**ALÉM!... MURMÚRIOS DE OUTRORA - REVISADO E AMPLIADO** - Manoel Ferreira
O que é a felicidade senão a simples harmonia entre um ser e a própria
existência? E que harmonia autêntica e verdadeira pode unir o homem à vida do
que a dupla consciência de desejo e sonho de duração e destino de morte? Graças
a isso, ao menos, torna-se possível apreender e aprender a não contar,
servir-se de coisa alguma, e a considerar o presente a única verdade que é
oferecida, possibilidade que é ofertada gratuitamente, chance que é legada à
mercê das situações e circunstâncias.
Entendo que me digam: São João Del Rei, Ouro Preto, Mariana, terras
antigas, onde tudo existe à medida do homem e suas necessidades espirituais.
Mas, se isto é certo, onde encontrar a felicidade e onde está o caminho?
Deixem-me abrir os olhos para buscar a própria medida e alegria! Talvez não
seja preciso abrir os olhos no sentido desta busca: entendo e compreendo bem. A
medida do homem: O silêncio e as pedras mortas, inertes, a solidão e as poeiras
metafísicas, o vento sopra para alhures, outras se fazem presentes sobre o solo
árido e íngreme. Tudo mais pertence à História.
Creio fosse sobremodo interessante continuar, acrescentando algo mais
acerca da felicidade. Não fora dito, posso afiançar com vigor e orgulho, que a
felicidade deve ser inseparável da esperança e da compaixão, custe o que
custar. Está ligada ao amor – o que não se trata, em princípio, da mesma coisa.
O amor eleva e trans-eleva a alma aos auspícios do além, onde se alimenta da
seiva do eterno, a felicidade só preenche os espaços vazios da contingência.
Conheço certos instantes e lugares em que a felicidade pode parecer tão
dolorosa e difícil que é preferível a anunciação e promessa. Digo isto, alias,
pensando e meditando, a fim de não cometer gafe, o que seria desagradável,
porque, nestes instantes e lugares, não tinha coragem para amar, isto é, para
não renunciar. O que é necessário mencionar é o ingresso do homem nas festas do
amor e da beleza, um fora-da-lei retorna ao amor. Deixo cair os véus, abro as
mãos, diante de Deus, da insignificante moeda de minha personalidade, caráter.
De todas estas evocações do passado que tenho vivido na grande efusão
dos primeiros anos nasce-me imenso bem-estar, redobramentos de amizades que
reuni em desejos enormes de intimidade. Agora, tenho inúmeras
responsabilidades, sou homem feito a principiar a vida séria; impõem-se-me
obrigações de construir pousadas, onde hospedar utopias, onde abrigar ideais.
Além das janelas fechadas, há um coro de pardais em todas as árvores que
circundam a residência, e não pára um minuto sequer, e tudo vai adquirindo
esplendor e glória no infinito de dedos que deslizam nas teclas, procurando
registrar o que acontece e desaparece num passo de mágica e de horror, num
piscar de olhos, num arfar do peito. No céu azul profundo nuvens espessas põem
nódoas. Com o final da tarde, cai luz prateada em que tudo se torna silêncio. O
cume das colinas a princípio está coberto de nuvens. Levanta-se, depois, brisa
cujo sopro sinto no rosto. Com essa brisa, por detrás as colinas, as nuvens se
separam como uma cortina que se abre.
Tristeza, melancolia esvaeceram-se. A cortina cerrou-se. E a colina
tornou-se a baixar com seus ciprestes e casas. Depois novamente – sobre outras
colinas cada vez mais e mais apagadas na distância -, a mesma brisa que
descerrava aqui as dobras espessas das nuvens, tornava a cerrá-las além.
Neste imenso e amplo movimento respiratório da terra, a mesma exalação
se conclui, a poucos segundos de distância, para outra vez retomar de longe em
longe o tema, de pedra e de ar, serra e colinas, de fuga à escala do mundo.
São olhos em nenhures. Não quero cantar eternas melodias suaves e
singelas. É reconfortante ouvir vozes, notas de beleza e simplicidade. O
silêncio, apesar das ondas e dos pássaros, é próprio desse campo tão próximo às
serras. A alma devia ser forte como os braços e grande como as mãos.
Admiro sim, e muito, o laço que une o homem ao mundo, o duplo reflexo em
que o coração é capaz de intervir e dizer sua felicidade, até o limite em que o
mundo pode então aperfeiçoá-la ou destruí-la. Pasárgada! O único lugar onde
compreendo e entendo, enfim, que, no íntimo do silêncio, à busca da senda
perdida, há consentimento latente. Em seu céu, mesclado de amor e liberdade,
aprendo a submeter-me à terra e a deixar-me abrasar na chama sombria de seus
festejos.
Gostaria de lançar um olhar ao silêncio, este silêncio irreverente que
se faz neste instante, cuja porta vejo eternamente aberta, de fio-a-pavio, e
ainda mais ao silêncio atrás deste.
Ui! Que decoração rica, que espelhos e porcelanas!...
No âmago do dia, quando o céu abre fontes de luz no espaço imenso e
sonoro, todas os sentimentos puros e inocentes mergulham na idéia do limite, e
das águas silenciosas eleva-se angustiada plenitude.
“Temo os longos silêncios que deixam a vida em branco, as pequenas
frases que parecem nada conter e, no entanto, selam pactos e rupturas, lacram
as correspondências do destino, uma palavra supérflua, mão que escorrega. Bem
que poderia ter direito, parece-me, a um pouco de destino – por mais que o
queira, evita-me, a luz que chegou a me ofuscar, acaba por se apagar ao lado.
Por mais que revolva a noite, escrutando a longa vida branca que nunca foi
pródiga, por mais que o faça, por mais que o deseje, sou quem vê emergindo de
um fundo de luz lisa, sem conseguir furar a sombra, mergulhar no crepúsculo, a
pequenos prismas e perspectivas, o véu noturno que recobre o contrário humano”.
O Criador quis perpetuar a vida pela impureza? Quando homem e mulher
estão no leito, o amor pode unir seus espíritos e elevá-los bem acima de suas
carnes. O amor é também uma das fontes do espírito. Não devo pensar nele em
termos de conquista, mas de rendição. Se não consigo me render a um ser humano,
como posso me render ao Senhor? Porque o Senhor exige infinitamente mais do que
um ser humano.
Amo intensamente esta vida e desejo falar sobre ela com liberdade, e só
assim posso sentir perpassar-me por inteiro a felicidade. Dêem-me o orgulho de
minha condição de homem, esta condição suprema e divina que me é capaz de
tornar feliz. Ouço sempre alguém dizer que não há qualquer motivo para orgulho,
sentir-me orgulhoso. Creio que há inúmeros: o sol, vento, chuva, frio. É para
conquistar tudo isso que preciso aplicar força e recursos. Todo ser belo tem o
orgulho natural de sua beleza, e o mundo, hoje, deixa seu orgulho destilar por
todos os poros. Diante dele, porque haveria de negar de pés juntos a alegria e
felicidade de viver, se conheço a maneira de não encerrar tudo nessa mesma
alegria de viver: Não há nenhuma vergonha em ser feliz.
Manoel Ferreira Neto.
(11 de abril de 2016)
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