**HOMÚNCULOS CINISMOS EM REVÉS** - PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto


Se inicio dizendo o melhor seria se vós vos dignásseis a consultar no dicionário, de preferência o Aurélio, a fim de vos certificar destes termos com que ilustro os textos, intitulando-os, elucidando as páginas deste livro, tenho quase a convicção absoluta de que não haverá único leitor que não diga o prepotente, orgulhoso que sou, até aceitável, mas não tenho o direito de julgar-vos menos, denegrir vossa imagem no concernente à riqueza de vocabulário e linguagem, chamo-vos tão unicamente de analfabetos e incultos. Não tenho este desejo, posso garantir-vos, contudo se aceitais esta sugestão de consulta no dicionário, vereis o quanto se torna mais fácil a compreensão e entendimento das minhas intenções e vontades de expressão, através de uma linguagem culta, clássica, eivada de cinismo, sarcasmo, ironia, chegando mesmo a assumir que me inspirei em Machado de Assis, no prefácio que escreve em sua obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas”: “Escrevi-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair desse conúbio”.
Dúvidas não hajam de que eivada de cinismo, sarcasmo, ironia, também eivada de sonhos e quimeras, de desejos e vontades, de fantasias e utopias de nós os homens aprendermos a conhecer um pouco de nós próprios, conhecimento este que nos proporciona e lega possibilidades inda maiores de realizações e glórias, permite-nos que os caminhos do campo ao longo da caminhada se tornem continuamente floridos e rejuvenescidos, frescos e suaves, o que é deleite – creio até que elixir, se for considerar certas perspectivas - para o espírito e para a alma. Contudo, os sentimentos e emoções são, às vezes, paradoxais, beirando o absurdo e o insípido; as dores, claro, são por vezes atrozes e difíceis de tragar, um nó górdio se forma na garganta, o coração se sente opresso; as sensações se tornam confusas, e diante de tudo isto sente-se a impressão de que a vida é algo muito difícil de se viver, não há saídas para os problemas, conflitos, traumas, “o homem é uma paixão inútil”.
Porém, senhores, posso afiançar-vos que, embora tenha eu sentido dores sobremodo contundentes, tive também prazeres os mais deliciosos possíveis, procurei expressar num estilo verdadeiro o que se me surgia ao espírito, à alma, identificando a profundidade de sonhos e utopias.
Fica a alternativa se vós quiserdes de não consultar dicionário algum, enveredando-se na leitura através da inteligência e intuição que vos sois tão caras e úteis, não necessitando de nenhum esclarecimento do sentido das palavras, podendo analisar e entender melhor do que quem conhece os termos, um douto nos conhecimentos da alma e do espírito, creio que a empresa é tão comovedora quanto emocionante, dando-vos possibilidade de um conhecimento sem limites e fronteiras do que é isso, o homem. Quanto a mim, se fosse eu o leitor, a autoria seria de algum leitor, que, com arte e engenhosidade, criou a obra, não olharia no dicionário, em princípio, o sentido e significado destes termos, lendo livre e espontaneamente. Na segunda leitura, se me aprouvesse fazê-lo, é que me utilizaria de tais conhecimentos. Isto porque a primeira leitura é sempre espiritual, é a primeira incursão nas imagens e sentidos, desejos e vontades, intuição e percepção...
Se vós me permitis desvencilhar-me dos títulos, completando com outras idéias assaz importantes para uma elucidação dos conteúdos e mensagens, tenho a dizer-vos que neste início do século XXI tornou-se sobremodo difícil encontrar escritores que tenham perspicácia e habilidade com uma linguagem clássica, infelizmente só para uns poucos, e isto é muito triste, mas me preocupei muito em criar uma linguagem poética, linguagem esta que desperta os espíritos para a beleza, em especial despertando emoções e sentimentos os mais profundos, desejos e sonhos os mais íntimos, que sem dúvida contribuem sobremodo para a reflexão e meditação sobre o destino de nós os homens, destino este que criamos para nós com a intenção de irmos aproximando de nossa essência, fora da qual tudo se torna e transforma em um ponto de vista subjetivo e apaixonado.
Aproveitando a idéia do parágrafo acima, tenho inda a dizer-vos que neste inicio do século XXI tornou-se difícil encontrar leitores que se disponibilizem a ler uma obra em estilo clássico, com uma riqueza enorme de linguagem e vocabulário, pois têm a santa preguiça de não consultar dicionários, de espremer os miolos a fim de poder entender e compreender o que está sendo dito e expresso. Ler livros fáceis, com linguagem e estilo vulgares, tornou-se a febre, não são obras que exigem esforço e inteligência na análise. Não vos sintais negligenciados, pois que em meu parco ponto de vista isto não é de vossa responsabilidade, é o ensino que anda de mal a pior, os professores não incentivam para a leitura.
Se vós vos interessais por uma digressão, não o sei, mas enquanto fui tomar um café para fumar um cigarro, lembrou-me de que desde o início, quando ainda nem imaginava que tais textos iriam figurar num livro, tais termos causaram-me riso pela empáfia da pronúncia, pela embófia da audição. Fora uma experiência inusitada: termos difíceis suscitarem risos, talvez por não serem comuns, talvez pelo sentido que muitas vezes é de inferioridade, negligência, atitudes espúrias. Aliás, na infância, aquando, consultando um dicionário, deparei-me com a palavra “latrina”, que me tomou de riso por todo um dia. Assim é que eu, imbuído deste riso, inspirei-me em atitudes de não que todos vivemos, pensamos que são valores os mais eternos, os mais divinos, no entanto são o que há de mais deprimente em nossa condição de humanos, e se torna um dever e uma responsabilidade lutarmos com todas as forças para a superação deles, tornando-nos homens dignos de respeito e consideração. Claro, esta incursão nas veredas e alamedas de nossa alma causa-nos dores as mais atrozes, o melhor é então, mesmo sofrendo muito, continuarmos a caminhada, fingindo que não percebemos e intuímos coisa alguma, pois a mudança implica em muito mais dores e, quem sabe, um leve sentimento de que não se é possível uma reviravolta tão grande, não se é possível um momento de alegria e prazer.
Não vos tomo o tempo mais. Tomo a liberdade de finalizar com o final da introdução de Brás Cubas, aquando se dirige ao leitor: “A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote, e adeus”.



(**RIO DE JANEIRO**, 31 DE MARÇO DE 2017)


Comentários