#PAULO G. COSTA UNIVERSIDADE PAULISTA SUPERIOR COMPLETO COMENTA /#3.0 - DESEJO DE REDENÇÃO E VONTADE DE PODER - PARTE VIII#/



Desprendimento, desapego, não é se prender a algo ou alguém, pois todos nós desejamos ser livres, ansiamos sempre e lutamos para preservar nossa liberdade. Podemos ver os próprios animais quando aprisionados, sentem-se muito mal, perdem o brilho do olhar e muitas vezes, assim como os pássaros, cantam o dia todo ansiando poderem voar novamente pelo mundo. Todo o ser vivo quer e precisa ser livre, do contrário não existe vida com sentido, tudo torna-se mecânico, aprisionador, destruidor.


A liberdade é a aspiração máxima de todos os homens e também de todas as nações da Terra. Amada e desejada por aqueles que não a possuem e muitas vezes desprezada pelos que já a fruem sem darem-se conta da responsabilidade que carregam. Desejo e aspiração por liberdade é uma coisa, já a liberdade real é outra, pois todos possuímos nossos condicionamentos, firmamos convicções limitadoras, vamos criando correntes e prisões mentais que tolhem a nossa ânsia por sermos e estarmos livres.


O homem contemporâneo precisa acordar com urgência para a necessidade de mudar convicções, libertar-se dos apegos e das prisões mentais que ele próprio criou, enquanto esta meta não começar a no mínio ser trilhada, estaremos sempre de mãos dadas com o sofrimento devido a nossa própria ignorância quanto ao sentido real do “estar e ser livres”.


Muitos profetas, sábios da humanidade, professores e gurus modernos, religiosos, grandes homens da ética e da cultura, sempre estiveram cercados de homens e mulheres, seus discípulos, mas nunca os privaram ou desejaram para eles mesmos a liberdades destes outros.


Eles precisavam seguir e viver a ideia, mas com total liberdade de ação e pensamento, e isto porque onde está o nosso foco, o nosso pensamento, estará aí o tesouro e o nosso coração, como afirmou o Cristo.


Desapego e desprendimento não se trata de dilapidar e jogar fora todos os nossos bens, tudo aquilo que conquistamos com muito trabalho, mente em ação e esforço da vontade, não, isto está longe de ser desapego e muito mais próximo encontra-se este homem do desrespeito e da irresponsabilidade das leis morais da vida.


Somos seres racionais, na sua imensa maioria, providos de raciocínio e senso crítico, desta forma precisamos entender as várias modalidades de desapego, como de pessoas que nos fazem mal, de objetos que não mais utilizamos, de fome de poder que nos traz angústia e depressão, de dinheiro acumulado sem propósito que faz a miséria de muitos e rouba a nossa paz, de ideias e convicções falsas que impossibilitam conquistarmos os nossos sonhos, de atitudes equivocadas provindas de uma educação deficitária que destrói todos os nossos relacionamento, e, principalmente, de emoções e sentimentos perturbadores que roubam nossa alegria de viver e fazem com que percamos o nosso sentido existencial, levando-nos muitas vezes as loucuras dos vícios e do suicídio indesculpável, tais como a mágoa, o ressentimento, o ódio e a incapacidade de perdoar os erros alheios.


Uma vez em um congresso eu escutei uma pessoa dando uma definição maravilhosa sobre o dinheiro, ela dizia: “O dinheiro é como o sangue, se estiver correndo, existe vida, no caso de ele parar é porque está nos matando.” Portanto, pode sim existirem pessoas muito ricas mas com um grande desprendimento e uma nobre atitude quanto ao mesmo, trabalhando para multiplica-lo em favor da sociedade, gerando trabalho, cultura, e progresso. Da mesmo forma vemos também pessoas pobres e totalmente usurárias, porque o egoísmo e o apego aos bens materiais, principalmente ao poder e ao dinheiro, nascem de dentro da alma para as coisas de que ela se utiliza de fora.


Desapegado é aquele que sabe doar, o melhor de si para os outros, é aquele que reparte o seu excesso com aquele que precisa, é aquele que perdoa, que ama e que sabe que todos nesta vida somos um grande conjunto e que dependemos, mais ou menos, todos uns dos outros, nossas ações repercutem não só no outro e na sociedade, mas no equilíbrio do próprio Universo. Desapegado é aquele que entrega algo de si sem perder um por cento que seja da sua paz de espírito e alegria de viver.


Dar, doar-se, também é ciência, pois quem não sabe dar estará sempre caminhando como devedor da vida. Desprendimento e desapego é sabedoria, virtude, ética, do sábio e do santo, do mestre e do discípulo.


