POETA, ESCRITOR, CRÍTICO LITERÁRIO Paulo Ursine Krettli COMENTA A SÁTIRA /**APOCALIPSE DO PECADO**/


Desse preposto barroco moderno, denominação que dei durante conversa minha com o escritor e filósofo Manoel Ferreira Neto, pelo Messenger, posso enumerar que:


a) Como no barroco, o barroco moderno, por seu expoente, tem uma linguagem muito ornamentada e sobrecarregada, pelo uso de termos glossários, de hifens e de palavras divididas de acordo com o psicológico do autor no momento da confecção da obra, sem chegar, entretanto, à exuberância, visto que a modernidade busca quebrar o teor da beleza abstrata, impondo-se o coloquial soberbo do existir.


b) Ao focar-se no homem e suas buscas, notadamente a sensibilidade em algo improvável, por que, mesmo achando a sensibilidade e se achando, ele se pergunta e procura a sensibilidade? Qual sensibilidade procura? Do corpo, da alma, do sexo, da sexualidade, da matéria, do consumo, da fé, da falta da fé, do prazer? Qual prazer? E, nessa busca, se constrói no seu barro irregular, extravagante, sem se ser. Aliás, a modernidade, antes conciliadora homem/mundo, homem/homem, tem fuzilado a existência com tendências homofônicas, tiranas e hipócritas. (continuarei essa amadurecendo exposição ao longo dos textos do Manoel).


Paulo Ursine Krettli


Novidade alguma res-ponder neste nível, mas assim o é: "Não pensei nada disso, aquando estava escrevendo". É real: nada se pensa no instante da criação. Quanto ao que me tange, se pensar nestas coisas, não escrevo única palavra. Dogmas e preceitos são alicerces de todas as insanidades, hipócritas. O personagem de APOCALIPSE DO PECADO está dizendo dos pecados e pecadilhos em todos os níveis. A Igreja é a grande responsável pelas sandices dos homens. Uma das bases do Barroco Moderno é justamente a dicotomia Fé x Dogmas.
A sua análise é mais que percuciente, Paulo Ursine. Um das pedras angulares do Barroco Moderno é a que se refere, analisando o meu texto. Deste princípio, abre todos os leques para a dimensão existencial, contingencial, Busca X Fuga, Manque-d´être X Mauvaise-foi. Está você, eminentíssimo crítico literário Paulo Ursine Krettli, trilhando os caminhos do campo para a sua tese sobre o meu pensamento, fundamentando-se, fundando-se no Barroco. Comparecerei ao nosso diálogo de bengala e chapéu, aquando sua tese estiver pronta, teremos muito a entabular, mas até lá desejo-lhe muitos sucessos e glórias neste empreendimento. Digno-me a ficar "urubuservando" e respondendo aos seus comentários.
Saudações por comentário de excelência. Avante!...


Manoel Ferreira Neto


**APOCALIPSE DO PECADO**
PINTURA: Graça Fontis
POEMA: Manoel Ferreira Neto


A verdade é que deitaram ao Nada a bagagem metafísica, e dentro de pouco estavam acabados. Iam-se às tradições morais, éticas, cristãs, que não serviam nem mesmo à epoca em que foram estabelecidas, juramentadas; iam-se às idéias e utopias, mas elas, como as tradições, só davam brilho na mente, antes sombria, entardecida, não podiam nem a troco de inteligência e sensibilidade mostrar eficiência para futurais horizontes, puros arrebiques, mente arrebicada de idéias e utopias é simplesmente tenda do diabo elucubrando o pecado.
Iam-se lá, iam-se acolá à cata de alguma explicação, inda que tosca, para as ausências em todos os níveis de verdades. Desde que o clérigo Bentinho Soares dissera que pecados e pecadilhos não deveriam ser confessados somente com os clérigos no genuflexório, os homens precisavam entender que os pecados tinham de ser compartilhados entre si, mutuamente, só se viam todos dizendo a céu aberto nas esquinas, praças públicas, botequins, lojas..., confessando os pecados, rasgando os verbos, a imprensa aproveitando da situação para publicar tudo que era confessado. Que mar de pecados e pecadilhos, tão extenso que a velha largou o seu arco no chão e participou sua mudança para fora do mundo! Quê podridão. Quando a vida pecaminosa de todos ultrapassou os limites do público e notório, sentiram todos um alívio, friozinho gostoso na medula espinhal. Esvaziaram-se publicamente. O pior pecado é o pecado publicado, e o de todos estavam nas páginas dos tablóides com o nome assinado pelos pecadores mesmos. Riam-se de tanta alegria, felicidade. Os êxtases passaram todos, o sentimento de vergonha, ridículo, culpas, remorsos, angústias e tristezas, houve alguns suicídios por desespero de causa. E tudo começou a desmoronar, valores, princípios, honra, dignidade, a coisa afetou a economia, a política, o social. Tudo porque os pecados deviam ser compartilhados publicamente.
Não se viam outra coisa senão a comunidade inteira andando no mundo do além, no mundo da lua à cata de re-colher e a-colher os pecados e pecadilhos, retornarem à vida de trevas existenciais e con-tingentes.
Parado à porta de uma barbearia, depois de escanhoar bem a barba, quase até tirando a pele do rosto, um homem cerrou os olhos por alguns instantes, abriu-os, passou pela testa o lenço que trazia fechado na mão, em forma de bolo, e gritou a plenos pulmões que o padre Bentinho havia professado o Apocalipse do Pecado, e como todos seguiram à risca os seus conselhos, confessando tudo publicamente, ainda restava algo que deveria acontecer tão logo não restasse nada mais a ser confessado. Uma multidão enorme se formou à frente da barbearia para ouvir do homem o que restava fazer depois dos pecados confessados.
Era muito simples: todos se desfizessem de seus bens materiais, nada mais possuíssem na vida, entregassem ao destino da morte nus e crus, nada ficaria no mundo.
Filas e mais filas nos bancos, clientes retirando as economias e tocando fogo nelas em praça pública, retirando tudo da casa e jogando na rua, caminhões da prefeitura recolhendo e jogando no lixão. AdvIeram daí a fome, a miséria deslavada, o prefeito declarou não calamidade pública, mas calamidade da miséria, pedindo a quem de todas as cidades da redondeza e do pais encarecidamente pudesse ajudar que enviasse comida para o povo esfomeado. Ninguém quis enviar uma côdea de pão: donde já se viu dispor dos bens, tocar fogo em praça pública nas economias financeiras.
E o povo faminto foi saindo, foi saindo, foi saindo, pegando a estrada. Nada restou na cidade senão o físico.
Deixaram na entrada da cidade uma placa de madeira com a seguinte frase: "A arca entrou vazia em Jerusalém; o pequeno nasceu morto". Até hoje ninguém sabe explicar o porquê desta frase. É um mistério.


(**RIO DE JANEIRO**, 15 DE MARÇO DE 2017)


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