COMENTÁRIO DA MINHA SECRETÁRIA, POETISA E ESCRITORA ANA Ana Júlia Machado AO TEXTO /**DESDE UM ABISMO DE SILÊNCIO**/
DESDE UM ABISMO DE SILÊNCIO
Manoel Ferreira Neto.
Desamarrais a nota dos espectros que massacram o espírito
Bradais um sofrimento violento que se crava na alma
Espetado pelo inerente pulso das vossas garras
Sois quem despedaças a alma sumida
Sereis inapto de bem-querer … ou somente por egoísmo?
Como facultas um padecimento tão bárbaro
Lacrimejas o físico flagelado pela nostalgia
Fluindo das suas artérias a seiva que idolatrou!
Sois a obscuridade de um sujeito dantes apaixonado
Um ser denso a quem a chama se deliu
Habitas sensações golpeadas, andrajoso pela idade
Cujos pedaços dos mélicos instantes não arriscar agregar! Refugia-se no
silêncio e no cigarro. Ó, homem de letras que estás A fazer da tua
existência….Sabes colorir a vida quando pretendes…Quando algo se aparenta
nebuloso, enclausuras-te no mutismo….A vida é feita de peças suaves com
fragrância e muitos acúleos…também o sabes…não renuncies à vida e se ela não
está colorida, és um artista…pega num pincel e tintas coloridas e refaz a vida
num belo painel. Remiras agora do meio deste amanhecer, serena e cã, cercada do
que não possuí balizas. Institui-se na cordilheira, medita para a extensão,
onde te avistas num sorvedouro similarmente, traje de alvo a aglomeração dos
evos como de uma claridade da lua que te lembra a extinção. A extensão
exauri-te até o patamar da reminiscência, o limiar do que te sobrepuja, onde
derrama o teu quebranto, o carinho cálido de um pranto, o meneio de indícios
que se equivalem como repercussões de um dédalo.
Sai desse quarto poeta, que enclausuraste e te fez cair no abismo….
Sempre na indagação do ser…do não ser nada…mas nós não somos nada…somos
breves viajantes que um dia nos tornamos em pó….viver os momentos da vida, o
melhor possível…mesmo sendo ela tão negra e castigar-nos a passar o tempo a
tirar espinhos…
Ana Júlia Machado
*DESDE UM ABISMO DE SILÊNCIO*
Por que a solidão absoluta?
A solidão atrás da solidão, o vazio total, o nada de tudo, o tudo de
nada, nonada, só em instantes evanescentes, em ápices in-finitos como a
flagrância... como a flagrância... como a flagrância de uma evidência-limite.
Re-costo-me na cadeira de balanço – além da janela, a chuva fininha
continua caindo. A luz do meu quarto continua acesa. Acendo um cigarro. Fumo,
olhando as coisas, os objetos, as paredes de pintura amarela. Enquanto puder,
continuo fumando, até ao fim, quando deitarei o toco do cigarro no cinzeiro, e
continuarei re-costado à cadeira de balanço; caminho entre o
"não-ser" e o "ser", versejando de sonhos as veredas do
inaudito, sendas do deserto, estradas do abismo contingencial do nada, ao mesmo
tempo conhecendo bem os encantos, sorrateira influência que essa terra exerce.
A revelação dessa luz tão resplandecente, que se torna negra e branca, tem
qualquer coisa de sufocante, no início.
Caminho entre o "verbo" que se estende ao longínquo,
ocultando-se, re-velando-se, ensejando os desejos de encontro do
"ser", plen-ificado nas tábuas do Espírito da Verdade, inscrito no
Absoluto In-finito do Divino, con-templando do que há-de vir, porvir,
a-nunciações sensíveis do sentimento de esperança, e as "águas da
con-tingência", de longe em longe imperceptíveis e amplos movimentos fazem
alçar-se por cima da melancolia, nostalgia, angústia, tristeza, medo,
insegurança, a esperança de reencontrar uma liberdade cuja lembrança,
descobrindo as rosas pequeninas, que tão depressa se despetalam, únicas sobreviventes
da primavera, seja a plen-itude ou a juventude a evocarem a presença total de
amor, nem um pouco de inocência, porque esta ignora a mortal existente.
