#CONHECIMENTO E AUTOCONHECIMENTO# - IMAGEM: GOOGLE/Manoel Ferreira Neto: TESE: ESPÍRITO DO SUBTERRÂNEO
1.0
CONHECIMENTO E AUTOCONHECIMENTO
1.1 – CETICISMO
O conhecimento de nós mesmos é a mais alta meta da
indagação filosófica. Inúmeras são as trilhas por onde andarmos para o
encontro, para sabermos quem somos.
Na história da filosofia, o ceticismo foi
simplesmente a contrapartida de um resultado de humanismo. O autoconhecimento é
o primeiro requisito da auto-realização. Devemos tentar romper as cadeias,
algemas e correntes que nos ligam ao mundo exterior para podermos desfrutar
nossa verdadeira liberdade. A verdade nos tornará livres e a liberdade nos tornará
verdadeiros – para isso os caminhos do campo são longos, por vezes árduos,
sinuosos, mas a consciência das trilhas percorridas torna-nos homens, torna-nos
seres humanos capazes de real-izar a vida, capazes de viver “de” quem somos.
Isto de “a verdade nos tornará livres e a liberdade
nos tornará verdadeiros”, sendo transformado na ação da leitura de Dostoievski,
o ponto de partida para o mergulho em busca do conhecimento, seguindo-lhe os
passos desde as sensações de que a obra revela verdades, e através delas
podemos conhecer as nossas, ao longo dos anos de leitura os sentimentos fortes
e presentes de que nos tornamos livres, tornamo-nos verdadeiros. Sartre dizia
que de tanto escrever sobre a verdade o problema seria se não se tornasse
verdadeiro, tornou-se, obviamente.
Em todos os conflitos entre as diferentes escolas
filosóficas, esse objetivo permaneceu invariável e inabalado: foi sempre o
ponto de Arquimedes, o centro fixo e inamovível, de todo pensamento. Nem os
pensadores mais céticos negam a possibilidade e a necessidade de
autoconhecimento.
Em sua primeira carta ao Sr. Kappus, Rainer Maria
Rilke, diz-lhe:
O senhor está olhando para fora, e é justamente o
que menos deveria fazer neste momento. (...) Procure entrar em si mesmo.
Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos
recantos mais profundos de sua alma ...
Nessa missiva, observemos, com perspicácia e
engenhosidade, que Rainer, de modo transparente e lúcido, convida Kappus a
entrar em si mesmo e in-vestigar o motivo que o manda escrever. Isto é, há
sempre motivos que levam alguém a fazê-lo. Cada escritor, poeta deve encontrar
em si próprio esse motivo, entregar-se. Cada indivíduo, cada homem, fazendo
isto ou aquilo, tem seus motivos de fazê-lo. O conhecimento é fundamental.
Mergulharmo-nos só é possível a partir do instante
em que nosso objetivo seja o de olhar de dentro e de fora a vida e obra,
desejando estabelecer a síntese. Por vezes, pensamos que a síntese só se
fundamenta na harmonia, equilíbrio; por que a síntese não poderia ser de
elementos contrários, a síntese das tensões, semente de buscas, intenções,
pro-jetos? Numa obra paradoxal, ambígua, contraditória, em que habita o eidos
do desejo da eternidade, só é possível a síntese dos contrários, paradoxos,
pro-jetando a eternidade.
Assim, a liberdade torna-se a pedra angular de
nossa busca de entrega completa e inteira de nossa Redenção, entrega de corpo,
alma e espírito, e na comunhão Liberdade-Redenção, a busca da Espiritualidade,
da consciência-estética-ética, caminho de nossas realizações, encontros,
aproximando-nos de Deus, em comunhão com Jesus Cristo, que é a nossa Fé.
Enquanto o dogmatismo de certo modo desconsidera o
sujeito, o ceticismo não enxerga o objeto. Seu olhar está colado de modo tão
unilateral ao sujeito, à função cognoscente, que desconhece por completo a
referência ao objeto. Sua atenção está sempre direcionada aos fatos subjetivos
do conhecimento humano. Ele observa que todo conhecimento é condicionado por
peculiaridades do sujeito e de seus órgãos de conhecimento, bem como por
circunstâncias externas (meio ambiente, cultura).
