**CANTO DAS RÃS** - PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto


POST-SCRIPTUM: As línguas de trapo cantam interpretações errôneas que é uma beleza. Esquecem-se que a interpretação de Sátiras só é verdadeira se o for na **Terceira Margem do Inter-dito**.


Meu Deus, uma noite de só língua cansa! Antes língua a noite inteira do que dormir sem língua alguma - sono com carência linguística é desagradável: a noite custa a passar.
A primeira língua do homem, a língua mais uni-versal, a mais enérgica e a única de que se necessitou antes de precisar-se persuadir homens reunidos, é o grito da natureza. Mas haja natureza para uma noite só de língua. Os instintos mais prementes reclamam por outra coisa.
Como esse grito só era proferido por uma espécie de instinto nas ocasiões mais prementes, para rogar socorro nos grandes perigos ou alívio nas dores violentas, pujantes, não era de muito uso no curso comum da vida, onde reinam sentimentos mais moderados.
Quando as libidos dos homens começaram a estender-se e a multiplicar-se, e se estabeleceu entre elas comunicação mais íntima, procuraram sinais mais numerosos, gestos mais excitantes, e uma língua mais extensa com a pontinha mais fina, assim podia tocar o brotinho dos sentimentos e das emoções com mais desejos, mais volúpias, e as palavras silenciavam-se todas, os suspiros comedidos ou estapafúrdios diziam a língua do prazer, do gozo.
Dizem as más línguas que assim nasceu o cantar das rãs à beira da lagoa, os suspiros comedidos ou estapafúrdios que diziam a língua do prazer e do gozo as emocionavam e agradavam. Mas até a travessia do coaxar, que é a língua das rãs, ao cantar, quantas noites de só língua foram necessárias.
Sinceramente, fico estupidificado com a força, com o poder da língua: faz a rã cantar ao invés de coaxar.


(**RIO DE JANEIRO**, 24 DE MARÇO DE 2017)


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