Caminho entre o "mistério" que aumenta na mesma medida em que
cresce o conhecimento entre as colunas molhadas dos templos destruídos,
parecendo estar caminhando atrás de alguém, cujos passos continuo a ouvir sobre
as lousas e mosaicos, sentindo obscura e constantemente a carência de alguma
coisa, e a "oportunidade de amar", passando o resto da vida à procura
do ardor e da luz, orvalho delicioso tombando sobre o coração, evaporando-se
depois, sensação de frescor perdurando.
Ouço dentro de mim rumor quase esquecido, como se meu coração, parado há
tanto tempo, recomeçasse a bater suavemente. As ondas de felicidade crescessem
em mim. Cantos de pássaros começam a explodir com uma força, júbilo, alegre
discordância e encantamentos infinitos.
Velha cidade - mais velha que as in-finitudes imemoriais, fin-itudes que
as lembranças e recordações transliteralizam o ser e a vida, que o tempo, surda
aflição das origens, silenciosa agonia da gênese inaudita, mais velha do que a
vida... O sol, às cavalitas, lembrando-me a lusitana Évora, doura-a de
inocência, numina-a de ingenuidade e volúpias, olho-a com uma angústia sem
razão.
Alegria calma, de devagar lentidão, humilde e, todavia, excessiva,
invade-me como um sangue às chamas ardentes de emoção, de sem-limites de
sentimento, eleva-me sobre mim, sobre a minha angústia, trans-fere-me a uma
evidência dominadora que eu respirasse como um ar de altura, frio ads-tringente
à soleira de montanha longínqua. Alucina-me o absurdo como um labirinto: como
ser eu nos outros? Ser irredutível e múltiplo? Só assim a solidão deixaria de
ec-sistir. Por que o amor aparece como a verdade, e como ela se gasta, se
destrói? Será o amor um limite, será a verdade um limite, apenas a procura de
um repouso que não há? O que é o Belo? - pergunto-me agora, neste
instante-limite em que expilo a fumaça do cigarro, cont-emplando o céu plúmbeo
nesta manhã de inverno, faz muito frio. Belo é o que se não sabe, o que se não
conquistou, o que se não conheceu, o que se não vislumbrou. Abrir o corpo e a
mim que moro nele. E que só nele moro enquanto o procuro, desejo sabê-lo. Nada
há de conhecido, de sabido, tudo fulgura em re-velação, tudo esplende em
a-nunciação, tudo re-presenta em fulguração. O meu sentir re-flui da presença do
corpo para a evidência que o ilumina.
Cantos idílicos ou nostálgicos, risos e flores brancas ou lilases,
vermelhas ou rosas, iluminem o mortal destino, a eterna sina, o desejado ser
livre, para o ermo envelar fundo, na essência e ser dele, noturno do pensamento,
curvado já em vida sob a idéia dos clímaces alucinados, cônscio da lívida
esperança do caos redivivo, eis o que me perpassa a vida em todas as suas
dimensões sensíveis, racionais e intelectuais, a carne e os ossos, até mesmo as
entranhas das vísceras.
Ser livre é con-templar a natureza e perceber com percuciência e
perspicácia que o ser humano é a criatura mais importante do uni-verso e que
faz parte intrínseca da vida e sem ele jamais haverá felicidade, em verdade o
mundo, a terra, a ec-sistência, sentimentos e emoções que abram as portas para
receber outras luzes a encaminharem os passos em direção ao infinito do amor e
da amizade.
Amaria, sim, colorir as flores brancas, uma a uma, com as tintas que
perdi, com o pincel que deixei nalgum cofre do tempo, pedir-lhes dar alegria às
minhas lágrimas, caminho a esse carinho escondido nos abraços adiados, nos
olhares desviados.
