#AFORISMO 296/PENSADOR E POETA QUE PENSAM A ESSÊNCIA DA POESIA# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


EPÍGRAFE:


"A poesia se faz entre palavras e silêncios. É belo de doer" (Chang-Dong Lee)


Mas como é que se caminha pela essência do caminho?


Silva é uma palavra antiga para floresta. Na floresta há caminhos que, cerrados de vegetação, quase sempre se perdem de chofre no intransitado.


São os caminhos silvestres. Caminhos silvestres são aqueles que, nos passos ordinários de cada dia, nos abrem silenciosamente passagens extraordinárias para a selva selvagem do pensamento, por onde o mistério de ser sempre nos faz passar, quer com passos de filosofia quer com passos de teologia quer com passos de ciência.


Com as dicotomias das seguranças e certezas, a funcionalidade havia reduzido tudo às correlações de sujeito e objeto. Todos julgávamos já saber tudo de tudo: a floresta, o atalho, o chão, o ponto de partida e o ponto de chegada, o porto, o caminho, a caminhada, o caminhar, o caminhante, tudo não passava de meio para um fim a serviço da atividade de um sujeito visando alcançar um objetivo.


O esquema funcional, de atividade, meio e fim, escondia-nos a essência do caminho, que vem do mistério e vai para o mistério da realidade. Agora tudo mudou. E não só se fez novo, tudo se apresenta cada vez com a novidade da primeira vez. Todo passo é uma aventura de originalidade; passeando pela essência do real, nossos passos caminham pela originariedade de caminho, caminhar e caminhada. A incerteza já não é somente ameaça. É também surpresa. E é esta ambiguidade que nos faz nascer, com tudo que um verdadeiro nascimento traz consigo de insegurança, medo, obscuridade, ousadia, surpresa e aventura. Aparece, então, todo um mundo de coisas que antes nem podíamos ver.


O caminho essencial será mesmo o caminho verdadeiro? É que a trilha conhecida se perdeu no cerrado da vegetação. Estamos num caminho silvestre. O esquema de segurança da funcionalidade desapareceu no intransitado da selva selvagem do pensamento.


Ao tatear em busca de esteio para os pés e arrimo para as mãos, fazemos uma experiência pretensamente excluída nos esquemas da funcionalidade, a experiência do nada e do não saber. O desconhecido é um poço sem fundo. Quanto mais andamos, quanto mais tentamos, tanto mais nos perdemos na perdição do intransitado.


O mistério silencioso da floresta nos envolve numa paisagem inesperada, a paisagem do verdor. É a essência da floresta que nos visita com a paixão da natividade.


Mas quem nos dirá a dimensão temporal da Floresta? Seria preciso saber como a Floresta vive sua idade avançada, porque não há, no reino da imaginação, florestas jovens. No vasto mundo do não-eu, o não-eu dos campos não é o mesmo que o não-eu das florestas. A floresta é um antes-de-mim, um antes-de-nós.. Meus sonhos e minhas lembranças acompanham os campos e as pradarias durante todo o tempo da lavoura e das colheitas. Quando se abranda a dialética do eu e do não-eu, sinto as pradarias e os campos comigo, no comigo, o conosco.
No dizer de Chang-Dong Lee "A poesia se faz entre as palavras e o silêncio..."... Se no abrandamento da dialética do eu e do não eu, sinto as pradarias e os campos comigo, no comigo, o conosco, a sin-cronia, sin-tonia, harmonia entre as palavras e o silêncio faz-me re-colher, a-colher a paisagem na viagem da tragédia do nada ao in-finito, A si mesmo encontra-se o homem tanto no soar da palavra e na compreensão, que, com a rapidez do vento, tudo abarca, quanto no silêncio que é a morada da palavra, as palavras têm o objetivo de revelar o mistério do silêncio do qual elas se originam. A palavra que não está enraizada no silêncio é palavra fraca e impotente como "um metal que ressoa, um címbalo retumbante" (1Cor 13,I). Tudo isso só é verdade quando o silêncio que dá origem à palavra não é o silêncio humano do embaraço, da vergonha ou da culpa, mas o silêncio divino no qual o amor repousa em segurança. De seu eterno silêncio, Deus expressou sua Palavra e por meio dela criou e recriou o mundo. A palavra não rompe o silêncio, e sim revela a a imensurável riqueza do silêncio divino. Neste sentido, entre a palavra e o silêncio flora a poesia na sua própria floração.


Na linguagem e pela linguagem podem encontrar-se o poeta e o pensador, melhor ainda podem encontrar-se o pensador e o poeta que pensam a essência da poesia. Esta, porém, leva ao encontra do silêncio: não só o silêncio do poeta, mas do poeta que encontra no próprio vazio e no silêncio a essência negativa da poesia, a essência que não pode ser dita nem feita.


(**RIO DE JANEIRO**, 20 DE OUTUBRO DE 2017)


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