Uma das formas mais devastadoras de apego da nossa sociedade atual, hedonista, materialista, sexista, é o apego da imagem, queremos mostrar uma imagem externa daquilo que não somos internamente, esquecendo de nossa própria essência, de nossa própria individualidade, pois somos únicos em todo o Universo, mas queremos ser iguais ao grande todo, perdidos em meio a uma multidão violenta, sofredora, depressiva e profundamente infeliz. Precisamos com urgência desapegar da imagem externa, do contrário estaremos transformando nosso coração e nossa emoção em um pântano de tristeza, depressão e morte.


Paulo G. Costa


Caríssimo Paulo G. Costa, a melhor resposta a este comentário sem precedentes de percuciência e entendimento do pensamento de Dostoiévski, é ele mesmo se pronunciando.


Muchas gracias pela honra de seu comentário a este capítulo da 3.O PARTE de minha tese.


Manoel Ferreira Neto


DO INFERNO E DO FOGO ETERNO: CONSIDERAÇÃO MÍSTICA DE FYODOR MIKHAILOVITCH DOSTOIÉVSKI


Meus padres, pergunto a mim mesmo: “Que é o inferno?”. Defino-o assim: “O sofrimento por não poder mais amar”. Uma vez, no infinito do espaço e do tempo, um ser espiritual, pela sua aparição na terra teve a possibilidade de dizer: “Eu sou e eu amo”. Uma vez somente foi-lhe concedido um momento de amor ativo e vivo; para isso foi-lhe dada a vida terrestre, limitada no tempo. Ora, esse ser feliz repeliu esse dom inestimável, nem o apreciou nem o amou, considerou-os ironicamente, ficou a ele insensível.
Tal ser, tendo deixado a terra, vê o seio de Abraão. Entretém-se com ele como está dito na parábolo de Lázaro e do mau rico. Contempla o paraíso. Pode elevar-se até o Senhor. Mas o que o atormente é precisamente o fato de que se apresenta sem ter amado. Entra em contato com aqueles que amaram e cujo amaor desdenhou. Agora tem a clara noção das coisas. Diz a si mesmo: “Apesar de minha sede de amor, esse amor será sem valor. Não representará nenhum sacrifico porque a vida terrestre terminou. Abraão não viára aplacar – ainda que com uma só gota de água viva – minha sede arde de amor espiritual, que agora me abrasa, depois de te-la desdenhado na outra. A vida e o tempo passaram agora.
Daria com alegria minha vida pelos outros, mas é impossível A vida que se podia sacrificar ao amor já decorreu. Um abismo a separa da existência atual.
Fala-se no fogo do inferno no sentido literal. Temo sondar esse mistério. Mas penso que, se houvesse mesmo verdadeiras chamas, os danados se regozijariam, porque esqueceriam nos tormentos físicos, ainda que por um instante, a mais horrível tortura moral. É impossível liberta-los dela, porque esse tormento está neles e não fora deles. E, se pudesse, penso que mais desgraçados seriam ainda. Mesmo que os justos dos céus os perdoassem à vista de seus sofrimentos e os chamassem a si no seu amor infinito, não fariam senão aumentar-lhes esse sofrimento. Excitariam neles essa sede ardente de um amor correspondente, ativo e grato, doravante impossível.
Na timidez de meu coração, penso, no entanto, que a consciência dessa impossibilidade acabaria por aliviá-los. Tendo aceitado o amor dos justos sem poder a ele corresponder, sua humilde submissão criaria uma espécie de imagem e de imitação desse amor ativo e por eles desdenhado na terra.
Lamento, irmãos e amigos, não poder formular claramente isto. Mas infelizes aqueles que se destruíram a si mesmos. Infelizes suicidas! Penso que não pode haver mais infelizes do que eles.
É pecado, dizem-nos, orar a Deus por eles, e a Igreja aparentemente os repudia. Mas meu pensamento íntimo é que se poderia rezar por eles também. O amor não haveria de irritar o Cristo. Toda minha vida tenho rezado em meu coração por esses infortunados, confesso-vo-lo, meus padres. E ainda agora.
Oh! Há no inferno seres que permanecem soberbos e intratáveis, malgrado seu conhecimento incontestável e a contemplação da verdade inelutável. Há-os terríveis, que se tornaram totalmente presa de Satanás e de seu orgulho. São mártires voluntários que não podem satisfazer-se com o inferno. Porque são eles próprios malditos, tendo amaldiçoado Deus e a vida. Nutrem-se de seu orgulho irritado, como um esfomeado no deserto se poria a sugar seu próprio sangue. Mas são insaciáveis por todos os séculos dos séculos e repelem o perdão. Amaldiçoam a Deus que os chama e quereriam que Deus se aniquilasse. Ele é a toda a sua criação.
E arderão eternamente no fogo de sua cólera. Terão sede da morte e do nada. Mas a morte fugirá deles.
Fyodor Mikhailovitch Dostoievski.
(Os Imortais da Literatura Unifersal, I) S. Paulo, 1971. 236-237.


