**PREGUIÇA DE ESCREVER A FÁBULA DA PREGUIÇA** - PINTURA: Graça Fontis/PROSA: Manoel Ferreira Neto


Preguiça de escrever, re-costado a cadeira, cofiando bigode e barba, ouvindo músicas, pensamentos e idéias vagando, pedidos em sussurros e murmúrios serem emoldurados nas linhas, a face seja resplendida de verdades e sombrios mistérios do nada, sorrelfas dos vazios, sentimentos e emoções...
Preguiça de escrever, tão agradável a solidão à mercê do estar sentado numa cadeira, distante das melancolias, longínquo de algures e alhures das nostalgias, deixando o tempo correr, sentindo-o seguindo, seguindo, encurvar-me na escrivaninha, pena na mão, desenhando e tecendo símbolos no vazio das linhas, na margem esquerda onde tudo começa, na margem direita que é travessia para a outra linha, mergulhar nas pré-fundas de não sei o quê...
Não escrever, nada escrever, flashes de alguns éritos do passado, fluxos de imagens circuns-pers de futurais alamedas...
Preguiça de escrever... Sombra de cajueiro, sentindo o aroma dos cajus suspensos no nada, no vazio... Esperanças, utopias, sorrelfas a-nunciando-se à distância, o desejo de sê-las, pervagar baldios do silêncio, pers-vaguear neblina co-brindo a alameda, intros-pectivas as efígies templando a superfície do espelho virado para os éritos do verbo, como pronunciar a sensibilidade nos símbolos das palavras, sendo concebido, concebendo linguísticas e semânticas das sarapalhas das ilusões de braços dados apaixonados e seduzidos com as fantasias que esvoaçam raso por sobre o efêmero e o eterno, étereo e fugaz, éter de perfume pres-ent-ificado de quimeras, deixar-me aqui re-costado à cadeira entregue aos sibilos do vento, sem isto de simbolizando isto nas linhas de uma página de cadernetinha, sentindo, sentindo a frescura da noite... se, ao acenar de "inté" da preguiça, que se vai espreguiçar noutras plagas do deserto ou do vale, nada do neste instante está se real-izando, quem sabe "poietizando", não conseguir escrever o sentido, nada importa, não lhe dar atenção é a vontade, mas o desejo quer lhe conquistar, estou-me nas tintas, sabe daquele rebolado do malandro quando se despede de seu companheiro, reverenciando com o chapéu, se então usa uma bengala de cabo de azinavre, que cena de esplendor, o malandro rebolando por entre as bancas disto e daquilo, bengala à frente, um giro para ornamentar a performance...
Preguiça de escrever... Ao som de blues, com as mãos nos braços, dedilhando ao som, ritmo, melodia a madeira, pés se mexendo, tocando o chão, hoje é sábado, noite, perambular, deambular pelos badalos, perscrutar o movimento, um dedinho mínimo de papo, tempo suficiente para "e aí?", malandro sarapalhando pela noite, encontro furtivo com a amada, abraços e beijos, uma bebida, aquele papo com sabor de até logo...
Preguiça de escrever... Que solipsismo mágico, místico, mítico, lendário de gestos performados de gestos, malandro sarapalhando pelas nostalgias, melancolias da madrugada, de volta para casa, o sabor de passos a passos.



(**RIO DE JANEIRO**, 19 DE MARÇO DE 2017)


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