**DADIVOSAS CANÇÕES DE COR-AGEM E ESTESIA** - Manoel Ferreira


Aos sonhadores e poetas!!!

Ponho uma vela na janela... Sou livre para ir embora, desde que veja a luz...
Desejo crer, melhor seria dizer que o desejo é mesmo de acreditar que o inebriante enigma, o encantador mistério da criação, da arte de criar, da criação artística, triunfando altivos numa sublimidade divina – nem sei o motivo de estar a fazer este discernimento, talvez para preencher o branco do papel, que, com efeito, dá-me um vazio sem limites,- enfim, a criação artística consista mesmo no fato de a imagem da beleza, a representação do belo, que ela constrói e realiza, edifica e institui, se torna de imediato, de supetão, uma efígie fora de todas as imanências e contingências.
Gostaria, sim, de conferir importância à própria vida no palco interior das imagens, no picadeiro íntimo dos rostos e faces; assim creio que o desejo deste discernimento se refira, esteja relacionado, e, assim, até se torna mais interessante e surpreendente iniciar esta pequena língua branca. Não devo, se é que a necessidade e o desejo incólumes sejam de um mergulho simples e sereno no mundo dos sonhos, das quimeras, das fantasias, não me curvar para um deus nem para a natureza, não devo nem me volatizar nem me coisificar. Agindo deste modo e neste estilo, continuo criando, continuo amando, e não há um brevíssimo sentimento de criação, não havendo o amor que lhe dá vida e consistência, continuo tendo prazeres e alegrias, contemplando em mim as belezas do espírito.
Que sentido tem proscrever céus e infernos, se a arte é concebida nas ausências, falhas, faltas, sofrimentos e dores? O que importa não é mesmo que a sua beleza se res-plandeça? Mesmo antes de ver a luz, sinto e vejo as palavras me escolheram para traçá-las através de sofrimentos, dores, tristezas.
Pergunto-me, com complacência, um pouco de indulgência, por que não?, o que sucederia se as imagens do espírito não me fossem reveladas, se não houvesse Deus, a existência de Deus é condição fundamental para que estas imagens se revelem plenas de vida, se não houvesse imortalidade, nem Espírito Santo, nem inspiração divina, se a crença milenar se baseasse em enganos, se os homens desde toda a eternidade tivessem sido constrangidos e reprimidos ao fracasso e decepção plenos por um desejo de revelar os sonhos que há no amor.
Ouvira um amigo, não me refiro a uma intimidade com ele, dizer, aliás até chegou a escrever algo a respeito da coragem que tenho de sonhar, fazer da fantasia a verdade da vida, estão em mim, em qualquer futuro haverá sempre alguém acreditando a coragem e a fantasia são os segredos da plenitude, lendo as letras traçadas, esclarecendo-lhe eu que tenho de continuar sonhando para não soçobrar vez por todas. Numa imagem, o sonâmbulo que caminha tem de continuar sonhando para não cair. Nesta coragem de sonhar, apesar de muitos não poderem discernir e estabelecer a profundidade destes sonhos, falta-lhes engenho e arte, é que comecei de delinear os caminhos que iria percorrer, as alamedas por que iria passar, sentindo de por baixo dos pés o chão de terra.
Por que se torna ela, a criação artística, uma efígie a ser venerada, idolatrada? Por que se torna ela um mito? Por que se torna ela um ídolo? Penso que por a necessidade dela se desenvolver, crescer, amadurecer, principalmente quando o indivíduo não encontrar soluções rápidas, quando o sujeito está em total desacordo com a realidade, quando o homem está sinceramente sedento de sua espiritualidade, quando ele está em absoluta desarmonia, em luta com os seus fantasmas, isto é, quando vive com mais intensidade, porque quando busca e reivindica, procura e ansia, deseja e solicita, é que o homem existe com maior força e determinação, com mais liberdade. A liberdade é sagrada no seio dos sonhos artificiados de cor-agem.
Mergulhado no passado, de repente tomo de novo consciência de meu presente. Dizendo assim, outro desejo não há que expressar algo que venho amadurecendo no espírito, desde o instante em que iniciei esta escritura, deixando que se revelasse lenta e tranqüilamente. Não é o tempo, mas a própria vontade criadora que transforma e desenvolve o homem. Não posso me fiar no tempo objetivo, tenho de fazer sozinho o trabalho de conformação do próprio eu.
Então, é que neste homem, neste indivíduo, neste sujeito, desperta a vontade explícita de harmonia, de entrar em harmonia com todas as coisas, ajustando todas as coisas e todas as vidas, ajustando os minérios e os diamantes. Ora, a criação artística é elaborada de serenidade e ternura, de paz e compaixão, de afeição e solidariedade.
Deveis vós chamar-me um ilusionista, um romântico da atualidade, destes quarenta e sete dias finais da década, do século, do milênio. Senhores, não há como duvidar de que este novo milênio é o da espiritualidade, e que a realização plena da arte é justamente o estabelecer do espírito, no tempo em que este se estabelece, se edifica.
Sou – e agora não quero apenas crer ou acreditar; nesta caminhada sempre visualizando a vela a queimar-se na janela, a chama presente em todo o percurso - igualzinho a qualquer outro homem que conheça a história, sabendo de suas nuances – este nosso século que ora termina fora bastante conturbado, complexo, e o próximo será mais calmo e tranqüilo. E ainda senhores, devemos sentir e pensar que é o terceiro milênio, o três é símbolo da síntese. Não podemos nos esquecer da Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo. Estou sendo compreendido, senhores, ou o cansaço já me esgotou de vez, as dores me deitaram vez por todas no regaço profundo da terra, e nada mais sou capaz de pensar e elaborar. Mas com efeito a criação artística sofrerá muitas mudanças, porque agora não haverá como negligenciar a sua dimensão espiritual.



Manoel Ferreira Neto.

(21 de abril de 2016) 

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