GRAÇA FONTIS: PROSA(AUTORA)/PINTURA/ARTE ILUSTRATIVA - #GRAFITANDO PALAVRAS E IDÉIAS#



Do inesperado, no rubor madrugal algo gélido plantou medo em meu coração, solidificou cinzas na escuridão, desestruturou partes sem furtar as cores, meu vínculo com a felicidade, e no prenúncio do silêncio a pressão dos poros, pelas frestas de minhas pálpebras pirilampeiam o carmim. O meu destino tem olhos purpúreos à observância das palavras ao abrirem as portas do mundo, lapidário do invisível, e é nesta morna invisibilidade no agudo da noite que minha diáfana presença grafita idéias como sopro campestre na disseminação do pólen da vida, que se arraigam infiltrados no imediatismo da vontade, onde só meu vulto vê a erosão das horas no âmago gótico da meditação. Por instante, paro, apalpo-me e passo a reconvocar a reconciliação dos pensamentos dispersos ao meio a tantas sensações profundas e contraditórias, pretextando barulhenta queda d´água, surrando pedras e rapinando um canto de pássaro ainda desconhecido por conta do solitário rio rangendo versos d´algum marujo-poeta mal amado.


Fito o horizonte com gestos longos, profundos, se é que o vejo na quietude e amplidão das sombras perscrutadoras do coração viajante. Segundos, minutos passam até a decepação de pensares tenebrosos com ares desafiadores e entreveios pululantes antes de requerer o pré-a-mar no campo da batalha já experienciada ao longo de outras jornadas. Que leve um dia, dois dias, meses... anos? Cortarei, quebrarei, arrancarei as sombras? As sombras desaguam no subterrâneo, fogem distantes do meu alcance, e resguardo-me como casulo no tempo, tendo impressões aromáticas do botão segregado num jogo de gemidos e gritos de socorro em céus toldados dos sóis, ofuscados e acoplados aos ululantes ventos outonais a aconchegarem os sonhos dentro de mim insistentes e solitários à procura da porta oculta e rangedora dona da chave e da luz a que se abre diante de mim todas as palavras. Estala a iluminação como lufadas impacientes do vento, tirando o peso de toda a escuridão, e vem a clara claridade da lua e morde-me a mim a outros e outros andarilhos que se tropeçam e entrecruzam-se nestas terras... terras das palavras. E não serei eu a aprisioná-las, quando anseiam o voo, voem, voem, e caso não encontrem espaços e horizontes em suas aventuras pintá-lo-ei para que resplendam nas alturas e consagrem ao ilimitado o valor da voz tal verdade sentida, já que a poesia e a liberdade aguardam, detestam rastejar e tem pressa no voar.


No interior do meu primeiro pensar, quieta, ausente, presencio a vida, o desenrolar de histórias para a construção sem medo do meu próprio castelo, colorindo pedaços deste continente ante meus passos e mudez das pedras que professam o acervo subjetivo na estante de meu inconsciente à espera da liquidez objetiva da linguagem esquecida. Último ópio a escancarar os portões aos delírios luminosos no afã das descobertas e conquistas, no chão que já existe, rumo ao futuro avanço, tendo na alvorada, a segunda voz, registrando e imprimindo um terceiro ser que é meu estar-aqui, agora, revestida do último som do cosmo, esse ocultador de dúvidas, licenciador de minha passagem por um mundo manipulador de sonhos com seus enigmas e acasos do nascer ao pôr-se o sol em todas as suas veredas belas, irônicas ou agonizantes, expoentes poéticos das emoções dadas a sensíveis elucubrações a transcenderem o inacessível aos olhos do poeta, assim feitos dos sonhos rastros de tintas no aguarde da próxima viagem. Para onde irão? Não sei. Permanecerão percorrendo os corredores escuros, evidenciando novos sons e ecos desveladores em direção à luz de tudo que respira na língua aguada do tempo.


(**RIO DE JANEIRO**, 23 DE ABRIL DE 2018)


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