**ESPINAFRANDO OS FOROS DA GENIALIDADE E SAPIÊNCIA** - PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto


Cinismo, ironia, sarcasmo não são de minha índole – conheço-lhes os efeitos e resultados, são eficientes em quaisquer situações, quando os desejos são de mofa e negligência.
Cuida-me preservar os bons princípios, idôneas virtudes, lídimos valores eternos, que são de responsabilidade de homens sérios. Quem me conhece sabe de minha seriedade, sinceridade, não movendo única palha para isto tergi-versar, dizendo, às vezes, deveria levar a vida mais na flauta, como quem "está na pista", divertir-me, jogar conversa fora, espinafrar as condutas e posturas, comportamentos e atitudes indevidas, também as radicais, isto também faz parte da vida, ajuda a engabelar os problemas, conflitos e traumas psíquicos, emocionais e racionais, tripudiar as dificuldades de competência, insuficiência, de realizações dos desejos e vontades, acima de tudo a viver mais. Não adianta, não sei fazer isto, com esta incompetência nasci e, com efeito, morrerei com ela, não há remédios ou emplastos que a modifique ou trans-forme. Ser cínico, sarcástico, irônico não sei mesmo, não me fora doado este talento. Imagino se houvesse sido. Isto para mim é atitude, se se quiser, comportamento de um homem dos mais des-prezíveis, dos mais in-conseqüentes, ainda carregando no picel para a cor ser dilacerante, um homem dos mais im-prezíveis, dos mais des-consequentes.
Nada há de mais edificante que aprender lições com sábios, gênios, mestres. São lições eternas, o aprendido leva ao bem, ao eterno, ajuda a encaminhar a vida sempre nas trilhas da verdade, dos bons costumes e hábitos, dos valores e virtudes inestimáveis. Acabo de aprender com um dos maiores sábios, jamais houve outro em nossa comunidade, nunca haverá outro, verdadeiro gênio, para mais lhe re-conhecer e valorizar, uma expressão, não ouvira dizê-la até o presente instante, é fruto de sua sapiência, de sua genialidade. É ele grande, monstro sagrado.
Este gênio nada mais, nada menos é que um tablóide, considerado o grande sábio de nossa comunidade. Só está lhe faltando uma coluna, a de cartinhas de leitores para pedir conselhos e mesmo saber o que lhes reserva o futuro, saber como resolverem os problemas, como se libertarem deles, como conhecer a política, como saber valorizar os feitos do prefeito, como conversar com aqueles que não sabem o que é isto administrar.
Tablóide não nasce sozinho, é filho da letra e do papel, nasce de um editor e da notícia. Este superou o seu editor, imagino as suas dificuldades em produzi-lo, editá-lo, publicá-lo, suor às bicas descendo-lhe o corpo, os miolos fervendo, o coração às pancadas, alfim não pode deixar a peteca cair, a cada edição a genialidade e sabedoria têm de crescer mais, mais e mais. Não é fácil. Quando a obra e o autor estão em harmonia, ombreiam-se, as dificuldades não são tantas, pode-se até dizer de certa facilidade, a obra ultrapassou o autor começam todas as dificuldades e angústias. A maior virtude de um homem é seu esforço em fazer coisas perfeitas, apesar de todas as suas imperfeições e incompetências. Há-de se lhe cumprimentar por seus esforços incomuns na preservação dos níveis de sabedoria e genialidade, que são muitos e inúmeros, de sua obra, de seu tablóide. Está de parabéns. O gênio nato teria suas dificuldades.
A expressão que acabo de aprender com o tablóide gênio é “estar na fita”. Bela, belíssima! Estou pensando até em escrever missiva à redação todas as vezes que se me revelar uma idéia e eu tenha a intenção de lhe transformar em uma expressão, ditado, adágio, dito popular. O sentido que traz em seu bojo é verdadeiramente inestimável, de uma sensibilidade sem limites, de enorme profundidade. Machado de Assis teria inveja, ciúme, despeito. Jamais pensara ele que pudesse dizer de privilégios, benefícios, usando esta expressão, houvesse sabido sua genialidade não seria contingente, não entraria pela transcendência a fora, não mergulharia na infinitude da vida, seria divina, seria a genialidade de Deus. Mas como tudo está reservado para um, a expressão estava reservada a este tablóide – até gostaria de saber como se lhe revelou, em que situação estava, quando ela surgiu em sua mente, que sentimentos lhe perpassavam a alma e o corpo, que sentira quando a percebeu fresca e pura na cabeça. A Fenomenologia do Espírito seria de Hegel e não de Maquiavel, Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, e não de Paulo Coelho, Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e não de André Carvalho. A Deus o que é de Deus, a César o que é de César, a Mefistófeles o que é de Mefistófeles.