#3.0 - DESEJO DE REDENÇÃO E VONTADE DE PODER - PARTE VIII#
GRAÇA FONTIS: PINTURA/ARTE ILUSTRATIVA
Manoel Ferreira Neto: TESE


Pode-se sustentar que os inícios da tradição sobre Jesus se encontram na comunhão de vida que Jesus teve com seus apóstolos, isto é, com aqueles que ficaram fascinados pela sua pessoa, sua mensagem e sua conduta. Essas lembranças, como também as experiências ocorridas após a morte de Jesus, são como a matriz da fé cristã. O Querigma, em virtude de sua “própria autocompreensão”, manifesta vontade de referência ao evento Jesus. Existe contínua interação entre a lembrança de Jesus que seus discípulos, à luz das novas experiências que esclarecem as lembranças do passado, penetraram o sentido de sua vida como realidade definitiva da salvação e puderam identificá-lo como Messias e Filho de Deus.


O stáriets numa conversa que tem com Aliocha, Os irmãos Karamázovi, diz:


- [...] Experimentarás uma grande dor e ao mesmo tempo será feliz. Tal é a sua vocação: procurar a felicidade na dor. Trabalha, trabalha sem cessar. Lembra-te de minhas palavras, doravante, porque entreter-me-ei ainda contigo, mas meus dias e mesmo minhas horas estão contados


As palavras que servem de epígrafe a Os irmãos Karamázovi dão a chave do grande monumento:


“É o choque das duas idéias extremas que jamais surgirão sobre a terra: o homem-Deus encontrou o Deus-homem; Cristo e o Apolo de Belvedere” .


Quando a doença ou o infortúnio enfraquecem a razão do homem, então ele pode aproximar-se da “verdade total”. Aí, a intuição começa a preponderar sobre o raciocínio e o homem galga o alto muro que separa o natural do sobrenatural. Sirva de exemplo a figura de Svidrigadov em Crime e castigo.
Cada criatura, para Dostoiévski, é uma alma, fundamentalmente uma alma. Ele, porém, não acredita que a alma humana tenha configuração e unidade próprias e só a compreende unida indissoluvelmente a Deus. E toda aquela que se desprende e se afasta de Deus viverá na dúvida e na vacilação, isto é, no caos. Mergulhada em trevas e angustiada, ela só se salvará postando-se aos pés de Cristo, buscando através Dele o amparo do Todo Poderoso. Só assim, o réprobo reencontrará paz de espírito e ressurgirá para a vida.


Se o homem é apresentado como imagem de Deus, é antes de tudo naquilo que é o Deus segundo os cristãos que encontraremos o texto prínceps de sua antropologia; nossa civilização será a promotora do humanismo que, para Dostoiévski, é essencialmente cristão. Quando Dostoiévski proclama que o sofrimento, a dor devem ser superados, que o homem deve mergulhar em sua alma em busca de Cristo, do Amor, da Compaixão, da Fé e da Esperança, esta proposição só ganha sentido no horizonte de que o “humanismo” é uma antropologia essencialmente cristã.


O caminho da deificação do homem, posto que seja um caminho de perdição, não deixa contudo de ser árduo, cheio dele e o arrastam para uma existência de sofismas e negações, de dores e angústias, de sofrimento e agonia. A atmosfera que o envolve é altamente tensa, o calor é de lava ardente. A corrida para o abismo parece-lhe precipitada, infrene. O homem tem pressa de se tornar Deus e teme não o conseguir no curto prazo de sua existência.
A balbúrdia do mundo exterior, por mais que ele queira, não pode esconder o drama que se desenrola em sua alma. Dado o primeiro passo na estrada da deificação, a consciência do homem desperta e trava um diálogo interior interminável, quase fastidioso. Entabula discussão implacável consigo mesma. Qualquer pensamento hostil é tenazmente combatido, enxotada das correntes do pensamento, recalcado nas profundezas do ser. E a idéia rebelde, o protesto adverso, é julgado funesto e, por isso, se refugia no inconsciente, onde aguarda que outros sentimentos afins venham se agrupar, torna-o um núcleo forte e impetuoso.


Dostoievski explora todos os caminhos e atalhos da iniqüidade e do pecado; o clarão de sua inteligência ilumina todos os escaninhos do entendimento dos intelectuais orgulhosos, que repudiam a idéia de Deus. Arrastado pela força de uma dialética implacável, ele disseca a idéia do Homem-Deus em pleno desenvolvimento. Com ele, vemos como essa idéia nasce e palpita na alma de suas personagens; vemo-la germinar no cérebro de homens que se despem diante de nós. Basta acompanhá-lo através de sua obra – mormente nas páginas de Os possessos, O idiota, O adolescente e, sobretudo, de Os irmãos Karamázovi. A idéia da deificação do homem que o conduz à irremediável destruição; todo aquele que abusa da liberdade, afastando-se de Deus e do convívio com seus semelhantes, finda destruído por seus próprios atos.


(**RIO DE JANEIRO**, 16 DE ABRIL DE 2018)


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