Com isso, desaparece de sua vista o objeto, que é,
no entanto, necessário para que aconteça o conhecimento, que significa
exatamente relação entre sujeito e objeto – sujeito e objeto são pedras
angulares de toda a filosofia ocidental, são pedras de toque de toda cultura
ocidental.
É sobretudo na Antiguidade que o ceticismo pode ser
encontrado. Seu fundador é Pirro de Élis. Segundo ele, não ocorre contato entre
sujeito e objeto. A apreensão do objeto é vedada à consciência cognoscente. Não
há conhecimento. De dois juízos contraditórios, um é exatamente tão verdadeiro
quanto o outro. Isso representa uma negação das leis lógicas do pensamento, em
especial do princípio de contradição. Como não há juízo ou conhecimento
verdadeiro, Pirro recomenda a suspensão do juízo, a epokhé .
O ceticismo também pode ser encontrado na filosofia
moderna. O que encontramos aqui, porém, é um ceticismo mais específico e não
aquele outro, radical e absoluto. No filósofo francês Montaigne , deparamos com
um ceticismo sobretudo ético; em Hume, com um ceticismo metafísico. Em Bayle
também encontraremos um ceticismo no sentido de Pirro, mas, no máximo, no
sentido do ceticismo médio. Em Descartes, que proclama os direitos da dúvida
metódica, temos um ceticismo metódico e não de princípio.
O pensamento de Montaigne vai e vem, dá voltas
inesperadas, esconde-se atrás de meias palavras e alusões, não expressa tudo,
temendo levantar suspeitas e gerar perseguições. Montaigne retrata a própria
vida da consciência: o que pode haver de mais complexo e assistemático. Quando
nos colocamos no centro do humano, não através do entendimento contente conosco
mesmo, mas como consciência que se maravilha consigo mesma, torna-se impossível
anular o sonho de um re-verso das coisas, ou reprimir a invocação de um além
inefável. Mas se existe uma Razão no universo, o homem, segundo Montaigne, não
penetra seus segredos e tem de governar a vida apenas a partir de si próprio.
Contudo, é possível extrair dos Ensaios alguns
esquemas básicos e compor um quadro mais ou menos coerente de idéias. Para
isso, a coordenada intelectual mais evidente que se propõe é o ceticismo, do
qual Montaigne foi lídimo representante renascentista.
Essa não era uma novidade na história da filosofia.
Pelo contrário, o ceticismo foi formulado, em suas linhas essenciais, pelos
antigos pensadores gregos e romanos. Formulações céticas encontram-se no
pensamento dos sofistas do século V a.C. e mesmo antes, como em Xenófanes de
Colofônio.
O sofista Protágoras de Abdera, ao afirmar que “o
homem é a medida de todas as coisas”, teria estabelecido – segundo uma
interpretação que remonta a Platão – a relatividade de todo conhecimento. Se é
possível discutir o alcance do seu relativismo, parece certo, todavia, que ele
negava a possibilidade de o conhecimento atingir a natureza (physis) das
coisas, permanecendo adstrito ao plano da convenção (nomos) humana.
Outro sofista, Górgias de Leontinos procurou
mostrar que a idéia de ser é pelo menos tão impermeável à razão quanto a de
não-ser. Com isso rebatia a pretensão dos filósofos de atingir a intimidade das
coisas e deixava as palavras como o único território entregue à interferência
humana: a retórica, como instrumento de persuasão, deveria substituir a
ciência.
Pela suspensão de qualquer julgamento (epokhé),
poder-se-ia então chegar à imperturbabilidade do espírito (ataraxia).
Raymond Sebond, na sua Teologia natural, resumira
de maneira relativamente simples os fundamentos da concepção de vida própria da
Idade Média. Para essa concepção, as verdades da revelação cristã e as da razão
humana deveriam necessariamente formar uma unidade isenta de contradições.
Entre a natureza e as Sagradas Escrituras deveria
haver coincidência perfeita em todas e em cada uma das partes separadamente,
pois ambas constituiriam representações da essência divina. A missão do
pensamento humano seria a de mostrar claramente essa harmonia, muitas vezes
obscurecida na natureza.
(**RIO DE JANEIRO**, 11 DE ABRIL DE 2018)
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