**LOUCA ALAVANCA PARA A ESPERANÇA** - Manoel Ferreira


O ele-ir-passando-até-não-se-saber-quando,
até-não-se-saber-há-quanto-tempo
É motivo de enfiar a alma entre as pernas
E, de suspiro em suspiro, soluços em soluços,
ruminar perdas, uivar fracassos, rosnar frustrações,
Aprendendo, na estrada, que o sofrimento
É louca alavanca para a esperança.

O ele-ir-passando-até-não-se-saber-quase
Esquenta na memória tão passadas águas
E tão pesadas mágoas que moinhos movem,
Que cataventos giram,
Que farinhas fazem de cada pensamento
Entornando pranto na pedra deste peito.

O ele-ir-passando-até-não-se-saber-Quem
Com poderosas mãos egressas das esferas
Paralisa toda ânsia, separa o joio
E das espumas das vidas indefinidas
Deixa fluir da morte a fonte mais bendita.

O cadáver sobre a mesa
Esse macabro cardápio
Recheado de mistério,
enigmas, silêncios,
Congelado em pergunta,
Choro, rezas e velas,
sussurros ao pé do ouvido.
Compulsória serenidade
Ímpar figura na sala
O cadáver sobre a mesa
Foi de todos bom amigo,
Tolerante, compreensivo
Pai exemplar, esposo,
Amantíssimo fiel,
Bom pagador, religioso,
Excelente contador de causos,
Lugar garantido no céu
mas por hora é cadáver
em postura circunspecta
frias mãos entrelaçadas
gravata, terno e meias,
rigor do traje completo
talvez use cuecas
é como um violoncelo
afinado para a festa
nos amplos salões da terra.
Em volta o tempo trabalha
A fisionomia das almas
Dos comensais taciturnos
Que à força de algumas lágrimas,
Apertos de mãos, palavras,
Tapinhas mudos nas costas,
Se conforma com a perda:
“o coitado descansou”
“pois é, parou de sofrer”
“pior é a gente que fica”
“pra morrer bastar estar vivo”,
"a vida é tão curta, tão passageira",
Alguns instantes depois
Dos passos lentos do féretro
Dos panos quentes dos pêsames
Do pano cobrindo a peça
Resta o tédio do cadáver
Ao término dessa comédia.

Manoel Ferreira Neto.

(21 de abril de 2016)

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