#AFORISMO POEMÁTICO 707/E O RIO BEBIA A FLORESTA# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO POEMÁTICO



Sou homem imperfeito na vida, no caminhar por entre o picadeiro da vida e a vida de todos os picadeiros...

E o rio bebia a floresta!...

A aparição do anticristo, a notícia de que o fim do mundo se aproxima a passos largos, conflitos asiáticos, orientais e ocidentais podem assumir significado simbólico válido para a razão e esse fim do mundo, representado como
um acontecimento imprevisível.

E o rio bebia a floresta!...

Como se um flamboyant me acenasse,a-balançando as folhas, as galhas, brotos de folhas, flamboyant de ampla, múltipla folhagem e rijo desejo, vontade, volo, servindo de encosto e, ainda, sombra para o vagabundo tirar uma soneca, o boêmio de violão ressonar entre a morte antecipada, prévia, avant-prémier, e a eternidade retrógrada: assim está o mundo
frente aos promotores, juízes e advogados, diante de cujos olhares o homem rasteja, arrasta-se e se abaixa e se rebaixa e se torna mais vil que cobra ou porco, gambá ou tatu de sepultura.

E a palavra glorificou a sabedoria que floresce na escuridão, nas trevas, nas mediáveis e mediavélicas dimensões da a-lumiação, sabedoria de brumas noctívagas, proscreveu para longe, distante, de si tudo que é desprezível, mesquinho, medíocre, o que vive disperso suspirando, lamentando-se, e aquele que persevera até as menores vantagens, o obsequiador apressado, que se deita de costas, acomodado e submisso.


E o rio bebia a floresta!...

Desejo, insolente e meigo, segurar a balança sobre o mar
de ondas bravas, ondas furiosas; e escolho, veloso e lisonjeador, também, um álibi, testemunha, para que a tudo assista, esteja presente a tudo - tu, jabuticabeira, entre o abacateiro e o jardim de orquídeas, rosas, a que amo de paixão e delírio, com o seu tronco áspero, creio ser a idade que vai avançada, e galhas defolhas verdes e viçosas. Por que travessia vai o hoje a caminhodo vir-a-ser, das coisas futurais, do futuro? Que força descomunal obriga o alto a descer até o baixo? E o que requer com irreverência o mais alto - crescer ainda mais, ainda mais, ainda mais...

Para os corações sedentos de amor, ternura,
afeição, corações carentes,
para os corações livres, a inocência e a liberdade,
o jardim dos deleites na terra.

E o rio bebia a floresta!...

Silente surge à beira da floresta uma presa sombria. Céu de estrelas pela noite espiritual. Rua vazia, escuridão, silêncio.

Se me en-veredo pelas cositas, desemboco-me nas "tais",
e nas tais cositas vou-me fazendo, re-fazendo, tornando
a fazer, vou seguindo a estrada das tais, que não
trans-formam a linguagem e o estilo de estar-no-mundo,
mas trans-literalizaram as experiências e vivências,
tornam-lhes espírito de sonhar a verdade, tornam-lhes alma
de desejar, não o absoluto, isto é quimera, o viver aberto aos
horizontes re-versos da lareira da contingência, das achas
crepitando-se nas chamas do fogo, esse picadeiro mais lindo
e esplendoroso, onde os risos e alegrias permanecem por sempre - objeto de risadas e gargalhadas dos homens, e admirador da obra de Gogol, aprendi a representar no picadeiro as graças de estar-no-mundo, nasci sem razão, prolongo-me à busca do sorriso nos horizontes de lareira re-versa, clareiras in-versas, abtusas, rio de mim mesmo, e morro de alegrias in-versas e trans-versas, olhando e con-templando o uni-verso de in-finitudes sob a luz fosforescente das sensações de ser, não-ser...

Emergir como aparência para os olhos e expor à luz , quer-se de algum modo tornar-se corpóreo. Duplo caminho. Que vai de um mundo da audição ao mundo enigmaticamente aparentado ao drama visual e in-versamente: continuamente levado - e o observador com ele - a re-traduzir em termos da alma e de vida a movimentação do visível e a considerar, noutro ponto de vista, como fenômeno a mais oculta teia da interioridade e a re-vesti-la de aparência corpórea. Toda essa mania estética de escrever e prosar irrompe como uma febre, avalia-se e remexe-se como se houvesse sido criada para serem desfeitas, nova confusão, novo alvoroço.

E o rio bebia a floresta!...
Buscava através do aparente o que aparecia, através do disperso o que dispersava, e recolhê-lo no silêncio que dizia a unidade. O devir haver-se-ia de constituir-se, como a ponte entre não-ser e ser.

A vida é viver todas as coisas. Se não as vivemos, não se viveu, estivemos nas sombras do mundo. Por vezes, a maior angústia é a suprema e divina felicidade. E por vezes, se pensamos nas re-versas lareiras do trilhar-os-caminhos-do-prazer e felicidade, é a maior desgraça, infortúnio... E pensamos que somos os tais, se nos enveredarmos pelas cositas. Achamo-nos, pomos óculos escuros, usamos chapéus, estufamos o peito, olhamos de esguelha para a terra, e nada somos.

E enveredando-me pelas tais, desemboco-me nas cositas, e nos horizontes belos, na beleza dos horizontes, no esplendido de Belo Horizonte, e descubro entre emocionado e saudoso quanto a criar de modo que a vida valha a pena, tirando os óculos escuros do rosto, con-templando à distância, olhos, rumos, agradecido por estar no mundo, entre os homens, as coisas e os objetos, aprendendo sensibilizado a caminhada ora nos caminhos floridos de florestas, ora nas estradas de pura poeira, lama, após as chuvas, vendavais..., tragédias.

E o rio bebia a floresta!...
Não aguardei que a madura idade me convertesse em flor, essa beleza, em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada. Por entre os estatutos da terra e a conjuntura esconjurada dos deuses caminho. Ao sobrepujar o lugar, a audácia me leva a favorecer o não-ser contra o ser. Não consentirei que o envelhecer con-verta-me dos pecados e pecadilhos da in-consciência.

Aparição de sonho, similar e não similar`ao semblante circunspecto e introspectivo e de suas pretendentes, respostas e verdades, aproximam-se em suspenso, expandem-se no desenvolvimento de todo um querer, de delicioso declínio e de um não mais querer, a vida recebe sua mais preciosa sabedoria, prelúdio de nível supremo, em virtude do qual se sabem plenos de prazer, alegria, contentamento, muito além do tempo, tornando-se fecundos e portadores dessa alegria...

Mostrar com uma boa vontade excelsa, e em todo caso, mais nobre do que antes; tudo o que aparece como sério e necessário, como caminhada rumo a um fim, se for comparada ao caminho que estou a pisar, mesmo que em sonho, se assemelha apenas a fragmentos isolados do todo de uma vivência do qual tornei-me consciente não sem temor, tremor...
Vida, vida, vida... E Clarice Lispector, escritora das horas em que a vida mostra suas perspectivas de dor e sofrimento, ipsis litteris trans-literalizada de vida, diz que não a precisamos entender, sim vivê-la. E estou vivendo agora as cositas das tais, as tais de cositas, comungadas vão desembocar nos horizontes de lareira re-versa, quando sinto e vivo o amor que compreende, vivencia, vive, entende...

É a rosa da vida o amor - dizendo assim, lugar-comum, mas sentir isso nas profundezas dos quês-da-vida, hum... rum... ou rum... hum..., cositas da vida, vida de cositas, vida de tais cositas...cositas de tais vidas...

E o rio bebe a floresta...

(**RIO DE JANEIRO**, 26 DE ABRIL DE 2018)


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