**VERBOS DE PRIMEVAS RELEVÂNCIAS** - PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto
Ubinam gentium sumus?
Façam o favor quem possa, esteja autorizado, sinta-se consciente de sua
res-posta, com que cara – de pateta? Patético? Idiota? Não importa quanto tempo
será necessário para uma res-posta além do cabimento, abarque todos os
horizontes e uni-versos do conhecimento, sabedoria, sapiência. Se a verdadeira
vingança é mais bem servida em prato frio, as grandes e insofismáveis
res-postas serão sólidas após séculos e milênios de questionamentos e
in-vestigações, in-ventários, pesquisas – ficaria um homem que se respeita,
portador de amor-próprio sem precedentes, andando pelas ruas, avenidas, becos,
alamedas, carregando uma pasta, só Deus sabendo o ue nela há dentro, e ouvindo
perguntar a todos se sabiam do grande sucesso, do sucesso in-descritível e
in-comensurável, o sucesso dos sucessos: Mané da Pasta reivindicou dos
legisladores leis para coibirem a prática sem limites do adultério em motéis, o
turismo está sofrendo conseqüências várias devido a este despautério, os
escândalos aumentaram, ninguém ainda matou o cônjuge, mas as separações
multiplicaram-se.
“Aos pés de V. Excia., digníssimo Presidente, vai o abaixo assinado,
nome, manuscrito, o resto dignamente digitado, pedir a coisa mais justa e séria
do mundo.
Rogo-lhe um “tempinho” de sua vida atarefada, trabalho e pré-ocupações
di-versas são o que não lhe falta, dinheiro talvez, prestar-me a atenção devida
por alguns instantes, a leitura não será cacete, intragável, perca de tempo, há
pontinhas de humor ácido nestas palavras com que me dirijo à V. Excia, com que
con-verso com os digníssimos legisladores desta egrégia casa de legisladores,
que fazem rir à sorrelfa de idílios compactos; não é desejo ou intenções
tomar-lhe o precioso tempo, incomodar-lhe com picuinhas irrelevantes, a
corrupção anda tão à solta em nossa comunidade que as reuniões de votações de
projetos de leis acontecem todos os dias, haja papel para editar as leis
coibindo os infratores.
Não ignora, V. Excia., que, desde que nasci, nunca me furtei ao
trabalho, em primeira instância no Armazém Patrícia, na rua João Pessoa, frente
ao SAMDU, de secos e molhados, até a idade de dezenove anos, quando participei
minha mudança para a capital, real-izar o sonho de ser advogado, estudei com
afinco e responsabilidade, não fui gênio das interpretações e análises das
análises das leis, cláusulas e emendas da Constituição Brasileira, também não
fui aluno medíocre, a inteligência garantiu-me sólidos conhecimentos. A minha
especialidade jurídica, uma vez graduado, é o direito familiar, divórcio
provocado por adultério. Uma vez consultado pelos clientes, ávidos de justiça,
re-conhecimento e con-sideração, resgatar-lhes os sentimentos e dignidade, tomo
a cruz nas costas de divorciar-lhes vez por todas, nem no inferno ser-lhes-á
possível qualquer reconciliação, não meço esforços e lutas, jamais os meios
justificam os fins, os fins estão fundamentados nas leis como foram idealizadas
pelos legisladores. Também não indago de outros serviços: podem ser políticos,
literários referem-me aos direitos autorais, comercial, industrial, rural, o
que for, uma vez que é direito do cidadão lá estou com toda pompa e categoria,
defendendo - só trabalho com defesas, aos advogados de acusação sempre faltam
as evidências e feitos comprometedores; assim é que escolhi o adultério como
objeto, a cama e o casal adúltero são provas fatuais do delito, da infração do
respeito conjugal. Trato com comerciantes, empresários, professores, gerentes
de banco, funcionários, vereadores, prefeitos, açougueiros (no adultério não há
distinção de classe, desde que se é homem o adultério se faz presente e real;
só não trato com padres, bispos, cardeais, a especialidade de alguns deles é a
pedofilia, o que resolve isto é o direito canônico, disto nada entendo).