Não é suficiente produzir uma idéia, mister desenvolvê-la, e desenvolvê-la de modo que traga na sua algibeira utilidades e serventias para os homens, para a humanidade. Não é que o nosso sábio e gênio tablóide não só criou a expressão “estar na fita”, mas soube com perfeição colocá-la no seu devido lugar, o criador soube engendrar sua criatura no seu habitat próprio – há quem coloque seus porcos no estábulo, seus cavalos no chiqueiro, há quem dê pérolas aos porcos, lavagem aos homens; mas o nosso sábio tablóide colocou sua expressão no lugar devido, no métier político. Desenvolveu-se aqui, aqui é a sua origem, sua gênese, com o tempo, diante das inúmeras situações e circunstâncias do mundo passará a ser usada em diversos outros métiers.
Lê-se em duas linhas da coluna: “Os funcionários efetivos da prefeitura “estão bem na fita” (aspas e grifo nossos). Nas entrelinhas destas geniais palavras, admiram-me o estilo e a linguagem, o editor estava não apenas inspirado, mas iluminado, não apenas respeitando os dogmas e preceitos da gramática, mas elevando os princípios da clareza e transparência da linguagem e estilo, restaria saber quem foi o copy-desk da edição, jamais revelaria ser Romualdo Lacerda, a coluna é dele, ele assina,0 acima disto cristalizando a clareza e transparência da idéia e do sentido. Que ninguém pense que algum sábio ou gênio da gramática, da língua, da estilística tenha enfiado o bedelho na belíssima frase do editor deste tablóide, é de sua autoria mesma, é fruto de sua magnífica e esplendorosa inteligência e sensibilidade. Claro, claríssimo: os funcionários efetivos da prefeitura estão se sentindo não nas nuvens brancas e azuis do céu, seria pouco, sentem-se no paraíso celestial, desfrutando os mais dignos e sublimes privilégios. Quê bom! Quê ótimo! Que esplêndido! Que maravilhoso! Quem não se sente feliz, alegre, contente com privilégios? Eles id-ent-ificam o reconhecimento, a consideração, o amor e a amizade que lhes são legados. Prefeito algum, em toda a história política, não apenas de nossa comunidade, mas de todo mundo, valorizou tanto a efetividade de seus funcionários. Este merece estar ao lado esquerdo de Deus-Pai. Têm de orar, debulhar terços, fazer promessas possíveis e impossíveis, pedindo-Lhe divinizar o prefeito, coisa que nem o Sumo Pontífice pode fazê-lo, no máximo é tornar santo os que libertaram os homens de suas algemas e correntes, com milagres e bondade inestimáveis.
Bem... Em verdade, na prefeitura, há os funcionários efetivos, aqueles que se submeteram a concursos, entrem e saem prefeitos, não podem ser demitidos, podem ser transferidos para outros cargos e funções; os contratados são demitidos, entrando outro prefeito. Os efetivos, conforme o sábio e gênio tablóide, estão alegres e saltitantes. Os contratados estão dançando em chapa quente. Informações recebemos-lhes a todo instante, quanto à veracidade delas é preciso muita pesquisa e investigação. Disseram-me, não tenho quaisquer documentos comprobatórios da veracidade do que me fora passado, que o cabide dos funcionários contratados está entupigaitado, os efetivos são poucos.
Mas por que os efetivos estão na fita? Por que os contratados dançam na chapa quente? O senhor digníssimo e respeitabilíssimo prefeito, no que tange às informações re-colhidas e a-colhidas no verbete da página do sábio tablóide com seus mais que verdadeiros juízos, intelectualidade e genialidade, concedera um auxílio alimentação apenas para os efetivos no valor de duzentos reais. Por que não fora concedido auxílio aos contratados? Meditemos com percuciência! Cargos na prefeitura só podem ser ocupados, havendo concurso público, saindo a nomeação no Diário Oficial. Isto é lei. Se o cabide de contratados está entupigaitado, é que a lei não está sendo devidamente cumprida. Se o digníssimo e respeitabilíssimo senhor prefeito concedesse aos contratados auxílio alimentação no mesmo valor, alguma coisa poderia lhe acontecer juridicamente, a opinião pública descer-lhe-ia o sarrafo sem dó nem piedade. Poderia haver dividido esta quantia em partes iguais: os efetivos recebendo cem reais, os contratados recebendo cem reais. Mesmo assim a situação ficaria complicada, são os efetivos que têm direito a esta concessão. Se não o fizesse a ninguém, também haveria suas conseqüências. Verdadeiro beco sem saída. Teria saída? Seria os contratados fazerem concursos.
