#AFORISMO 716/CASA-GRAÇA-DO-SER# - PINTURA: GRAÇA FONTIS/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO



Que há para além do sonhar?
Não está em mim sabê-lo, mas na Vida.
Que há para aquém das quimeras?
Não está em mim filosofar,
Mas no Ser contingenciar.


Assim o nada sagra quando finda
porque o que é, só é o não ainda.
Hoje não sou eu nunca por inteiro
e há sempre no que faço um intervalo,
No que falo um hiato,
No que digo reticências.


A língua retorna,
De uma ampl-itude retórica,
Para a concisão e a força da linguagem
Do sentimento...
Tomado por impulso poderoso
Que faz-me sentir chamado a um alto dever,
Jamais antes rea-lizado.


Ah, essa agonia eterna
De arrancar de dentro a solidão,
Mostrá-la viçosa e viva,
"De mim, eis a solidão!"
Não mais clamar das palavras
A verdade de que existo.


A imagem do espelho
No reflexo solitário do eu.


Ah, essa angústia imortal
De ser no Ser o Ser do Ser,
A dor que sinto
no outro obscuro de mim
nunca fala a minha voz
mas de quem de mim ausente,
só a mim próprio con-sente
quando não estou eu
mais só do que ao estar só.


Chama obscura que visível arde
Quando arde ao sol o pó.


Refugiado em ninho de serpente
Bergmaneando as trevas da alma,
De ingmar morango a voz recita
O sabor da fruta,
Na vida a paixão é raramente eloquente,
A verdadeira paixão, na vida,
Não fala por sentenças,
E a paixão, na poesia,
Desperta desconfiança
Quanto à sua sinceridade
Sempre que se distingue
Profundamente dessa realidade.


Somente habitando na casa-graça-do-ser,
dançando,
re-presentando gestos e performances,
con-sonantes à música do espírito de desejar,
semelhantes à alma de sonhar,
sei falar em imagens das coisas mais elevadas,
querer dançar para além de todos os céus,
como ainda não dancei nunca;
e, assim, fica-me silenciada nos membros
a minha mais elevada imagem,
"que alvitra ser extasiada, impensável."
Fica-me a mais elevada esperança.


"Em meu intelecto cogito um local...",
uma casa-graça-do-ser,
pouco importando que as ondas de luz
e do mar revolto,
ao romperem-se,
espumejem e, furiosas, se oponham à quilha.


Inesgotável e geradora vontade de viver.
Tudo o que inquietante há no vir-a-ser,
inquietância que in-troniza as perspectivas
do além na imagem do Ser,
e tudo o que um dia fez tremer pintassilgos,
cabeças-de-fogo,
curiós,
aves perdidas é ainda,
em verdade, em verdade,
mais familiar e tranquilizador
"que a oscilação enérgica oscilando as folhagens".


Para onde ainda deverei subir, agora,
com o meu anseio, com as minhas expectativas?
Para onde ainda deverei descer com a minha sede
de um sítio deserto longe da humanidade
- ah, como a presença dos homens nauseia!


"...Demanda de tamponar o orifício oco da alma,
que chora muito ou ri demasiado."


De todas as colinas,
olho em redor à procura de pátrias.


Errante sou eu em todas as cidades
e um decampar de diante de todas as portas de cidades.
Sou expulso,
banido de todas as terras pátrias e mátrias.


Todos falam de mim,
borrifam ideias e ideais que em mim afloram e fluem,
quando, à noite, estão sentados em torno do fogo,
olhando, observando, perscrutando a luz da clareira;
falam de mim, mas ninguém pensa - em mim!,
"nesse caso apodera-se a nostalgia desse loco
que sem elucidação,
apenas o conhecimento que permanece...",
isto se deve à doutrina da solidão
e da virtude que são eternamente afins.


(**RIO DE JANEIRO**, 30 DE ABRIL DE 2018)


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