#AFORISMO 279/O BEM É A CONDIÇÃO METAFÍSICA DA BELEZA# - Graça Fontis: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


EPÍGRAFE:


"O pintor apresenta a cor em sua barbárie, o poeta as palavras em sua natureza não-semântica, não como aqueles que falam ou escrevem comumente e assim usam sem fazer conhecer, já que elas conservam àquilo que aparece a sua opacidade”


Criar não significa inventar. Toda criação é conexa tanto por suas leis próprias quanto pelas leis do material sobre o qual ela trabalha. Toda criação é determinada por seu objeto e sua estrutura e por isto não admite o arbítrio e, em essência, nada inventa, mas apenas descobre aquilo que é dado no próprio objeto. Pode-se chegar a uma idéia verdadeira, mas esta tem a sua lógica, daí não poder ser inventada, ou melhor, produzida do começo ao fim. Do mesmo modo não se inventa uma imagem artística, seja ela qual for, pois ela também tem a sua lógica artística, as suas leis. Quando nos propomos uma determinada tarefa, temos de nos submeter às suas leis.


A criação intelectual, com efeito, provém também da criação carnal. É da mesma essência; é apenas uma repetição mais silenciosa, enlevada e eterna da volúpia do corpo. “A idéia de ser criador, de gerar, de moldar” não é nada sem sua grande e perpétua confirmação na vida; nada sem o consenso mil vezes repetido das coisas e dos animais. Seu gozo não é tão indescritivelmente belo e rico senão porque está cheio de reminiscências herdadas da geração e de parte de milhões de seres.


Numa idéia criadora revivem mil noites de amor esquecidas que a enchem de altivez e altitude. Aqueles que se juntam à noite e se entrelaçam num baloiçar de volúpia executam obra grave, reunindo doçuras, profundezas e forças para a canção de algum poeta vindouro que há de surgir para dizer indizíveis prazeres.


O artista, quando modela uma obra, exprime-se de tal modo a si próprio que o resultado constitui um reflexo singular do próprio ser, daquilo que ele é e de como o é. Isto aparece confirmado inúmeras vezes na história da humanidade. Quando o artista plasma uma obra-prima, não dá vida apenas à sua obra, mas, por meio dela, de certo modo, manifesta também a própria personalidade. Na arte, encontra uma dimensão nova e um canal estupendo de expressão para o seu crescimento espiritual.


Contudo, há-de se ressaltar, sublinhar que muitas e inúmeras vezes é mais fácil para as pessoas interpretarem a obra como a vida do autor, ele ali está mostrando as suas coisas, entregando em mãos do leitor em toda a sua vida, e assim recolherem e acolherem a obra, daí a reflexão e meditação dos caminhos do homem à eternidade, à morte, à vida. Ninguém quer se ver frente a frente consigo próprio, olhar-se no espelho, fazer suas confissões de modo sério e digno, em busca de sua Vida. Ninguém. E também os críticos e os comentários não tocam nessa questão, pois que eles também deveriam recolher e acolher a obra, mostrando as suas verdades, identificando suas concepções, teria de meditar também sobre eles. A obra se perde completamente na perspectiva da vida do autor. Faca de dois gumes.


Enquanto a estética envolve, sem saber, os pressupostos da tradição metafísica, a questão sobre a origem da obra de arte terá como tarefa demolir esses pressupostos. Com efeito, a obra de arte, por um lado, “abre um mundo”; por outro lado, retira qualquer finalidade técnica dos materiais que a compõem; ela os emprega sem utilizá-los. O pintor apresenta a cor em sua barbárie, o poeta as palavras em sua natureza não-semântica, “não como aqueles que falam ou escrevem comumente e assim usam sem fazer conhecer, já que elas conservam àquilo que aparece a sua opacidade” . Ora, o que designa a “aletheia” senão o fato de que o ente se manifesta “em certa medida” como não-velado?


As obras de arte falam dos seus autores, dão a conhecer o seu íntimo e revelam o contributo original que eles oferecem à história da cultura.
O tema da beleza é qualificante, ao falar de arte. O olhar de complacência que Deus lançou sobre a criação. Ao pôr em relevo que tudo que tinha criado era bom, Deus viu também que era belo. A confrontação entre o bom e o belo gera sugestivas reflexões. Em certo sentido, a beleza é a expressão visível do bem, do mesmo modo que o bem é a condição metafísica da beleza.


(**RIO DE JANEIRO**, 16 DE OUTUBRO DE 2017)


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