#AFORISMO 306/CADA NOTA DE MÚSICA# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


Cada nota de música desperta algo:
Rugidos embrulhados em vaga imensa enraivecem a presença morta – o olhar avança nos trilhos, transcendendo idéias alucinadas. De quem sentimos o que é imprevisto se supõe. Encaramos o bem e o mal com o mesmo rosto. O freio possesso abre dos rigores o sonho. Por minúcias na distância, penetram na esperança faces túmidas do corpo oculto. O dúplice machado corre sobre a singrada rocha, aspergindo nas duas fontes o gesto amável e sensível.

Cai entre silêncio perto e rumores ao longe, distantes, a tarde em mim. Vem uma voz como uma palavra menor, gota de água acabando de sair da mina. Logo se mistura a outras, e um pequeno córrego se forma... Não mais que um instante, as coisas vão tomando a feição de uma correnteza, para logo em seguida virar uma violenta cachoeira. Já não são palavras miúdas, meus gritos; caem dentro de mim. Formam um lago, quase não consigo ler em suas águas, turvas linhas, como se por toda a vida tivesse chovido na cabeceira do rio...

O silêncio enclausurado rompe os limites da terra e retumbando no infinito ondas sonoras do coração em êxodo.

Intervém numa emoção:
Serpentes devoram mortais expulsos desta terra maculada de deuses. Por limites, as águas apartam da morte olhos perspicazes não perturbados pela embriaguez. Muitas vezes. Muitas vezes quando a luz se apaga sobre minha insônia, pergunto-me – fazia-o mais assiduamente – com os ossos entre(dedos): de onde vem esta indiferença? De onde me vem este mal-estar que não me permite estar em lugar algum?

Ninguém encontrou ainda o meio de acalmar com a música e com os acordes da harpa, do violino, da cítara os sombrios pesares dos mortais, senti-los, conhecê-los, vivê-los, vivenciá-los, quê imensa tristeza, inatingível, inalcançável, contudo reais, verdadeiros... sombrios pesares...

Interfere num sentimento:
Ao julgo do vento, os olhos cerram-se-me adormecidos, cobrindo de insultos a agonia dilatada. Campos de sangue rompem, na maldita conjuntura, as dilações insondáveis. Mãos fixas revolvem os funerais gargânteos do fogo. Sensações amargas volteiam desejos de sombras irrefletidas nos gestos incertos.

Deslizam suaves e serenos sentimentos repletos de leveza, quiçá prenúncio de alegrias, contentamentos, prazeres, volúpias, felicidade, por entre náuseas, tristezas, desolações, desconsolos, o corpo torce, retorce, seguindo o ritmo, os pés tocam o chão continuamente, a dança, talvez a chamasse "dança dos entornos", porque são tantos adornos, entre isto e aquilo, entre os sons de angústias e melancolias de outroras, entre o ritmo voluptuoso das gotículas da chuva batendo no telhado, inspirando na curva da estrada in-finita... lá não digo, dissesse-o ruínas e des-assossego adviriam, mesmo porque o instante da música ultrapassa a in-finitude do tempo, o que dissesse sucumbiria no lote das cretinices vago, in-verdades... sei que assim ouço a música, seria que pudesse cognominar isto de "viagem ao som dos interditos e inauditos, ritmos, melodias, acordes em uníssono, crises existenciais profundas, a querença do que trans-cenda o som, perder-me inteiro..., mas é tão real no semblante, na fisionomia, no olhar que não iria precisar qualquer referência...", chamo-lhe ramble tamble... mas o que isto significa? O que importa?... e lá vou eu ramblando, tamblando por meus desertos e terrenos baldios.

Fosse eu começar a investigar as coisas!...
   

(**RIO DE JANEIRO**, 22 DE OUTUBRO DE 2017)

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