Outrora, idade da minha ec-sistência! Outrora, idade das cores
essenciais! Outrora, idade de ritmos re-nascidos! Depois de tudo, após a paz, o
turbilhão!... Outrora, idade de versos e estrofes inéditos! Antes das rimas e
sonoridades, musicalidade, depois do prazer, a bonanza, cambaleiam a
solidariedade, a compaixão, dançam o amor, esperança e fé, a valsa do
crepúsculo, tango da noite, o fado da madrugada.
Outrora, Idade da mesa habitual, sobre a terra onde semeei sementes
di-versas, cultivei milho e rebanhos! Outrora, idade dos reencontros, encontros
de faces em torno de mim, com os cheios e os vazios, com o nada e o tudo, com o
efêmero e o perene, da verdade!
Jamais a felicidade efêmera, prazeres transitórios, alegrias fugazes, em
as quimeras e fantasias que desejam o eterno e o absoluto, a paixão que busca,
o amor que aspira o auspício do divino - porque ec-sigem devo olhar de néscios
olhos para a beleza, para o que ecs-tasia o íntimo e o mais profundo, para a
volúpia da carne fresca e ávida de prazeres insolentes.
O que levo dessa vida efêmera tanto vale se é a glória, fama, amor,
ciência e vida, como se fosse apenas a memória de um tripúdio bem planejado e
projetado, o xis da ec-sistência, por ser eternamente definitiva incógnita,
dispensa minha ciência, debocha da máxima latina “cogito ergo sum”, aos olhos
da sensibilidade e do espírito verdadeiro despautério. O mistério sinistro ou
fascinante da morte, por ser assaz metafísico, dispensa o prosaísmo a que estou
mais que familiarizado, e sou capaz de elevar-me além do Olimpo, onde os verbos
traduzem a conjugação sublime de sua raiz ligada ao sufixo, as palavras
verbalizam o eterno de ser sensível. Resolvo, para os devidos fins e conformes,
dar o cabo de mim, varrer-me pros confins, muito além do jardim e das sete
doses de Campari, a embriaguês com eles é inevitável, nem mesmo o famosíssimo
Engov dá conta do recado, após o sono, nem mesmo a água colhida na fonte,
cristalina e deliciosa, cura a ressaca.
O que não é indiferente e se nos impõe aos homens como a única verdade
que de nós irrompe nítida e nulamente, o que nos afirma uma totalidade de ser,
o que nos define e é a própria realidade de estarmos sendo - é o todo que nos
sentimos e nos projeta, é a absoluta presença de nós a nós próprios, esta
irredutível e impensável realidade do que somos, impensável e irredutível
porque não podemos sê-la de fora, desdobrá-la em duas totalidades,
multiplicá-la à revelia do que há-de vir, do que há de efemerizar-se, do que há
de perenizar-se, porque o perene não ornamenta o efêmero de esperanças, o
efêmero não embeleza o perene de formas e resplendores. A luz que ilumina o
estarmos sendo é intransmissível como o sentirmo-nos a viver, como o
sentirmo-nos à mercê do tempo e suas intempéries.
Antes do silêncio não há senão o silêncio. Trêmulo a-núncio do que
jamais foi, na pálida auréola do ar, das casas silenciosas, da copa das árvores
ao longe, raiadas de horizonte, do uni-verso súbito entre a presença intensa e
a vaga que passa, invisível e grande, ao balancear dos meus olhos pelo infinito
- música do fim, a alegria sutil desde o fundo da noite, desde o silêncio da
morte, fachos de enigma, apelo devorador desde um abismo de silêncio. No
silêncio absoluto, as palavras de outrora estremecem de insanidade, insensatez.
Eu e o silêncio!
O que sobretudo amo olhar é a cidade. Re-vejo-a agora do meio desta
manhã, plácida e branca, cercada de in-fin-itudes. Instala-se na serra, cisma
para a lonjura, onde me abismo também, veste de branco a acumulação dos séculos
como de um luar de morte. O espaço esvazia-me até o limiar da memória, a
soleira do que me transcende, onde alastra o meu cansaço, o afago quente de um
choro, o aceno de sinais que se co-respondem como ecos de um labirinto.
Manoel Ferreira Neto.
(11 de abril de 2016)
Comentários
Postar um comentário