#AFORISMO 697/ O ELE-IR-PASSANDO-ATÉ-NÃO-SE-SABER...# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/ARTE ILUSTRATIVA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO



Ao meu inesquecível e eterno amigo Antônio Nilzo Duarte(Eliete Araujo Duarte) com todo respeito e admiração!


A manhã esfria no longínquo da planície, e se sente o novo dia entrado, uma borboleta branca se assenta na folha da samambaia.


O ele-ir-passando-até-não-se-saber-o-que enxota dos olhos o sono, e tudo o que debilita e cega a vista queda a língua, emudece as palavras, ensurdece os ouvidos.


Oh, solidão, quão alegre e terna me fala a sua voz. Anunciam-se todas as palavras e o escrínio de palavras do ser; todo o ser quer, aqui, tornar-se palavra, todo o vir-a-ser quer que lhe ensine a falar.


Oh, silêncio, as palavras não nascem aguilhoadas, elas saltitam, elas brincam de esconde-esconde, elas sonham, elas sentem prazer, elas se diluem, o ele-ir-passando-até-não-se-saber-além, no céu livre, as palavras são puras, largas, verdadeiras, respondem a tudo, mesmo que os homens não con-sintam as suas verdades, são autênticas, indevassáveis. Esta viagem é eterna, dar tudo pela presença das lonjuras, sentir que há sibilos de por trás dos verbos que dão nascimento às ações, movem-se em todos os lugares, nações, periferias da Cochinchina, de formas inéditas, inusitadas, estilos e linguagens secretos, enigmáticos, de modo seco.


O ele-ir-passando-até-não-se-saber-quando, até-não-se-saber-há-quanto-tempo, até-não-se-saber-onde é motivo de enfiar a alma entre as pernas e, de suspiro em suspiro, soluços em soluços, ruminar perdas, uivar fracassos, rosnar frustrações, cacarejar decepções, grunhir desilusões, relinchar mágoas e ressentimentos, aprendendo, na estrada, que o sofrimento é louca alavanca para a esperança, a morte é tresandada consumação do inesquecível, e só há ressurreições onde há túmulos, redenções, onde há cinzas.


O ele-ir-passando-até-não-se-saber-o-porquê de minha mente lavar o ouro como de minha alma um dia os equívocos, enganos se lavarem nas águas do rio das penitências, onde passam duas águias cruzando-se, meditam, depois sonham, vai declinando o dia.


Enquanto a neblina da noite nas vastas ruas da Ilha de Itaoca, nas montanhas, como um sudário, flutua nos ombros da solidão, as estrelas são verbos de luz, minha alma revolve-se em ondas de luz, um brado altissonante que a liberdade prediz. As flores são aves que pousam no bosque, as aves são flores que voam no céu de nuvens azuis. Os cheiros agrestes do vasto sertão, a voz dos tropeiros em suave canção embalam-me os sonhos de os mistérios do vasto horizonte serem re-velados a todos os cantos e recantos da terra. Os prantos de meu pensar agitam como diamantes as minhas mãos que, elevadas ao céu de toda a terra, enxugam, rindo, os lágrimas que caem na terra, molhando a poeira ressequida das estradas. Quando vejo as noites belas, onde voa a poeira das estrelas e das constelações di-versas, fito o abismo que a meus pés se encontra, sem poder esmagar a iniqüidade que tem na língua sempre a liberdade, nada no coração.


Ainda se quisesse re-cordar de alguma coisa, deixando de lado, à margem, o ele-ir-passando-até-não-se-saber..., largando o silêncio das palavras, estaria sentado no corrimão da ponte do córrego Santo Antônio, olhando as águas moverem-se, analisando um sonho: era noite, não havia energia elétrica na cidade, andando às apalpadelas nas paredes, abri uma porta, havia luz, eram degraus de uma escada, fui descendo, descendo, descendo, a luz sumiu, mesmo assim fui descendo, não havia fim, num certo momento, senti que algo me segurava, jogou-me ao chão, soprou dentro de minha boca, acordei sem fôlego.


Com a vista no céu per-corro os astros. Vagueia a minha mente além das nuvens, vagueia o meu pensar. Nostalgia!... Essa re-versão de minha quimera, esta in-versão de minhas fantasias, a liberdade de minha personalidade não constitui aventura prazerosa e confortável, di-vertida, mas, ao contrário, é com freqüência difícil e complicada e, não raro, quase ininteligível.


Coração de ouro e diamante, o vazio esvaiu-se, esvaeceu-se de por trás das constelações do universo!


Este mistério de viver, de ser homem, de encontrar-me feliz e satisfeito, sente o desejo de conhecer no curso da jornada a vagarosa caminhada. Que tudo seja atraído pelo mais íntimo desejo, impulsionado por vocação mais íntima, tão simples como no pensamento, pela Natureza e pela Alma, pelo Sonho e pelo Espírito. Romper o véu de mistérios e enigmas, ir buscando eterna e ininterruptamente mutações em mim mesmo, conduz à eternidade. A luz do sol por entre os vazios das árvores é não ser mais que a luz do sol por entre os vazios das árvores. O epitáfio inscrito no mármore branco da sepultura é não ser mais que epitáfio mostrando estar eu aqui, pura cinza, puro nada.


(**RIO DE JANEIRO**, 21 DE ABRIL DE 2018)📖


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