Sejamos justos. Os efetivos merecem este auxílio. Com duzentos reais podem comer melhor, a comida mais temperada, a variedade do cardápio aumentará a produtividade, os interesses do prefeito serão servidos com mais eficiência e competência. Aos talentos, a comida adequada. Não é intenção meter o bedelho onde não sou chamado, enfiar a mão na cumbuca, mas não vejo outra solução senão levantar um questionamento, ainda que sobremodo superficial, o que também não é de minha índole. O questionamento que levanto é se esta concessão só legada aos efetivos, aos contratados neneca de pitibiriba, não seria discriminação, os funcionários estarem sendo desvalorizados? Quem faz pergunta sabe a resposta, se não a sabe, procura saber de outrem. Mas esta eu sei: é discriminação, é desvalorizar o funcionário. A verdade, porém, é que eu prefiro uma resposta contratada a uma resposta efetiva – ao menos, por ora. A quem consulto em certos casos, especialmente nas sinucas de bico, vai mais longe, entendendo que as próprias fitas devem ser contratadas. A quem consulto é homem de arrocho; o pai dele era saquarema.
Mas o sábio e gênio tablóide não poderia se sentir satisfeito em criar uma expressão, desenvolvê-la numa situação desta, de concessão de privilégio a efetivos funcionários, desvalorização dos contratados, tinha de terminar com chave de ouro, muito próprio e característico dos poetas de sonetos. E a chave de ouro do tablóide não podia deixar de ser um adágio, e para ser mais elevado e digno de sua genialidade, adágio rimado: “Pau que dá em mano tem que dar em Caetano” – também não era de meu conhecimento este adágio, mais uma lição primorosa que este tablóide me ministrara com propriedade -, que o editor não intuiu a forma de poema: “Pau que dá em mano/tem que dar em Caetano”, que ficaria bem mais apropriado, seria um arrebique de um gostinho especial, mas creio que também ficou bom, pois que nada é perfeito, fora o tablóide que superou a inteligência e a sensibilidade do editor, e não o contrário.
Ler tablóides, jornais é imprescindível, além de estar atualizado com as notícias, têm eles muito a ensinar, a desenvolver a nossa inteligência, elevar a nossa sensibilidade, culturalidade, intelectualidade. Ler tablóides gênios e sábios, então, ultrapassamos a contingência da cultura, do intelecto, fazemos a travessia para a espiritualidade. Esse tablóide em cujas páginas retirei este verbete de sua coluna para fazer um comentário, melhor ainda, reconhecer-lhe e considerar-lhe, dar-lhe o caetano merecido, deve ser lido, degustado, venerado, glorificado, nem daqui a três mil anos haverá outro em nossa comunidade. As lições que me ministrara desde a expressão até ao adágio ajudaram-me bastante a desenvolver a minha sensibilidade, conhecer o que realmente acontece no reino da Dinamarca. Supimpa. Não deixarei de ler única edição, tenho muita sede de conhecimentos tão percucientes quanto estes que o tablóide me proporcionou.
Começara dizendo cinismo, ironia, sarcasmo não são de minha índole – de minha índole -, esqueceu-me dizer que os mesmos são de minha estirpe, que é uma coisa bem diferente, é com ela que alimento de sangue as veias de meus espinafres, quando não concordo com as posturas e condutas, com as idéias. Se nem todos observam a regra da casa, que é, logo à porta, desabotoar o colete e tirar os sapatos, não só para estar à fresca como para meter os pés nas algibeiras dos outros, é porque não se perdem facilmente os hábitos. Desabotoei o colete no cinismo deste comentário, não sou cínico, sarcástico, irônico de índole, mas nas estirpes minhas a natureza rude e ingênua espinafra os foros da genialidade e sapiência.


(**RIO DE JANEIRO**, 30 DE MARÇO DE 2017)


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