#AFORISMO 267/SONHA O HOMEM O VALE DO HOMEM# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


O mundo, valer não vale. O valor se constitui, institui, é artificiado através das lutas, decisões, ações, atitudes no decorrer do tempo, sobretudo na liberdade de in-vestigações e criações.


A sombra no vale baixa, a vida baixa. Se sobe algum som deste declive, habitando-lhe ritmo, melodia, acorde, não é grito de vaqueiro reunindo no entardecer o gado, a fim de levar-lhe ao curral. Não é gaita harmônica, não é cântico de sensível des-encontro. Não é canto de coruja, voz noturna de querença de saber, sabedoria, conhecimento. Não é ganido de cadelas esquecidas de morder como abstratas ao brilho da lua, cintilância das estrelas. Não é isto, nem nada.


O som precede a música, o que resta das decepções, das frustrações, dos fracassos, o que sobe dos des-encontros e dos encontros furtivos, das miragens que se condensam, das visões que se acumulam ou que se eterizam na pres-ent-ificação do efêmero, noutros nonsenses absurdos, figurações destituídas de sentidos, significados.


O mundo não tem sentido. O mundo e suas baladas estão emudecidos de sinal, e a fala que ouvimos de uma sala de visita à biblioteca, ouvimos num instante, num só instante, em certo momento é silêncio que faz eco, que ecoa, e que no recolhimento que recolhe volta a ser silêncio na escuridão circundante, no negrume ad-jacente. Silêncio: que quer dizer?


Usemos palavras. Façamos idéias. Que desejam as palavras? Que quer a balada, a canção? Erguerem-se em imagens sobre os abismos, nascerem-se em a-nunciações nos bosques. E de que tem vontade o homem? Salvar-se ao emudecimento, mergulhar-se no silêncio que fala, ser a fala do silêncio, abrir-se às re-velações das travessias do nada à solidão do ser, do vazio ao verbo do "Eu", fundir-se à passagem do tempo, engolir o mar que lhe engole, comer as coisas com os olhos que lhe comem, brotar a folha que se brota.


Sonha o homem o vale do homem.


(**RIO DE JANEIRO**, 14 DE OUTUBRO DE 2017)


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