#3.0 - DESEJO DE REDENÇÃO E VONTADE DE PODER - PARTE III# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/ARTE ILUSTRATIVA Manoel Ferreira Neto: TESE



O anseio de liberdade esteve sempre presente em toda a sua vida e permanece visível em toda sua obra. Acompanhando-lhe a evolução espiritual, fácil é constatar que em tudo que escreve lateja e prorrompe o ideal do homem livre. Até mesmo quando ele ainda andava entre a literatura de índole intimista, sob a influência avassaladora de Gogol, os protagonistas vivem, amam e sofrem como seres inteiramente livres, independentes da tutela e do constrangimento do mundo exterior. Se pobres, aceitam a miséria; se infelizes, recebem a desventura como dádiva da sorte, tais quais marcas de nascença. As desigualdades sociais, as diferenças de temperamento, as divergências de opinião, se podem motivar competições, não conseguem influir nas correntes de pensamento.


Sem abdicar por um instante da liberdade de consciência, enchia-se de incertezas e dúvidas, enriquecendo-se de aspirações e vivências. Debalde, porém, tentava escapar das tenazes do racionalismo. Para tanto, nem a razão pura nem a prática lhe oferecem terreno firme. Aí, os rigores da lógica euclidiana mal lhe permitem avançar na direção do Ente Supremo. Todos os ditames da lógica, a sua bem fundamentada estrutura mental, como que contradiziam as visões da fé. Através dos itinerários da razão – era isso indiscutível -, jamais poderia chegar à presença de Deus. Como fazer, então? Se o raciocínio fecha-lhe todos os caminhos, só lhe resta recorrer à rude fé do carvoeiro.


O vasto sucesso público da crítica kantiana era devido ao fato de parecer salvar a liberdade humana de um racionalismo integral como aquele de Spinoza, para o qual pensar segundo a razão era pensar segundo a necessidade. Kant tinha escrito no fim da Crítica da razão pura esta famosa fórmula: “Tive então de suprimir o saber para encontrar lugar para a fé”.


Diz-nos Dr. Paulo César Lopes em Utopia cristã no sertão mineiro sobre a necessidade de integrar o saber sensível ao nosso atual saber racional para para suprassumirmos a nossa razão presente, elevando-a a uma razão ontológica, uma razão não da cabeça, mas do Ser por inteiro.
A liberdade está no ser e a necessidade, no ato. Schopenhauer gostava de citar a proposição escolástica: operari sequitur esse (a ação decorre do ser). A responsabilidade moral é a responsabilidade daquilo que o sujeito é na ocasião fornecida pela ação. Nesse sentido, podemos pensar que as letras, o dom gratuito delas que Deus lhe legou, o conhecimento profundo da Bíblia, do cristianismo ortodoxo, era a responsabilidade com a “idéia divina” com a busca da redenção, da ressurreição, do “sujeito” na história do cristianismo, com as “palavras”, inspiradas e vividas na Bíblia, encontrá-la-ia, e mostraria aos homens um dos caminhos de aproximação de Deus, a dialética do ser e da participação em Dostoievski é importantíssima para que possamos entender a “idéia divina” do desejo de ressurreição, que é a idéia dostoiévskiana a chave de compreensão e entendimento de seu pensamento, vida e obra.
A vontade é livre pelo fato de situar-se, ela mesma, além do princípio de razão suficiente, e é nesse sentido que se deve compreender a famosa fórmula de Malebranche: “A liberdade é um mistério”.


Nesse sentido, na supressão dos itinerários da razão, é que Dostoievski encontra como chegar à presença de Deus. Suprimindo-os, ele encontra a via de acesso a Deus, isto é, esta via de acesso é a intuição.


Depois de muito meditar e procurar saídas, Dostoievski percebeu que somente lhe seria possível aproximar-se de Deus pela via da intuição.


