**AS CORDAS DA LUA TREMEM NA ETERNIDADE DO INSTANTE** - Manoel Ferreira


Qual a razão do desejo de me extasiar com a estesia?
Descubro inúmeros detritos no coração, a infância: inicia o empreendimento de a dissolver, não é o suficiente, contudo: já não posso esconder de mim próprio que invento a cada instante sentimentos e emoções que me podem aproximar da sensibilidade tão desejada, às vezes se me anunciando ser ela o sublime que me aproxime do belo, este sim é o que me excita, faz-me sentir extasiado.
Estaria interessado em responder a questão apresentada desde o intróito ou procuro outra vez mergulhar em mim dentro desejando seja capaz de ser verdadeiro e real, isso é o que irrita impressas as palavras outros sentidos são encontrados, o que alegra por contribuir com a busca, mas a partir do instante em que sou criado e recriado, invento-me, entristece-me sobremodo por assim apenas conhecer apenas a imaginação fértil, criação, através de estilo e linguagem.
Não estou preocupado em descobrir o modo como superar estes problemas irresolvíveis, creio que por falta de explicação, difícil viver sem ela, não aprofundaram neles. Nem responder a questão com categoria e sabedoria estou, apenas não há o que fazer senão registrar palavras no papel, que serão lidas por alguns, aí começando as polêmicas, os entendimentos e compreensões que são difíceis de estabelecer. Ouço músicas, enquanto escrevo, sendo agora onze e meia da noite.
O peso das velhas misérias, as enfermidades; não podendo ser tudo, sou quem hoje se lança numa orgulhosa busca, para fazer ver a todos que recebo as minhas determinações de dentro e, consentindo que coisas bem íntimas sejam reveladas, não há o que temer, sou o único responsável por elas, a mim devo explicações, sou quem se afasta das “badalações” – confesso não haver encontrado outro termo adequado para mostrar as relações, as conversas fiadas, os disses-que-me-disse, as fofoquinhas, as considerações muito sérias e responsáveis, os compromissos imprescindíveis – ou, pelo menos, ausento-me de estar no meio das pessoas, participando de todos os momentos, deixando aos hábitos e costumes que os outros me fizeram adquirir o cuidado de assegurar a posição vertical, as funções naturais e sociais do meu corpo.
Sentando-me à mesa de bares, restaurantes, botequins, um dos lugares mais agradáveis que existem, não dou atenção para ninguém, as conversas, ouço músicas, leio ou garatujo palavras no guardanapo, nas orelhas dos livros. Isso durante o dia. À noite, a senhora não aceita que saia sozinho, e muito poucas vezes saímos juntos. Disse sobre lugares agradáveis, em primeira instância a minha casa, o escritório. Em última, a casa de íntimos.
Sou quem, com toda a liberdade, decide, como São João da Cruz, mas sem misticismo, nunca fazer nada para “nada ser em nada”, livremente.
Acabo de isso compreender numa conversa com um amigo íntimo, dizendo-lhe as palavras existem para que brinquemos com ela, citando ele uma passagem de Sabedoria, da Bíblia, que ora não me lembro delas. Apercebo-me de que o desejo mais íntimo saí do coração pelas mãos e que estou já empenhado num empreendimento, as palavras de ontem, hoje, mês passado, se reúnam, organizem-se, para me refletirem o novo rosto, que estou a desfazer pela palavra para poder um dia fazer por atos, esta destruição me cria, sou quem o determina irreversivelmente, que me transformo pouco a pouco nesse ser incomparável e qualquer um de nós somos para nós mesmos durante o sono dos nossos Fantasmas; finalmente “mergulhei”, condenei-me, faça o que fizer, a não ter mais trampolim algum a não ser eu próprio.
Embora orgulho do reconhecimento da linguagem e estilo originários, individuais, originais, isso por amigos haverem dito, convencido, persuadido, antes a busca era apenas de perder-me em quem sou, descobrindo-me outro, o utensílio que posso usar é somente o hoje, o que em mim dentro anda. Há tantos “eus” a imaginação de uma parca luz noturna não poderá avaliar, tantos. Aí, inicia a busca eterna, sendo que ainda não serei eu. Ainda bem seja assim: o que faria com as palavras em mim dentro? Nada. Inúteis seriam.
O meu pensamento fosforesce. Evolo-me no ar, suspendo-me. Estou nu por dentro, e a inocência é aí, agora ainda, para sempre, na eternidade do instante. A música preenche os horizontes sem fim, os olhos doem-me da nitidez estéril da tela do computador, da folha limpa por escrever, insistir e persistir nisto de me tornar real. A guitarra treme. Ouço-a. É uma voz débil de arame, enferrujada de arame, e tão pura. Timbre de prata, flutua. As cordas da lua tremem. Passam a legenda e os anjos.
O que isso quer dizer? Devo estar velho, a solidão existe bruscamente insuportável. Ou quê por ela? A vida ficou mais extensa. Tão extensa que tudo atrás fica lendário? Lendário? Não é possível que não possa usar um termo estúpido, idiota.
O que iria impedir-me de dizer besteiras, coisas inúteis, idiotices, em suma, fosse eu um homem estúpido? Disse ao amigo que as palavras são feitas para brincar com elas, dar-me prazeres e alegrias de nalguma hora inútil reler as linhas escritas. Portanto, fica ao meu cargo brincar, jogar, e não dizer coisas sérias, que mereçam ser consideradas pelos imbecis e idiotas como algo de valor. Se me disserem os doutos não haver dúvida de o serem, não vou acreditar nisso, conhecem tantos excelentes, imortais, gênios.
Velho? Chegará o momento em que o serei, e aí não haverá qualquer pejo de o afirmar, por enquanto creio ser real dizer, afirmar a todos os ventos que adquiri experiências, vivenciei as dores e sofrimentos, mergulhei em mim dentro e me perdi tanto que, não havendo caminho de volta, insisto e persisto de aprofundar mais até o instante o ar não mais haver, explodir, e com a explosão quem sabe os inúmeros “eus” se reúnam com sapiência e genialidade.
Respiro devagar. Como se me balanceasse o corpo ao ritmo lento do universo. Noite ofegante. Olho-a. Pela janela, ao alto, sobre o negrume das serras, silencioso céu. Agora o quarto está deserto, só os cães latem – se não engano de lado e outro de minha casa, a da esquerda e direita. E a luz. Quebrada um pouco, parece-me, em todo o caso mais nítida.



Manoel Ferreira Neto.

(21 de abril de 2016)

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