**NO FIO OBLÍQUO DE FUMAÇAS** - PINTURA: Graça Fontis/POEMA: Manoel Ferreira Neto


EPÍGRAFE:

"A essência da história da arte é em si contraditória". (Manoel Ferreira Neto)

Tumbas a brasas eriçadas esgalgam ódios últimos, sorrindo fúnebres as derradeiras lembranças. Covas a chamas esfoladas esganiçam vinganças. Goles tirados a tempo curto re-movem possibilidades cuja força é ser efêmera. Sepultura íngreme cobre de nada as hipocrisias primeiras, ironias retiradas a esmo, cinismos re-postulados, a falsa modéstia é nonada absurda a copos emborcados. Sete palmos as cinzas esfalpadas abrem letras que esmiuçam tentáculos. Medusa tece pedras cruas cujo olhar fundamenta o barro nu de nossas ansiedades.
Compreendo a estranheza. O exílio não existirá sem o corpo. No entanto, constitui um impasse. Impasse para o infinito. Viver o imortal. Pensava que as muralhas fossem a liberdade – nem mesmo o desejo de atingi-la, alcançá-la.
No exílio, sou ser sem sentido. Fora, a ausência de sentido é o sentido da ausência. É a mãe que está distante do filho, mesmo com ele no útero; longe dele, embora o cordão umbilical não tinha sido extirpado. Está à distância dele, após o cordão umbilical haver sido cortado.
Descobrir a liberdade. Exteriorizá-la no mundo.
Caixões esmorecem tintas que apagam a incólume memória de anos rasgando a seda presa no fio oblíquo de fumaças. A cal cofia ambíguas vestes de linho, o medo de terras recalca o andar cambaio. O ressentimento de tijolos pisa os pés descalços. A amargura de cimento ressoa o silêncio.
O mundo é o exílio. Pensava encontrar um lugar em que descansar os ossos re-festelar os ócios. A liberdade é para não estar fora do mundo. Livre, cadáver de uma perdiz ou de um faisão abatido por caçador furtivo. Todas as possibilidades são no sentido de o corpo estar estendido num fosso ou por trás de uma moita, os joelhos dobrados, os cabelos sujos de terra.
A existência procura inserir-se na morte para não se extinguir. A tristeza resultante da depressão é muito mais que um tipo de emoção centralizada apenas e exclusivamente na psique: afeta todo o corpo. Ela é sentida tão agudamente e causa tanta dor quanto um apêndice supurado – talvez mais.
Lembra-me isto... Talvez não possa denominar uma lembrança, chamar assim. Não consigo penetrar na significação deste termo, no sentido deste símbolo. Diria recordação mesmo. E deste termo tenho consciência do que intenciono dizer.
O invólucro tênue de afeição por toda forma de beleza surge de por trás da ternura frágil por todo conteúdo de perfeição. O Belo das atitudes envolve-me num ato de generosidade, elevando em nível de olhares fáceis, expressando e imprimindo em taças de cristal. Observo-me e as palavras ditas são sentidas nos interstícios de ações no mundo. Procuro salvar o viver de seus en-volvimentos supérfluos com os falsos ideais, com as hipócritas memórias pretéritas: coloco-me acima da vida, pers-crutando as sensações evidentes e trilho as veredas das atitudes.
A felicidade silenciosa, a sossegada e branda paradeza do tempo. Quando as coisas não acontecem ou acontecem vagarosamente que nem se nota, é como se não acontecessem. Quando não tinham ainda acontecido. Por que apressar o engenho do tempo, o sumidouro voraz das suas areias movediças? Por que não se desligar do tempo e apenas gozar o puro compassado amor? Por que mesmo pensar e dizer a palavra amor, quando podia ter continuado sem nome no silêncio do coração, para todo o sempre feliz e despreocupado?



Ao amor regressa um fora da lei.
Coração e sensibilidade
Amor espiritual
Cavidade profunda
Seio de selva des-conhecida?
Cantinho do bosque in-imaginável?



Apanho da pena.
O homem, fora.
Fora das muralhas do exílio.



(**RIO DE JANEIRO**, 18 DE FEVEREIRO DE 2017)


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