**CRÍTICO LITERÁRIO PAULO URSINE KRETTLI DEMONSTRA O BARROCO MODERNO NA SÁTIRA /**BERÇO ESPLENDIDO - CONTINGÊNCIAS DAS CORES**


a) Há que se ressaltar que literatura, teatro e artes plásticas do barroco moderno perscrutam simbologia e realidade em metonímias sarcásticas, como em Sátira BERÇO ESPLÊNDIDO - CONTINGÊNCIAS DAS CORES. É como caminhar no arco-íris sem se saber ao certo da tonalidade de suas cores, quais são e como elas se formam no emoldurar da chuva.
Diferentemente de Gregório de Matos Guerra, que satirizava pessoas e sociedade à época, Manoel Ferreira Neto satiriza o senso, o imensurável, o catastrófico, a combinação quase inconcebível do estar no mundo, demonstrando um desconforto tal, que requer o berço esplêndido, mesmo que não o tenha tido nas suas primeiras descobertas e inércias.
Seria uma crítica ao hino brasileiro e às cores de nossa bandeira? Ou seria apenas uma simetria do ser ante a abundância do inacreditável da natureza ou o do urbano homem que se ensombrece de cores ao cair da tarde? Menstrua-se a natureza e ela goza sem o mesmo gozo dantes. E, portanto, as cores entram-se em si mesmas e travam batalhas para descobrirem-se no pacto do universo, colo do paraíso.


Paulo Ursine Krettli


**BERÇO ESPLENDIDO - CONTINGÊNCIAS DAS CORES**
PINTURA: Graça Fontis
SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto


EPÍGRAFE:
"... cheirinho agradável da imortalidade nos epitáfios de mausoléus." (Manoel Ferreira Neto)


Bons dias!...


