A INTUIÇÃO AUTÊNTICA ULTRAPASSA O QUE OS SENTIDOS CAPTAM - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO



Um leitor sensível, com capacidade para viver o amor, pode encontrar na literatura romântica um estímulo para a sensibilidade. Indubitavelmente, melhor o encontrará numa poesia, ou em um breve relato que insinue e deixe entrever a potência do amor, que não em uma novela ou em um drama de onde se dêem com todo detalhe e insistência os arrebatos sentimentais e paixões agidas dos protagonistas.


A explicação desse fenômeno cabe encontrá-la no fato de a poesia ser mais concentrada, mais abstrata, e obriga o sujeito a ler e a interpretar, a por de sua parte algo. A novela e o drama têm maior amplitude, desfilam ante o leitor uma série de detalhes, de sorte que ao sujeito somente lhe resta ser leitor ou espectador e não há de por nada, por sua parte, ou quase nada, ler e interpretar.
Após o Romantismo Simbolista , que foi uma escola de arte declaradamente gnóstica, surgiram, na literatura mundial, vários autores que dedicaram poemas ao demônio, constituindo mesmo uma corrente satanista, que é pouco conhecida pelo público especializado. Ora a estética defendida por essa corrente satanista, pretendia a inversão de valores morais e estéticos, inversão que vai dar origem à Arte Moderna, arte do feio e, como confessa expressamente André Breton, líder do Surrealismo, arte que só pode ser entendida através do fio condutor da Gnose.


Toda a intuição artística autêntica ultrapassa o que os sentidos captam e, penetrando na realidade, esforça-se por interpretar o seu mistério escondido. Ela brota das profundidades da alma humana, lá onde a aspiração de dar um sentido à própria vida se une com a percepção fugaz da beleza e da unidade misteriosa das coisas. Uma experiência partilhada por todos os artistas é a da distância incolmável que existe entre a obra das suas mãos, mesmo quando bem sucedida, e a perfeição fulgurante da beleza vislumbrada no ardor do momento criativo: tudo o que conseguem exprimir naquilo que pintam, modelam, criam, não passa de um pálido reflexo daquele esplendor que brilhou por instantes diante dos olhos do seu espírito.


A arte possui uma capacidade muito própria de captar os diversos aspectos da mensagem, traduzindo-os em cores, formas, sons que estimulam a intuição de quem os vê e ouve. E isto, sem privar a própria mensagem do seu valor transcendente e do seu halo de mistério.


A beleza, que os artistas transmitirão às gerações futuras, seja tal que avive nelas o assombro. Diante da sacralidade da vida e do ser humano, diante das maravilhas do universo, o assombro é a única atitude condigna.


A genuína experiência do belo é global; ela nos coloca, na totalidade de nosso ser, em contato com a realidade todo-abrangente. As qualidades transcendentais do ser – o bem, o verdadeiro e o belo – são inseparáveis; portanto, o negligenciar uma delas acarreta conseqüências desastrosas para as outras. Experimentemos ofuscar o esplendor do bem e do verdadeiro, e constataremos que os condenamos ao desaparecimento.


O instante em que tomamos consciência de nós mesmos, em sua validez eterna, é mais importante que tudo no mundo. É como se fossemos capturados e enlaçados e já não pudéssemos escapar nem agora nem em toda eternidade, como se nos perdêssemos a nós mesmos, como se deixássemos de existir, como se no instante seguinte o lamentássemos, mas não pudesse ser feito pela segunda vez.


(**RIO DE JANEIRO**, 16 DE OUTUBRO DE 2017)


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