#ATEÍSMO, ABSOLUTIZAÇÃO E NIILISMO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/ Manoel Ferreira Neto: ENSAIO
DEUS
ESTÁ MORTO - CAPÍTULO I
O
problema de Deus, como podemos analisar, desde a Filosofia Antiga, com os
pré-socráticos, é perene, permeia desde épocas remotas e não cessa de
movimentar nossa consciência hoje, não cessará de fazê-lo por toda eternidade.
Dizia Kant que o conceito de Deus é o mais complicado de compreender; todavia,
ele é inevitável para a razão especulativa humana.
Pretendemos,
assim, apresentar a “morte de Deus” proclamada solenemente por Nietzsche há
pouco mais de um século. “Deus está morto” .
Esta
afirmação desencadeia um esboroamento de toda estrutura montada e sustentada
pelo homem desde a Antigüidade. Com ela, temos um desfacelamento da metafísica
tradicional erguida desde Platão, com a concepção dualista do mundo, visão esta
que serviu de sustentáculo para toda a estrutura do cristianismo que, para
Nietzsche, representa o platonismo para o povo.
A
primeira parte de nosso estudo está dedicada, em linhas gerais, à crítica
nietzscheana ao sistema moral vigorante na sociedade, bem como os delineamentos
gerais das conseqüências advindas de toda essa estrutura.
Em
princípio, apresentaremos a religião através do olhar clínico de Nietzsche -
“Olhemo-nos nos olhos” - que, tomado, sobretudo, pelas leituras de Feuerbach,
que define a religião como uma projeção humana, acaba por defini-la como estado
doentio do homem, principal responsável pela sua existência.
O
cristianismo necessita da doença, mais ou menos como a cultura grega necessita
de uma abundância de saúde – tornar doente é a genuína intenção oculta de todo
o sistema de procedimentos de salvação da Igreja .
A
crítica de Nietzsche à concepção cristã revela-nos que, no cristianismo, nem a
moral nem a religião estão em contato com a realidade e que, fundamentalmente,
só possui em causas e feitos imaginários tais como: alma, espírito,
livre-arbítrio, pecado, salvação, castigo, graça e remissão dos pecados. Ou
seja, nos dizeres do filósofo, “um comércio entre seres imaginários ´Deus`,
´espíritos´, ´almas´(Nietzsche, 2000, p. 48). Para Nietzsche, o cristianismo é
uma religião fictícia na qual sua moral se utiliza de uma linguagem figurada da
idiossincrasia religiosa, tendo como pano de fundo uma teologia imaginária (o
reino de Deus, o juízo final e a vida eterna) e ao mesmo tempo negadora da
realidade. Sendo que todo esse mundo de ficções tem a sua origem no ódio contra
o natural, ou seja, contra a realidade.
Para
Nietzsche, o significado da morte de Jesus na cruz re-presentava de fato o
término de todo o esforço completamente original para um movimento rumo à
felicidade; aqui sobre a Terra e não apenas prometida, baseada na superação do
pecado, na negação do abismo criado entre Deus e o homem, na vida, no
ensinamento e no sentido do direito de todo evangélico. A concepção de que Deus
deu o seu filho em sacrifício para remissão dos pecados da humanidade seria a
resposta encontrada para justificar que nada havia terminado e que o evangelho
não se acabaria assim tão facilmente. Desde então, foi introduzida pouco a
pouco, como uma vertente real na tipologia do Salvador a doutrina do “juízo
final”, “da última vinda”, “a doutrina da morte como sacrifício” e a absurda
idéia da “ressurreição” pela qual toda a idéia de salvação se vê completamente
escamoteada em favor de um estado depois da morte.
Por
que nossa civilização é um prolongamento natural do cristianismo, mister sempre
levar em conta o princípio hermenêutico que norteia as análises de Nietzsche, e
que ele enuncia em alguns fragmentos póstumos: é preciso identificar o ideal
cristão mesmo ali onde se eliminou completamente a “forma dogmática’ do
cristianismo – como na música, no romantismo, na natureza de Rosseau ou no
socialismo.
É
antes de tudo essa separação entre os ideais cristãos e a forma dogmática da
religião que permitirá a Nietzsche reconhecer o cristianismo até mesmo entre
seus supostos opositores, como naquele livre pensador que repudia a Igreja, mas
não o seu veneno. O “cristianismo” que entra em cena a partir de agora é
constituído por um conjunto de ideais civilizadores, evangelizadores (como é o
caso da literatura dostoiévskiana), um repertório de valores que se mantêm
vivos, aquém ou além do dogma religioso.
Partindo
da religião, propõe atacar o cristianismo que não tem semelhança alguma com as
atitudes de Cristo. Na verdade, é um modo formulado pelos apóstolos, sobretudo
Paulo, para vingar a morte d´Ele e expressar a sua hostilidade com a Vida.
Sendo assim, nas raízes do cristianismo, pretende criticar a moral
estabelecida, acusando o mesmo de subjugar o homem a uma potência desconhecida
e superior, princípio causador de tudo, levando o mesmo a posicionar-se diante
deste suposto senhor, como escravo, criatura pobre e medíocre. E, nesta
crítica, pretende acabar com a dicotomia existente desde Platão, descartando,
agora, a possibilidade ou existência de um além-mundo e, conseqüentemente, de
uma vida eterna.
Ver
como honesto um Paulo que tinha seu lar no principal centro do iluminismo
estóico, quando ele faz de uma alucinação a prova de que o Redentor ainda vive,
ou mesmo dar crédito ao relato de que teve essa alucinação, seria uma autêntica
niaiserie (tolice) por parte de um psicólogo: Paulo quis os fins, portanto quis
também os meios...
Foi
Paulo quem introduziu o culto com sacrifícios e a salvação pela fé, quem
falseou a vida e o caráter de Jesus e quem preparou o terreno para o pleno
desenvolvimento do clero e da Igreja, fazendo uma espantosa amálgama de
filosofia grega e judaísmo. Tudo isto era contrário ao verdadeiro espírito de
Jesus.
A
crítica religiosa de Nietzsche está intimamente ligada à concepção de vida e
religião. Considerava a vida um valor máximo, por outro lado, tinha a religião
como destruidora da vida, como uma aberração à mesma. A figura de Cristo em
toda a obra dostoiévskiana é o símbolo, arquétipo, imagem, signo, significante
e significado, da construção da vida, a busca da espiritualidade, a Vida, e
Dostoiévski tinha Cristo como o Amor, Compaixão, Solidariedade Supremos, a
redenção e ressurreição é quando o homem vive na carne e nos ossos, na alma e
no espírito a mensagem de Cristo. Nietzsche desenvolve com crueldade a crítica
religiosa. Em dizendo que a religião é tratada com crueldade, segundo
Nietzsche, significa que a religião jamais conteve uma verdade. A religião não
deve vestir-se de ciência, e a ciência não deve usar de linguagem religiosa
onde não mais puder argumentar.
(**RIO
DE JANEIRO**, 05 DE JULHO DE 2017)
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