Nada há de mais emocionante que estar deitado eternamente em berço esplendido, os prazeres são imensos, as alegrias são indescritíveis, as felicidades extasiam não apenas o ego infinito da alma, o id universal do espírito, o superego da sensibilidade, mas também a essência da vida, corpo, carne e ossos, veias e sangue.
É maravilhoso estar dormindo por sempre, sem sonhos, aquela serenidade, tranqüilidade, leveza, não se faz mister acordar, correr atrás de todos os prejuízos que se foram acumulando ao longo do tempo, garantir o pão de cada dia, sentir dores e sofrimentos, ter problemas pujantes, desejar realizar os sonhos mais profundos, pro-jetar o bem, eterno e sublime, viver e vivenciar todas as coisas de modo verdadeiro e real, jeitinho sincero e honrado, nada pensar, não ter razões sobre as coisas, não ter sensos a respeito do efêmero e do duradouro. Simplesmente estar deitado no berço nada há que se lhe compare, que se lhe assemelhe, nada há de tão divino e absoluto, nem Brás Cubas con-templou tantos resplendores e magnitudes de seu túmulo eterno e insofismável. Não há. Se houvesse, não teria qualquer sentido, qualquer luz ou significância, pois que não preencheria o espaço vazio que só o esplendido poderia estar nele, só o esplendor dos esplendores poderia habitar nele, e nada de pleno poderia ser imaginado nele, não revelaria os prazeres, as alegrias, a felicidade, seria unicamente uma esperança de as coisas serem bem diferentes, a lua iluminar o dia com o brilho branco de sua luz, as estrelas transparecerem o crepúsculo com a sua iluminação nítida, o sol iluminar a noite com os seus raios amareliçados faiscantes, a beleza ser o alimento do espírito, a verdade ser o vinho da alma e o néctar do espírito ser o divino a extasiá-la e resplandecê-la, ser a boa pinguinha da razão e dos bons e dignos princípios da res extensa e res cogitans.
Estar deitado por sempre em berço esplendido é a demonstração mais plena de que todas as coisas foram realizadas a contento, todos os desejos foram concretizados, todos os sonhos tornaram-se realidades, todas as quimeras subiram ao topo das alegrias e felicidades, nada há para se duvidar, nada foi deixado em suspenso, a ser desejado, nada mais é preciso ser feito, imaginado, pro-jetado, nada há para o futuro, nada houve no passado, o presente é só a calmaria do sono, tudo pleno, tudo perfeitíssimo ao som das cítaras e harpas a executarem os cânticos solenes e divinos do amor e da paz, ao som das guitarras e violões executando “apesar de você, amanhã há de ser outro dia”, “estava à toa na vida, meu amor me chamou”, “pai, afasta de mim esse cálice, pai afasta de mim esse cálice de vinho tinto de sangue”, “os amores na mente, as flores no chão/a certeza na frente, a história na mão”, ou à beira-mar ouvindo o canto das sereias nas noites de lua cheia e estrelas brilhantes, ou nos quartéis quando os raios fúlgidos brilham na cabeça dos militares que aprendem antigas lições. Só os sons são ouvidos em todos os cantos e recantos, pois ninguém dança ou arrasta os pés nas ruas calçadas ou asfaltadas, nos becos de buracos, nas alamedas de poeira, nos becos sem saída dos lixões, ninguém se di-verte ou extasia com as óperas do silêncio ou dos mortos, sinfonias do deserto ou dos cânions perdidos, ninguém faz amor nos românticos crepúsculos e madrugadas de inverno suave e sereno, nem escreve missivas de amor nas auroras de manhãs de inverno ou de verão, apenas curte o esplendor do berço, a magia do sono, a magnitude do eterno.
Nonadas roseanas desabrochando sendas silvestres. Quem me dera agora pudesse regar o jardim de minhas contingências com a água da fonte originária de meus volos e á-gonias das sorrelfas compactas dos idílios da vida plena. Todo espinho alimenta o des-[a]-brochar da rosa no alvorecer da flor, desbrochando do gozo no crepúsculo da cor, o perfume exala-se insensível por todas as dimensões das querências do efêmero isento das éresis do absoluto, purifica as ondas da luz e esplende os horizontes às arribas do belo estético na estesia da morte que abre os leques para a peren-itude do verbo às neblinas, neves, garoas da continuidade do Ser que se faz continuamente.
Nada há de mais emocionante que estar eternamente deitado em berço esplendido, iluminando a vida de outros horizontes e uni-versos, pelas ruas os foliões do silêncio de queixos caídos assistindo ao desfile suntuoso das medalhas e patentes, das seriedades e utopias da obediência e servidões, a marcha sublime e rítmica de um pé após o outro, os tambores ressoando a todos os cantos e re-cantos, na generalidade dos espaços, os olhos fixos à frente, con-templando os píncaros da glória e do louvor, os braços na cadência do vai-e-vem, a cabeça em estado ereto, sem movimento. Quê espetáculo emocionante! Quê teatro de sentimentos e emoções pósteras e póstumas! Quê película extasiante de volúpias e êxtases! Sonho não é. Em berço esplendido não se sonha, não se cria quimeras, não se re-cria fantasias, não se inventa ideologias e interesses, refestela-se nos braços do tempo que se vai a passos melodiosos em direção ao infinito de todos os horizontes, aos horizontes de todos os uni-versos, caminhando e cantando, seguindo a canção, somos todos iguais, braços dados ou não, fazendo das flores o mais forte refrão. Não se sonha, sente-se a eternidade do belo e da beleza, dos campos floridos de rosas, crisântemos, em grandes plantações o alimento para todos os verões e invernos, nas escolas, campos e construções, as lições da liberdade e da livre expressão, formigas e cigarras deliciam-se no repouso e descanso.
