**O RISO DE DA VINCI** - Graça Fontis: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: CRÔNICA
O riso de Leonardo da Vinci que ‘fazia tremer os mármores´ é hoje
atitude de irreverência e impertinência. Lágrimas, lágrimas inúteis! Em grandes
emoções súbitas sem sentido algum. Oh, turbilhão lento de sensações
des-encontradas, sentimentos desvairados, emoções sorumbáticas! Grandes quedas
de imaginação sobre os olhos dos sentidos.
Estive sentado num dos muitos banquinhos nos corredores da escola,
olhando um menino que tinha enorme prazer em espancar colega seu. Sem quê nem
porquê, era uma tapa, murro, beliscão. Isso, quando, no término das aulas,
Orlando Nariz não surrava Célio Menipo. Olhava o menino para gravar bem e
depois me lembrar e entender como os homens são.
Célio Menipo podia muito ficar distante de Orlando Nariz, não ficar
circulando onde ele estivesse. Evitaria assim ser espancado. Não. Vendo um, era
só olhar de algum lado o outro estava presente. No sonho de entender as
atitudes e reações humanas, avançava e prolongava no futuro, in-ventando o que
deixei de perceber, inacreditável, rirão vocês. Depois me lembrava do que
in-ventei, era feito tivesse entendido. Não queria esquecer nunca os mínimos
instantes, gestos e ruídos. O ouvido, o coração, no seu estado normal, sempre
perceberiam, sempre ouviriam, sempre sentiriam.
Não entendia mesmo as razões, fossem com as crianças, fossem com os
adultos, preferia estar à distância deles, sentia aversão inominável, não era
medo, não era insegurança, não era ameaça. Apenas a solidão com os meus
pensamentos fazia sentir-me bem, era o meu mundo. E assim cresci. Fiz poucos
amigos, afastei-me deles com o tempo. Receber visitas é um martírio, fico sem
saber o que conversar, o que fazer em presença delas. E não é falta de assunto,
tenho-os às pencas. Querem algumas pessoas seja um homem introspectivo. Querem outros
não me abro por medo das opiniões, não ser entendido, compreendido. Para mim,
tão simples assim: as palavras são fúteis, manias indecorosas de expressão.
Vejam vocês mesmos... Quando digo: "Sou homem de princípios humanos".
O que é isto de princípios humanos. E se o galo dissesse às galinhas: "Sou
o galo mais querido deste galinheiro. Vivo cercado de vocês galinhas" Logo
iriam perguntar-lhe: "Então, por que vivem correndo atrás de nós?"
Nem estou entendendo bem como neste almoço de meu casamento esteja
conversando tão livremente, contando-lhes da infância, quando descobri a minha
aversão pelos homens.
Não me torno tagarela, não me silencio. Respondo evasivamente ao que me
é perguntado, dirigido. Aquela comichão de tomar-lhes pelo braço e mostrar-lhes
a porta de saída. Ainda que um tanto circunspecto, sinto algo indizível andando
entre os homens. Sou tido e havido como "bicho do mato." E hoje ainda
mais está presente: à margem dos homens. "Vá entender isso..." Não
fosse absurdo sem tréguas, dispensaria levarem-me o esquife para o cemitério;
iria sozinho para a sepultura, olhos frios e apagados de tanto prazer: Não mais
a presença dos homens nem mesmo à distância.
Afianço-lhes que não minto os acontecimentos, os fatos, digo como tudo
se sucedeu. Não preciso in-ventar, farsear as coisas. Algo muito estranho em
mim, sei que ninguém acredita, está na cara das pessoas. Sinto-lhes dizendo:
"Tanta tramóia, trambique para se mostrar sério, é você. Só para chamar a
atenção, ser o centro dela" Pergunto-me, jamais tive qualquer resposta.
Creio que em qualquer lugar as pessoas estejam, e dizem de si mesmas, é o mesmo
que estar no circo assistindo ao palhaço fazer suas estripulias no picadeiro.
Modéstia às favas mesmo – há instantes sim em que a vaidade ou o seu
excesso são importantes e têm significados que nem posso entender a olhos nus
senão se o tempo mo disser, - pensei e senti ser alguém quem tem nível
intelectual, pensei e senti ser mais inteligente do que os que me rodeiam, e
isto, para fugir a isto de não entender, compreender as razões de não querer
ninguém ao meu lado, e ficar indagando, questionando, e não ter quaisquer
respostas plausíveis; sem dúvida, ajudou-me a crescer, a buscar delinear e
burilar este nível, buscar novos conhecimentos, mas devo confessar com
seriedade e serenidade que isto serviu-me como oferecer flores a uma vaca (em
Mateus, 7,6: “Não lanceis aos cães e às coisas santas, não atireis aos porcos
as vossas pérolas, para que não as calquem com os seus pés, e, voltando-se
contra vós, vos despedacem”); aqui é recriação, adaptada às circunstâncias: há
muito de minha infância e adolescência de que me não lembro, e, assim, o
caminho de busca é mais intenso, as veredas por que vou andar e transitar são
mais complexas e difíceis.
Acho as palavras, súbito des-cubro o sentido de todo o segredo humano.
Que antes e outros antes de mim certamente nunca tinham conseguido achar,
jamais achariam, tenho a certeza. Só eu, a não ser (impossível) que sentisse o
repentino e avassalador poder de tanta beleza. Alguma coisa me sufoca e,
arrancando as máscaras, talvez pudesse respirar. Não é o mesmo conhecido gesto
de alguém que limpa o suor da cara.
Peço-lhes licença a todos, mas não estou bem, preciso me re-colher.
Continuem o almoço.
"Quê fiasco!... Meu Deus!... Dá vontade de pedir os meus devidos
aplausos, depois daquela gargalhada bem dada...", dirijo-me ao meu quarto.
(**RIO DE JANEIRO**, 11 DE ABRIL DE 2017)
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