Cheguei até, Sr. Presidente – (e digo para mostrar atestados de tal ou
qual valor que tenho) -, cheguei a aposentar alguns casais por anos de
fidelidade e respeito, trabalho exacerbado em nome da criação, formação moral,
ética, acadêmica dos filhos. Alguns casais distribuíram as tarefas entre si,
distinguindo-se uns, outros sobressaindo, outros pondo em relevo algumas
qualidades particulares. Não digo que houvesse injustiça na aposentação, mas em
determinados casos as mulheres mereceram uma aposentadoria maior, além de serem
mais sensíveis e reais na criação dos filhos, mais compreensão e entendimento,
souberam educar-lhes com primor no tangente à vida sexual, nenhum dos filhos
neste despautério chamando adultério. Os casais estavam cansados, esta é a
verdade. Trinta, trinta e cinco anos educando filhos cansa em demasia.
Ficando eu com a incumbência de ser justo, distribuir a aposentadoria, a
cada um a quantia merecida, naturalmente tinha muito a que acudir, tinha muito
a que cuidar, e repito a V. Excia. Que nunca faltei ao dever, não reivindiquei
dois salários de aposentadoria à mulher por ser o sexo frágil – isto é um
equivoco: quem é o sexo frágil é o homem; fizesse eu isto, seria criticado com
categoria, não tinha noção da realidade, e teriam razão -, por sofrer e
preocupar-se mais com os destinos da família, por haver perdido noites e noites
de sono com os problemas quotidianos de uma família, em detrimento de só um do
marido que se preocupou apenas com satisfazer as necessidades financeiras e
materiais; não reivindiquei dois salários de aposentadoria ao homem, por haver
sido mais sensível, compreensível com os filhos, por lhes ser mais afetivo,
pelo amor incondicional que lhes devotara com esmero e engenhosidade, por
haverem sido a mãe. O teto máximo de aposentadoria por fidelidade e
responsabilidade com a formação e educação dos filhos sempre foram dois
salários. Como só tratei de três casos neste sentido, todos mereceram dois. E
para a gente de minha classe isto estrompa e mata. Direito familiar é um osso
de pescoço daqueles.
Não tenho quaisquer presunções de ser digno, honrado, honesto, não tenho
presunções de perfeito gênio. Não tenho presunção de jurista sem igual na
história da humanidade, do século XX, de nossa comunidade do século XXI. Sou
útil, ajusto-me às necessidades dos homens, indivíduos, cidadãos, ajusto-me às
circunstâncias, e sei explicar as idéias, sei estabelecer e fundamentar as
intenções, sei distinguir o trigo do joio. Alguém de minhas relações nesta
íngreme carreira jurídica, não declinarei o nome, não se faz mister, diz que ao
advogado de acusação cabe mostrar e de-monstrar que o joio transcende o trigo,
e veja, Sr. Presidente deste egrégio Olimpo dos Legisladores, jamais perderam
uma causa sequer.
Não é trabalho, mas o excesso de trabalho que me tem cansado um pouco –
desculpe-me a sinceridade e franqueza, mas está para existir outra cidade cuja
prática essencial é o adultério. Meu Deus!... Até na sombra tem adultério.
Receio muito que me aconteça o que se deu com outros: aposentaram-se por
cansaço mental, não conseguiam mais raciocinar com dignidade no que tange à
execução das leis. Isso de se fiar uma pessoa no re-conhecimento alheio, na
generalidade dos feitos e compromissos é erro grave. No Direito não se fia,
des-fia-se as inconseqüências, imoralidades, corrupções, e tece-se a postumidade
dos valores éticos e morais. Quando menos se espera, lá se vai o sonho, lá se
vai a realidade, lá se vai a quimera, lá se vai a fantasia, é-se destituído de
tudo, chega alguma pessoa nova, amante e defensora da modernidade, ad-miradora
inconteste das ilimitações, e encontra cúmplices e álibis, a favor de tudo, que
tudo seja permitido, o vazio é porta aberta para outros horizontes, ambas as
mãos da experiência de um passo que só ocasionou alienação, não valem um
dedinho, o mínimo, das esperanças da juventude.
