**GIRULIKA E ZÉ TRAMBOLHO** - PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto


Há nomes e nomes. Há os lindos, lindíssimos, lindésimos, acrescentem-se outros superlativos, se convier. Também há os horríveis, horripilantes, escalafobéticos de toda a natureza. À guisa de exemplo, cito o mais escalafobético que conheço: UM DOIS TRÊS DE OLIVEIRA QUATRO. E não pensem que é imaginação fértil. No início dos anos 70, do século passado, a televisão mostrou a pessoa com este nome. Não se ouvia outra fala senão: "Como pais podem dar este nome a uma pessoa?" Se citei o mais escalafobético, tenho de citar o mais lindo na minha opinião - há tantos -, mas cito o mais lindo deles: de mulher, Raiza, de homem, Sacha Lucien.
Riem, gargalhem, deitem no chão, estrebuchem, mas sempre adorei o nome Josefina, objeto de minhas cantorias indecentes, imorais na hora do banho: uma destas cantorias: "Josefina foi ali/Ela foi catar capim/Para a sopinha de seu Joaquim, que está no fim..." E os versitos envolvendo a Josefina somaram muitos.
"Tudo demais tem sobra", já o dizia a minha saudosa mãezita. A Josefina já estava dando nos nervos; e, se fosse eu escritor, poeta, os leitores iriam enterrar-me vivo. Precisava com urgência de outro nome escalafobético para as cretinices e idiotices da hora do banho.
Mas qual?
Andando pelas ruas, entrando e saindo delas, sem rumo e destino, deparei-me com uma mocinha num botequim de periferia de uns vinte e poucos anos, cabelos encaracolados, calça vermelha cheguei, blusinha roxa cheguei, gravatinha azul cheguei - tudo nela era "cheguei" -, um par de brincos caindo-lhe no ombro, gestos estapafúrdios, não parava de falar minuto sequer, tagarela, aparelho nos dentes, só falava asnices, achando-se o objeto de todas as atenções, alegre, extrovertida. No tempo do onça, com certeza seria chamada de Patricinha. Como o meu reduto é o mundo moderno, com todas as suas modernices, modernadas, chamá-la Patricinha era ser aos olhos de todos como um retrógrado, ademais Patricinha é a burguesinha mimada pelos pais, cheia de manias, cabeça de vento e outras cositas mais. Depois de alguns goles de cerveja geladinha, observando a mocinha com as estripulias de gestos, falas, outro nome para lhe dar não fora outro GIRULIKA. Dedos e luva, serviam-se com perfeição. Estava a Girulika acompanhada de um rapaz, seu namorado, com a cara de atoleimado, vestes de um perfeito caipira dos cafundós, se não do Judas, das Minas Gerais. Até me perguntei: "Como pode Girulika namorar com um Zé Mané destes, pelo menos ela aparecia, ele estava sumido perto dela".
Precisei de outra cerveja para me inspirar no nome que lhe daria. Não teria somente um nome escalafobético para os versitos no banho, teria dois, um casal. Sacolejei, espremi a cachola para encontrar o nome dele, houvesse sonoridade. E não é que o esforço deu os seus frutos. Encontrei. Chamei o casal de GIRULIKA E ZÉ TRAMBOLHO.
Paguei a conta ao garçom, saí do botequim alegre e saltitante, literalmente saltitando, e ainda batendo um sapato no outro: "Adeus Josefina da Perna Fina e Outra Grossa". E por vanglória, vaidade de ter encontrado nome para um casal de escalafobéticos, comecei de dar todas as características de mulher e homem neste nível. E também a recitar o primeiro versinho para todos os amigos: "Girulika e Zé Trambolho/foram comer sopinha de repolho/Na casa do amigo que só enxerga de um olho".
E não é que a febre de Girulika e Zé Trambolho se revelou a toda pompa: os amigos encontraram vários casais com tais características, até o Presidente da Câmara Municipal e sua mulher são hoje considerados Girulika e Zé Trambolho: a mulher só veste roupas de boutiques de grife da capital, e o Prefeito, camisa de manga, calça jeans desbotada, além de só dizerem besteiras, tênis rasgado e sujo. Dizem que Zé Trambolho gasta toda a grana das propinas com as vaidades de Girulika.



(**RIO DE JANEIRO**, 21 DE MARÇO DE 2017)


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