**TABERNA DE DIFUSOS - II PARTE** - PINTURA: Graça Fontis/PROSA POÉTICA: Manoel Ferreira Neto
Sei-me pleno de força, vitalidade. O mundo me espera, até começa a
reclamar a espera tem sido longa demais, o suficiente para encetar a
enfastiar-se, digo-lhe que sigo o ritmo normal; todo o ser vibra como se
através dele repercutisse um dedilhar de cítara.
Nada mais existe, importa senão os desejos fortes e vivos – não sei.
Ignoro se é neste estilo que os outros sentem o pulsar da vida, se em relação
aos sentimentos reais, estes que se harmonizam com o brilho dos olhos a
contemplar os horizontes e universos.
Sinto a força e vontade de as coisas serem contínuas. Prazeres,
alegrias, que me absorvem todo, vontade e chamas. Em relação à vida,
impulsionara-me as intuições de possibilidades, chances. Não aprecio este
último termo; afigura-se-me estou sendo escravo, sou permitido fazer algo só
muito pequeno. Tenho de saber o tamanho da coisa a ser feita, não devo exceder
os limites, fronteiras. Só recente me conscientizei de vezes haver tentado;
tive só chances.
Busco possibilidades, nada fora em vão, aprendi as lições fundamentais,
trabalhei-as, investiguei-as, silenciei-me, deixei os verbos se revelarem a
bandeiras soltas, não desperdicei o único tesouro, dom, que aumenta quanto mais
tirar. Que importa o resto, em que pesam os arrazoados alheios?
Deste alto onde posso contemplar toda a Fronteira da Lembrança e do
Esquecimento, procuro através da neblina, esta sim é a mesma, após alguns dias
de chuva constante, logo ao amanhecer, os traços e caracteres de há alguns
anos. Nada sinto, ouço; até compreensível por estar a ouvir músicas, não alto
nem baixo. Nada vejo, por estar o coração leve, alguns sentimentos os sei
puros. Ordem é perpassar-me, estou consciente e intuitivo, a música renova
poucochinho; bom ser em estilo lento este poucochinho.
Estranho ou não, afigura-se não ser o lugar, instante adequado; é como
se me dissesse uma palavra de amor, não igual às que as mães dizem comumente
aos filhos, mas às que as mulheres dizem ao objeto de sua entrega, carinho...
Nenhuma lembrança ou esquecimento se revela. Necessário excluir uma destas
dimensões do tempo na terceira pessoa do singular, nenhum remorso ou orgulho
obscurece a consciência ao dizer isto. Nem sequer, de longe, posso imaginar
poderiam ser outros os sentimentos a unirem-me ao mundo, homens, coisas. Havia
na expressão enorme tensão e ansiedade; a palavra necessitava de harmonia e
sintonia com elas; enfim, a sinceridade é de importância sem medida.
Não sei por quê, insensível e inconscientemente, creio ser conivente, no
sentido de algo que se aproxima, posso tocar, os olhos lacrimejam. Posso é
justificar a emoção com esta força a habitar-me o espírito, a alma, deles é
parte constituinte.
Talvez seja livresco a imagem que esculpo de quem estou sendo,
representando, sinto-me em harmonia com desejos acalentados. Pouco que posso
expressar acerca destas coisas, imagino que represento alegria e felicidade,
deparei-me com elas vezes assinaladas em romances, como características de
alguém privilegiado, talentoso, mas gosto que assim o seja, em sintonia com o
vivido - possua este símbolo, signo, tão cálidos e ternos, para diferenciar-me
de outros homens conhecidos.
Acho extraordinário o tom de voz que emprego para dizer-me estas
palavras, tão simples – é como se não tivesse sentido qualquer dificuldade,
medo de estar equivocado, de não se tratar de algo real, e exprimo uma ternura,
cuidado, ou que não houvera vivido estes acontecimentos outrora. Depois de
todas estas palavras, intui-as vivas e fortes, deveria ter dito assim; não
importa, silencio-me, de modo tão repentino quanto iniciara a dizer.
Não importa que seja eu, é até melhor. Necessito de uma palavra, gesto a
trazer-me à terra firme, tudo foge diante dos olhos, hostil, desde aquela
monotonia, mesmidade que não conseguia suportar, apesar de esforços, até à
lembrança de atitudes e ações antigas, pensara haver sufocado, a cada segundo,
poderosas, ressurgem no pensamento e até mesmo – por que não dizer? – na carne.
Que há de falso nestas palavras, existem no fervor inexprimível,
visando, precisamente, dizer? Não sei hoje como não sabia antes. Encontro-me
deitado num sofá-cama, assistindo à televisão; distanciei-me por longos
momentos.
A luz desta sala não é muita, interceptada pela cortina da janela que
fora corrida. Mesmo assim, diviso os olhos a examinarem-me, são os da senhora,
e descubro neles carinho tão grande, autênticas considerações e
reconhecimentos, ternura e dedicação. Sinto-me surpreso. O sangue sobe-me às
faces. Positivamente, mulheres se revelam quando se sentem felizes com os
esforços e lutas; assim amam.
Durante algum tempo fico em silêncio, não olho para o aparelho
televisor, não olho para a senhora, ainda se encontra de pé ao lado do
sofá-cama, sem conseguir me libertar do constrangimento a enlear-me.
Mergulho na distância que não conheço. Brilha nos olhos como a lembrança
de um mundo submerso. Parece-me a vida toca-me de sentido real e denso: o
sentir-me eu, aqui componho e delineio, assume o novo aspecto com consciência
inédita na figuração do caráter. Não há nisto vaidade, mas certeza de que devo
seguir a caminhada, de peito descoberto – homem, experimentando o que é isto
desejar.
No fundo, nesse insondável lugar onde representa a última cena de uma
iluminação, talvez esteja contemplando o mundo, vida.
A estas palavras, que se esforçam por ser cordiais, não me movo, não
faço a menor menção de gesto com as mãos; antes procuro sentir-me ainda mais
deitado, como se me preparasse para reagir a qualquer espécie de fuga ou
justificativa.
(**RIO DE JANEIRO**, 06 DE ABRIL DE 2017)
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