#AFORISMO 260/FINCOS DE CÁCTUS E ESPÍRITO LIBERTO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Quero partir: cada vaga, cada vela, cada vazio, cada elo, cada abismo.
Quero partir: cada nuance, cada perspectiva, cada prospectiva, cada ângulo,
cada visão, cada profecia, cada proscrição, cada heresia, cada sabedoria.
Que se torne incerto, que se torne certo, que se torne mentira, que se
torne verdade, que se torne sandice, asnice, que se torne vago, que se torne
oblíquo, que se torne completo, que se torne incongruente, que se torne obtuso,
que se torne absoluto.
Minha angústia se revolta e se liberta de si, e não liberta ideologias
compostas impostas que transcendam o meu ponto-limite. Minha nostalgia se
rebela e se re-colhe, se a-colhe e se estende a si e não liberta sonhos, e não
liberta utopias sintetizadas, comungadas, aderidas, compartilhadas, curtidas,
comentadas, correspondidas que suprassumem o meu ser-limite.
Quero quebrar esquinas, quero dobrar caminhos, quero virar ruas,
alamedas, espinhos, vínculos viscerais que viciam, que eliciam, que toldam meu
espírito liberto, que embriagam minha alma vadia, que droguem meus sentidos
dispersos, que vaga infirme em suas manifestações re-colhidas, re-primidas em
seu fim-limite.
Quero brincar de latir com as cadelas, quero conservar a bastardia e a
rejeição de que sou descendente legítimo, quero preservar as neuroses de
perfeição, quero alumbrar os ressentimentos e mágoas, ódios e raivas que
impedem de visualizar o que há de mais profundo e abismático na inconsciência,
de visualizar as centelhas do in-audito.
Quero metamorfosear-me em fincos de cáctus, de pactos em pactos, de
tramóia em tramóia, de trambique em trambique, de jogos da mente em jogos da
mente, no coração do mundo. Quero modificar-me em pétalas de rosas, de
barganhas em barganhas, no espírito da terra que em sístoles-diástoles bombeia
sangue arterial-venoso, solda e salga na saga dos lóbulos da mente cratera
vulcânica a borbulhar.
Quero pactuar comigo, de acaso em acaso. Quero tripudiar comigo, de
improviso em improviso, sem caso formal de ideologias, de interesses escusos,
de utopias, de sonhos, de quimeras que nem são meus.
Quero marcar ponto na ec-sistência, quero marcar boitempo acontecendo no
acontecer que me criva de balas, situando no situar e me retalha a sabres
projéteis na ânsia que abafa, sufoca o meu próprio grito impossível de guerra.
Ânsia que aterra, que fere; agonia que marca, que mata o meu tempo-limite.
Desejo sim, desejo ser a minha concepção ideológica, ilógica, lógica,
alógica à minha maneira de ser a minha definição ambígua, contraditória,
paradoxal, ao meu estilo de ser, à minha linguagem de não ser o que sou e ser o
que não sou.
Quero libertar meus mitos, meus ritos, meu grito, de toda repressão de
formas que destroem a minha forma, os meus conteúdos, de estilo que confunde a
minha linguagem na busca secular do meu ponto-comum-limite na procura milenar
da minha marca-de-idéia-mesma. E nessa exuberância exótica, e nesse êxtase
inusitado, e nessa volúpia excêntrica.
Trabalhei em câmbio e em exportação, vendi muita madeira nobre para o
templo do sábio Salomão.
Ouvi são Sumé contar histórias da redenção e quis beber desse vinho, e quis
comer desse pão. Ouvi o vigário contar patacas do além e quis degustar a maçã,
mas meu rito no começo era um rito pagão... Ouvi o papa dizer que o estrume que
rege, regencia, gerencia o mundo é o dinheiro, e pensei na luxúria do Vaticano.
De libações em libações, mais me aumentava a vontade de beber daquele
vinho de libidinagens em libidinagens, mais crescia o desejo de comer daquele
pão, de orgias em orgias, mais subia em mim a fissura de degustar a maçã.
Sonho, vida. Amar é bonito. É o instante, o momento, o pensamento, de
todo um sentimento é o princípio e o fim, a idéia de toda uma felicidade. È o
meio. ideal de beber no estio as lágrimas da aurora nesta fome de amor, de
sublimidade, do etéreo e do efêmero, do eterno e fugaz, do diamante que risca o
éter, corro à estrela, leio o que nela está escrito, sua mensagem, à brisa, ao
mar, à flor, repouso-me na lua e observo as constelações de esguelha.
Viverei por ser verdade a Vida, esperarei uma eternidade, tentarei ser
feliz a cada momento, mesmo que o amor fique distante. Quero ver a luz nas
luzes das estrelas e das palavras nela escritas.
Quero ver a luz nas entre-linhas das luzes do sentido e significado da
vida, no além-linhas das luzes da contingência e transcendência. Quero sentir
na rosa da campina o cheiro esquecido do sono e da vigília, aspirar o prazer
secreto do porvir. Na brisa, quero o doce alento, sem culto nem reverência.
Quero ouvir a voz na voz das ondas, na roda-viva das melodias de sereias
e corujas ao longe, nas praias esquecidas da terra.
(**RIO DE JANEIRO**, 13 DE OUTUBRO DE 2017)
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