A intuição é o que atinge o espírito, a duração, a mudança pura. Sendo o espírito seu domínio próprio, ela desejaria ver nas coisas, mesmo materiais, sua participação na espiritualidade – diríamos na divindade, senão soubéssemos tudo o que de humano ainda se mescla à nossa consciência, mesmo purificada e espiritualizada .
A pergunta de Aristóteles era pelo ente enquanto ente; a de Kant, pelo objeto enquanto objeto. Sua pergunta também é pelo real, mas não pelo real em si mesmo e sim pelo real à medida que ele é constituído pelas sínteses do pensamento, isto é, à medida que o real é pensado a partir da subjetividade, no Horizonte subjetivo. Por esta mesma razão, a transcendência ontológica (do ente para o ser) que caracteriza a metafísica se transforma em transcendência transcendental, ou seja, a transcendência para a estrutura do sujeito finito, como condição última de possibilitação da objetivação.


As dimensões da culpa, dos pecados, do pecado original, os sofrimentos e dores, essas bases metafísicas – Dostoievski é considerado por Berdiaeff, teólogo russo, como o maior metafísico russo: “Dostoievski não foi somente um grande artista. Ele foi um grande pensador e um grande visionário; um dialético de gênio e o maior metafísico da Rússia” (Assim falou Berdiaef) - eram as origens bíblicas, desde Adão e Eva até Cristo. Mas nelas habita poèticamente a “idéia divina”, o desejo de ressurreição, Cristo não foi apenas o “desejo” de ressurreição, Ele é a Ressurreição.


Um dialético de gênio... Tais palavras chamam a atenção... A idéia-divina da “ressurreição” deve ser a pedra de toque de toda a vida humana. Nesse sentido, é que podemos com-preender, re-colher e a-colher, a intuição das dialéticas-moventes como continuidade, a nossa busca de Redenção, conscientes de nossa vida, a nossa viagem eterna. Assim, esta nossa intuição deveria se apresentar na conclusão do ensaio, a partir de toda a experiência de interpretação e analise chegamos às dialéticas-moventes.


Essa “redenção no pensamento dostoievskiano”, assim conceituamos e definimos a nossa trajetória, só encontraria seu lugar apropriado junto à intuição nossa, no corpo desse capítulo. Na conclusão, estabeleceria um vazio, muito haveria ainda de aprofundar na obra e vida de Dostoiévskiana para compreender e entender. Dizemos isso no tangente ao leitor: ele sentiria satisfeito, conseguimos satisfazer sua sede de conhecimento da obra e vida dele; no corpo do trabalho, indicar-lhe-ia as trilhas a serem seguidas, para no término da obra, des-cobrir-se e aí iniciar a sua própria busca de redenção e ressurreição consciente.
Nestas bases, um “dialético de gênio e o maior metafísico da Rússia”, pensemos a questão da Crítica do juízo estético de Kant, no tangente ao “gênio”. No que concerne à teoria kantiana sobre o “gênio”, é extremamente significativo observar que Kant não logra, de todo, afastar-se das obras concretas, em particular as geniais, quando alude á originalidade como traço marcante das mesmas. No gênio, que se faz notar nas belas artes, há descontinuidade em suas produções mesmas; são únicas, originais, autolimitadas e não se comunicam. O gênio é o talento de criar sem dar regras e sem, muito menos, poder ensiná-las a quem quer que seja: o conceito determinado não opera nessa área.


Assim, entre o “gênio” e o “não-gênio” há uma diferença de natureza, entre o inventor nas ciências e o aprendiz e imitador uma diferença de grau. Não há, pois, para Kant, gênios nem na ciência nem na filosofia porque em ambas o saber se comunica, não sendo, assim, único, original e autolimitado e irredutível.
Enfeudado a um único tipo de “intuição”, a intuição sensorial ou meramente empírica, Kant não poderia nem mesmo propor a originalidade como traço marcante do gênio no terreno das belas artes, uma vez que essa a todos se impõe sem resvalar para interesses subjetivos inerente ao puro contato com as sensações. Vivendo e vivenciando a busca da ressurreição, na vida mesma e através de seu conhecimento da Bíblia, a “idéia divina” do desejo de ressurreição, Dostoievski mergulha profundamente na alma humana; nas letras, a busca da “ressurreição”, o desejo, a idéia divina, de toda a humanidade, na vida de todas as personagens. A intuição da “idéia divina”, as “idéias”, a multiplicidade delas, será tema futuro nesse nosso ensaio, é que são as chaves da compreensão do desejo de “ressurreição” em Dostoievski, vida e obra.


(**RIO DE JANEIRO**, 14 DE ABRIL DE 2018)


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