Deitado eternamente em berço esplendido o espírito é variável com os ventos, de leste a oeste, sibilos de ventos por entre as montanhas, mais coerente é o corpo, e mais discreto. E eis que, ante a infinita Criação, o próprio Deus pára, desconcertado e mudo, circunspecto e meditativo! Cessaram as esperanças do paraíso celestial, cessou a fé no amor que há de vir, na felicidade que des-a-{brocha} todas as flores da vida e do eterno, salve, salve idolatrados campos, idolatrados amores nos seios. Depois não vão dizer que Ele é gozador, adora brincadeiras, botou homens no mundo de barriga na miséria, nasceram brasileiros. No berço esplendido de todos os séculos e milênios, na continuidade do tempo e dos desejos, o belo e o feio, o bom e o mau, dor e prazer, tudo, alfim, são formas e não degraus do Ser, tudo são conteúdos e não escadas da Vida, tudo são ornamentos e arrebiques da Justiça e não tiaras do Nacionalismo.
Ah, quem me dera, ante o espetáculo do mundo, ante o esplendido sono do berço eterno, sem mais hesitações e sem maior fadiga, sem mais dúvidas e sem maior desconfiança, sem mais delongas e sem menos preguiça, o instantâneo olhar de um juízo ab-eterno outros refrões de “Ordem e Progresso” não lessem e con-templassem as variações da lua e das estrelas de todos os brilhos a iluminarem o azul do céu! Este momento de euforia, de êxtase, dormindo no berço da vida sem limites, sem princípio, meio, fim, é a flor da eternidade, é o cheirinho agradável da imortalidade nos epitáfios de mausoléus, nas últimas inscrições nas criptas do nome, data de nascimento e morte. E essa minha alegria inclui também minha tristeza – a nossa tristeza...Tu não sabias, meu companheiro de viagem neste berço esplendido ao som das cítaras e harpas, violões e guitarras? Todos os esplendores do berço vão para o infinito! Todas as magias do belo sono vão para os uni-versos, que talvez nem tenham ainda nascidos, ainda não acreditam nas flores vencendo o canhão.
Sigo, indiferente, o meu caminho, pensando em como o Diabo subestima os esplendores do berço eterno, as magias todas da eternidade e do eterno. Meu Deus, como são fúteis as promessas do Diabo! Para mim que, de todas as minhas andanças, no re-verso dos vinhos e dos pães, comi a hóstia sagrada, no in-verso das estrofes de amor fechei os olhos para não assistir à banda passar, cantando suas melodias de amor e felicidade, no avesso dos versos descansei a língua fora da boca para não dizer Deus lhe pague, recitar seus versos, declamar suas tristezas e angústias. Desejo de um dia ficar repousando no esplendido sono de um berço sob uma dessas cruzes de volta de estrada que parecem também estar viajando nas asas de uma águia por sobre as águas dos rios, mares e oceanos.
Quem me dera agora eu tivesse a viola para cantar os esplendores do eterno, as maravilhas do divino e absoluto, ora numa quadrilha, ora numa ciranda à flor de última pressão do sono que tem vontade de no meio do caminho a Balada da Estrela da Manhã unir palma com palma e alma contra alma, instinto ad-verso ao intelecto. Há no esplendor de um berço esplendido tanta coisa, tanta coisa que subiria depois como um balão azul ao infinito de todos os infinitos. Jamais haverá compreensão, entendimento creio será impossível, destas palavras porque elas não dormem o eterno sono, não têm berços em que repousarem, descansarem de seus sentidos, símbolos, signos e significâncias, seguem os rios, o canto dos pássaros na grimpa das árvores, no cume dos picos e vulcões. Venho com elas sacudir o que estava dormindo há tanto dentro de cada um de vós, ó homens tardios de liberdade, de amor e esperança, de fé e utopias, alimpar-vos de vossas máculas, e o frêmito que sentireis, então, nas almas transfiguradas pelo tempo, bramará versos belíssimos no fragor do assalto.
As coisas que não conseguem ser olvidadas continuam acontecendo, nas margens plácidas continua a bandeira balançando solitária à mercê de todos os ventos vindos de todas as direções. Sentimo-las, enquanto dormindo o sono esplendido no berço de toda a paz, alegria, calmaria, felicidade, fora do tempo, neste mundo do sempre onde as datas não datam, onde os festejos não marcam nem comemoram as glórias e louvores, sim comemoram as dores e sofrimentos, as ilusões e quimeras perdidas nas curvas sinuosas da história, nos aclives e declives das ideologias e interesses. Há bens alienáveis, há certos momentos que, ao contrário do brado retumbante, fazem parte da vida presente e não do passado de heróis e mitos. Abrem-se no sorriso mesmo quando, des-lembrado do hino divino de notas e melodias, estiverdes vós sorrindo a outros sonos em outros berços de esplendores e resplendores, magias e magnitudes do belo e do eterno.
Minha estrela não é a de Belém, minha bandeira não é azul, verde, branca: não aguardam o peregrino, não acolhem o maltrapilho, o faminto e o sedento; a minha estrela e a minha bandeira vão seguindo além, e quando tudo parece a esmo encontro muitas vezes a mim mesmo, con-templando as músicas de liras e cítaras. Sinto-me ainda mais vivo sobre as dores e sofrimentos dos desejos de liberdade, amor, paz, compassividade, solidariedade, sobre a face do mundo que é sempre a busca das ilusões perdidas sob os auspícios das torturas, desumanidades, dos poderes e corrupções, dos sonhos desfeitos sob a bandeira azul e branca, verde e amarela das hipocrisias e farsas, das promessas vãs. Enquanto a vida me devora, espreguiço-me, (entre)-durmo... O anjo da luz espera-me como alguém que vigia uma samambaia na varanda, balançando suas folhas com o vento suave vindo das montanhas, das serras próximas ou longínquas. Pé ante pé, do leito, aproxima-me um verso para a canção de despertar do sono eterno no berço esplendido de séculos e milênios. A voz da liberdade nas minhas veias corre, e algumas miríades do meu sonho devem andar por esse ar sereno...
Como é esplendorosa, magnífica, mágica uma asa em pleno vôo, uma vela em alto-mar... Por entre as malhas dos sistemas e doutrinas, o meu país flutuante não pode ser localizado no mapa, mora no branco, no azul, no verde e amarelo de minhas brancas páginas de papel. Na minha cabeça está o uni-verso tal como estava dentro da mão de Deus antes que seus dedos se abrissem e afagassem os meus cabelos à mercê dos ventos de todos os sonhos, utopias, quimeras e fantasias que iluminam os meus CAMINHOS DO CAMPO.


(**RIO DE JANEIRO**, 29 DE MARÇO DE 2017)


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