Mas vamos, Sr. Presidente, ao pedido que lhe faço, às reivindicações aos
senhores vereadores desta egrégia casa. O que eu impetro da bondade,
solidariedade, compassividade de V. Excia. (se está na sua alçada; não sou
daqueles que pensam que por serem vereadores, fazedores de leis, tudo é da
alçada de vocês) são leis que coíbam o adultério em motéis da cidade, ainda que
a motelaria seja extirpada vez por todos, os moteleiros vão para a porta da
igreja com um pratinho na mão para acolherem as moedas – lembra-me do mendigo
Chico que pedia esmolas pelas ruas, esmola para almoçar e jantar, não para
beber e fumar, não fumava e nem bebia -, com elas comer um daqueles
“pratos-feitos” do Bar da Praça, gordura além do limite (até se faz a pergunta
contundente: afinal, estou comendo ou tomando gordura), sal à vontade, um
convite solene ao colesterol e à pressão alta. Seria melhor que os adultérios
sejam praticados nos lugares ermos da cidade, escuros, distantes, dentro dos
carros; lá as mulheres jamais des-cobrirão seus maridos fazendo coisas que com
elas não fazem, as mulheres praticando gestos indecorosos, acima de tudo não
haveria escândalos, nenhum risco de crime passional. O que me importa é
salvaguardar a nossa comunidade de tantos atos espúrios ao valor mais do que
divino que é a família. Coibidos os adultérios em motéis, veremos que ainda se
torna possível o resgate da idoneidade matrimonial e cristã, espiritualidade e
sensibilidade. Creio que Deus exagerou na Tábua das Leis que entregou a Moisés,
ao invés de 10 mandamentos, três já eram suficientes: não matar, não roubar,
não desejar a mulher do próximo.
Peço pouco, Sr. Presidente e vereadores deste plenário: apenas impedir
que o matrimônio seja riscado de nossa comunidade, os homens se tornem solitários,
pinguços, cachaceiros, paus-d’água, destruam o bem mais preciso que é a vida,
pois ninguém é capaz de viver sem alguém, ninguém é capaz de viver sem amar e
ser amado, ninguém é capaz de viver sem comprometer o coração, enfim precisa de
aventuras, chato isso de estar sempre bombando o sangue. Alguém que lhe dê
condições de superar os problemas quotidianos, mulher não vive sem homem, homem
não vive sem mulher, aliás, o próprio livro sagrado diz com divinidade:
“crescei e multiplicai”.
Deus, feito o mundo, descansou no sétimo dia. Pode ser que não fosse por
fadiga, mas para ver não era melhor con-verter a sua obra ao caos; em todo
caso, a Escritura fala de descanso e é o que me serve. Se o Supremo Criador não
pôde trabalhar sem repousar um dia depois de seis, quanto mais este criado de
V. Excia., quem de todas as formas e modos reivindica a moralização do
casamento, da vida conjugal.
Não faltará quem conclua, diante de todas estas palavras e sentidos
profundos, que desejo de todas as pessoas, cidadãos, homens e indivíduos,
libertar-me da saga de minha família, somos seis irmãos, e todos adulteraram os
princípios matrimoniais, trariam com rigor e prepotência. Uma delas pensou que
os filhos eram mais importantes que a vida dela, sofreu o diabo que o pão amassou
com o rabo, apanhou do ex-marido por visitar as filhas, adoeceu, contraiu o
lúpus, doença psíquica, devido às defesas que a alma e o corpo criam para não
haver sofrimentos e dores, morreu em dois anos. Enfrentando sérias dificuldades
financeiras, o ex-marido lhe dera o apartamento para viver; entrando em casa,
as filhas lhe disseram: “Você não faz a menor falta nesta casa”. Assim dizem.
Será que um homem solteiro trai? Nunca me casei. Não tenho nem casos. A minha
vida é o “direito familiar”.
Se algum direito tenho a reivindicar a esta casa, maiores e infinitos
têm os casais desta comunidade que sempre primaram pelas virtudes e valores do
espírito conjugal, cujas esperanças são a imortalidade da família, secular e
milenar.
Contando receber mercê, subscrevo-me com elevada consideração de V.
Excia., admirador e obrigados verbos Salientar e Enfatizar.
Lavre-se portaria, dispensados os emolumentos”.
(**RIO DE JANEIRO**, 16 DE MARÇO DE 2017)
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