**MANIFESTO DO IMBECIL** - PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto


"Se é que se possa acreditar haja genialidade na imbecilidade..." (Manoel Ferreira Neto)



Rides a bandeiras soltas – ah, felicito-me com risadas tão vivas e eufóricas!... – ou algemadas a títulos e glórias de ontem, acorrentadas a duplicatas e saldos de hoje, mas é fundamental dizer o que me perpassa o íntimo – quem sabe ao in-verso de outros in-vernos.
Peço a Deus, prostrado, sendo o modo e atitudes apropriados para esta ocasião e as possibilidades de realização sejam reais e concretas, jamais permita seja compreendido por meus contemporâneos de assuntos aleatórios.
Rebeldia? Confissão de um solitário, quem sente profundo as dores e sofrimentos, mágoas de seus valores não serem reconhecidos; o rio sem margem, sem pressa se torna ademais difícil de ser contemplado, seguido em seu itinerário por vales, abismos, serras, florestas.
Fossem rebeldia as palavras desse manifesto seriam agressivas, rudes – e para finalizar grosseiras – e não humildes e simples; ademais porque rebeldia com reconhecimentos, com eles o endosso de esquecido por todo o sempre. Aí, haveria rebeldia, não com palavras grosseiras, mas deixando as “tocas” a gosto e consciência de cada um que não me reconhece, por existir aqui e agora, “gostem ou não de minha cara terão de engolir até à morte”.
Fosse de confissão, estaria dizendo as mágoas, ressentimentos, “ah, meu Deus isto não é justo, por que isso?”. As lágrimas estariam descendo o rosto, os olhos vermelhos, o peito cheio de angústia e tristeza. No entanto, não sei se podeis vislumbrar que o espírito se revela nítido, risos e mais risos. Ademais, para consolidar com todas as letras, deveria revelar o sentimento de vítima, acompanhado de desejo de morrer. E também estaria demonstrando a vontade de chamar as atenções de vós.
Se Deus o permitir, pensar ser melhor que não ouça, não saiba compreender as vozes de “imbecil” ecoarem nos ouvidos, deixando-as solenes e divinas aos ouvidos, não mais poderei continuar vivendo, nada mais terá razão de ser, tudo se tornará vazio, insosso, deixei de ser artista, deixei de sonhar, de construir utopias.
Deus não o permite... Não acredito que não ser reconhecido, ser um dos homens mais incompreendidos de meu tempo, época, tenha estado nos planos d´Ele, haver nascido destinado a isso, e todas as trilhas percorridas, desejando ou não, desembocarão no irreconhecimento, incompreensão, e só após a morte a questão será revertida, as vestes e trajos serão o agasalho para os tempos de inverno rigoroso. Não, ninguém é predestinado por Deus.
Se o fosse, Deus haja desde toda a eternidade destinar-me ao irreconhecimento, incompressão, seria de Sua parte indignidade por não haver destinado os outros homens, e, para Lhe agradecer os privilégios, não daria a mínima importância pelos dons especiais que doara de graça.
Se o permitir, não significa que Ele terá mais um discípulo, quem divulga os seus desejos mais espirituais, divinos, suas compaixões e solidariedades. A missão era a de com as palavras despertar para a necessidade de autenticidade, a busca incessante de identidade, o compromisso e responsabilidade com os valores humanos e contingentes.
Risível, se vos digo que pensaram e, por isso, já que pensam logo existem, divulgaram aos sibilos das serras, ocasião propícia até para os inteligentes e sábios saberem de quem se trata, é inverno e agosto está muito próximo, imerecedor de quaisquer considerações, até mesmo a de indiferença, ofenderam e humilharam, o modo de me atingirem: “A questão dele é inveja”, “A questão dele é estar sob as luzes da ribalta”. O que pensara, não por existir _ até ainda tenho dúvidas, saber disto não significa haverem sido extinguidas -, e até risível: não saber como um imbecil pode sentir inveja, estar sob as luzes da ribalta, por isso não lhe habitar.
Significa que tenho em mãos o segredo e mistério do rio de águas límpidas – não me preocupando em desvendá-los, desvendar não é o importante, a importância reside em vivê-los com seriedade e espírito de verdade – que segue a sua trajetória à noite, fria, quente, amena, chuvosa, rumo ao amanhã que será outro e ainda continuo in-satisfeito e rebelde com a realidade.
Saber ouvir que sou imbecil, devido a estas palavras, as críticas que se encontram nas entrelinhas, os ácidos que corroem independente à vontade, deixando quem as ler numa angústia e depressão sem fronteiras, enfim, a intenção outra não é senão destruir os valores de outroras construídos por homens de bem, de condutas ilibadas, e são o sustento e garantia da confortabilidade no mundo, é-me um dos valores mais dignos de respeito e consideração por, conhecendo a imbecilidade que me habita, muitos anos haver corrido léguas disso, posso ainda mais continuar a viagem alma adentro, revelando as algemas e correntes que me prendiam a tranqüilidade, serenidade.
Ah, não... Nada melhor que ouvir de todos, sem exceção, ser um imbecil. Disseram a um amigo pessoal e íntimo, músico e poeta, que os seus poemas eram de louco. Respondeu categoricamente: “Antes de louco do que de alienado, se o trocadilho lhe satisfaz os desejos íntimos de evitar as dores e sofrimentos que é isso de ser considerado louco”. Óbvio, quem ouvira esta resposta nada entendeu. E o seu pensamento e intuição eram de o amigo ser um perfeito imbecil: não só escreve loucuras, mas as diz com categoria.
Há algo de irreal aqui: ninguém ainda teve a dignidade de me chamar imbecil na cara. E o que gostaria é alguém dizê-lo, sendo quem descobriu, estou satisfeito e realizado: é a minha identidade.
Imagino o sorriso que despontará no rosto, os olhos brilhando, faiscando de alegria e satisfação: “Imbecil”. Dir-lhe-ia: “Obrigado, amigo. Você acaba de colocar em minhas mãos a responsabilidade de sustentá-la como sendo a maior verdade que já ouvira. O que me diz é algo muito importante. Posso continuar a aprofundar nela e quem sabe mostrar-me o mais possível”.
Imagino uma resposta das mais agressivas e grosseiras que poderá sair de sua boca, os olhos brilhando de raiva e ódio. “Enfim, você é o imbecil, e não eu. E do modo que me responde só pode ser eu o imbecil, pois ainda não tive a dignidade de me assumir no mundo, ouvir as minhas imbecilidades que são muitas, e não me digno a aceita-las, cobrindo-as de glória e louvores de ontem, de fama e importância de hoje”.
Há algumas horas, vinte e três, quase um dia completo, que intui com perfeição o que redime de irreconhecimentos. Intuí ser a imbecilidade o que ademais há de interessante para os dias coevos: “sou imbecil”.



(**RIO DE JANEIRO**, 17 DE MARÇO DE 2017)


Comentários