compulsivo, não negligencio. O senão está justamente que me aproveitei dele com
sapiência, sublimei-o. Mas jogo cartas na mesa sem previsão. Expansivo e
discreto, possuo estes contrastes aparentes, não sendo mais que harmonias de
caráter.
Haveria quem não pensasse, se me estivesse ouvindo,
uma consciência assim não daria o troco, o retorno não seria depressão, momento
de fazer inventário, saber o porto a que me destino. Defeitos nascem de
qualidades. Sou crédulo à força de ser confiante, ríspido com tudo o que me
parece fútil. Tenho a imaginação quimérica, às vezes – a inteligência austera,
mas compenso estes defeitos, se o são, por qualidades sedutoras e raras.
Os olhos estranhos buscam esconder o segredo.
Afianço nada dissimular, não sabia de que segredo se tratar, visto neste
monólogo a distância entre as palavras e sentimentos ser considerável. Acho-me
perfeito demais. Que razão haveria para esconder-me dos olhos dos outros? Não
revelar algo não tardaria a ser público? Pode ser que me engane, mas creio
haver imaginação criativa.
Olho, digamo-lo assim, por baixo das pálpebras.
(**RIO DE JANEIRO**, 06 DE ABRIL DE 2017)
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