**FOUCAULT E A EPISTEME OCIDENTAL - ESBOÇO DE UMA ÉTICA DOS VALORES** - FILOSOFIA: Manoel Ferreira Neto


Válida, muitíssimo válida, a intenção de poetizar o uni-verso filosófico de Filósofos, suas idéias, pensamentos. Contudo, é de uma responsabilidade imensa, pois o poeta, o autor da poesia, precisa conhecer com ciência e percuciência o filósofo, e só com muita pesquisa os valores da intenção poética podem ser reconhecidos. É a questão da Ética com o Pensamento do Filósofo. Devendo ressaltar que mesmo com a ética do poeta ao poetizar as idéias e pensamentos do Filósofo, a sua obra não é poética, nela habita um elemento estranho à sua eidética, estética, a crítica filósofica, a exposição do pensamento filosófico.
Esbocei às pressas este pequeno ensaio sobre a Ética dos Valores em Michel Foucault, epistemólogo francês.



Embora a Genealogia de Foucault tenha várias semelhanças e inspirações na categoria elaborada por Nietzsche, A Vontade de Poder, A Moral, afirmando que a pesquisa genealógica não pode se basear na busca de origens, colocando como algo livre do devir, ou seja, uma manifestação necessária que o objeto estudado deve apresentar, mas buscar conhecer este objeto, como “fruto” de um devir histórico, que está determinado pela sua localização temporal e também pela sua caracterização cultural.
A genealogia nietzschiana dos valores se opõe frontalmente ao platonismo. Os valores para Nietzsche são criações humanas contingentes e imanentes. Na Vontade de Potência, Nietzsche esclarece essa recusa à metafísica platônica:
O que nos separa mais radicalmente do platonismo é que não acreditamos mais em conceitos eternos, em valores eternos, em formas eternas, em almas eternas; e a filosofia, na medida em que é científica e não dogmática, e para nós apenas uma maior extensão da noção de ”História” A etimologia e a história da linguagem nos ensinaram a considerar todos os conceitos como advindos, muitos dentre eles como ainda em devir”



Na leitura que Foucault faz de Nietzsche, diz que a genealogia não se opõe à história; de fato, ela é uma extensão da história, porque somente a filosofia histórica pode combater a metafísica, uma filosofia a-histórica por excelência. A genealogia, então, não se opõe à história, mas ao método histórico tradicional, preso a pressupostos metafísicos inconscientes; a genealogia nietzschiana faz um uso crítico do método histórico para descontruir o idealismo metafísico presente na filosofia, nas ciências e na própria historiografia, para remover as camadas sedimentadas de sentido que se impregnaram às coisas, naturalizando-as sob a forma de substâncias eternas e imutáveis.
A Genealogia, segundo Foucault, busca a crítica dos valores dominantes, isto é, valores hegemônicos no edifício cultural da sociedade, que determinam a conduta do homem atual, mas que possivelmente nasceram de “construções forçadas” (invenções) de uma época e que já deveriam ter sido superados ou estar a caminho de tal.
O que Foucault pretende analisar é a episteme ocidental. A palavra “episteme” é a simples transliteração do termo grego que quer dizer saber ou ciência. No sentido epistemológico antigo, a “episteme” não passa da simples “opinião” ou do mero “saber” pré-científico. Já no século XVII, já sob a influência do cartesianismo filosófico e cientifico, a episteme se apresenta como o pensamento do homem culto, do “homem honesto”, com tudo o que ela comporta de opinião, de aquisições culturais anteriores à ciência e ao Cogito, de hábitos estranhos ou contrários do Cogito e aos da ciência, embora já impregnados pela emergência do Cogito e das ciências, bem como por sua filosofia e pela metodologia da mathesis universalis. Nesse sentido, a episteme vai-se caracterizar, não pela pureza do santuário epistemológico, nem pela profanidade daquilo que permanece fora do santuário, mas pela exportação, para fora do santuário, dos valores que ele encerrava, o que implica uma transgressão dos gestos puros do santuário. Assim, a fisionomia da episteme vai depender do estado de suas emergências científicas e racionais cuja linguagem todo mundo fala ou pretende falar.
O autor orienta a busca do conhecimento acerca da Moral deve ser operada através das cores “azul” e “cinza”, isto é, o “cinza” é o abandono da busca metafísica da verdade, e sim, um conhecimento através da crítica histórica.
A reflexão acerca de uma Moral em Foucault passa pelo esforço de análise e questionamento da forma como o “discurso científico” adotou estes objetos como fruto de sua investigação. E como, posteriormente, esta conceituação foi incorporada pelo discurso político e também do senso comum, criando um “vício” de percepção do que seja a loucura e a sexualidade, uma vez que tais teorizações podem ter caducado, isto é, não atendem mais às necessidades da sociedade atual, mas persistem como discurso hegemônico, possibilitando o “sufocamento e o atrofiamento” da sociedade e da vida.
Esta “inovação” se fez necessária desde Nietzsche quando este diz que todos os filósofos têm o defeito de partirem do homem atual e acreditarem chegar no alvo por uma análise dele.
Esta referência mostra a inspiração de Nietzsche em romper com o paradigma tradicional e será também adotado por Foucault. Ainda baseado em Nietzsche é discutida a questão da força, ou seja, a potência de dar nome, dar valor às coisas, o que será retomado por Foucault como prática social, ou seja, os valores são impostos e sofrem transformações de acordo com as relações de poder vigentes, que podem ser diferentes de acordo com o contexto histórico. Logo, os valores são construídos e pregados devido à necessidade de manutenção do poder ou do tecido social em um dado momento histórico.
Em contrapartida, a abordagem histórica genealógica não significa “endossar” um modelo ou um conceito, mas sim, ao refletir criticamente sobre ele, perceber seu caráter contingencial e não natural (metafísico). Neste sentido, pode-se dizer que é um “olhar” que pretende desvelar um outro olhar já estabelecido, com vistas a elucidar a “miopia” deste olhar ou valores antes estabelecidos e “cristalizados” como verdadeiros.
Estes valores verdadeiros que a metafísica designa como coisa em si – o belo em si, o bem em si, o verdadeiro em si – são invenções históricas, artifícios, artimanhas humanas forjadas na luta pela dominação. A genealogia, como diz Foucault, descobre um segredo terrível das coisas. Não seu segredo essencial e sem data, mas o segredo que elas (as coisas) são sem essência, ou que sua essência foi construída peça por peça a partir de figuras que lhes eram estranhas.
A partir desta reflexão, Foucault irá fazer da genealogia um método para interpretar a Sociedade moderna e seus mecanismos disciplinares, ou seja, “verificar” como estão fundados os valores morais da atualidade, tendo em vista a relação entre saber e poder.
Inspirados neste método foucaultiano, intencionamos investigar a sexualidade e a loucura, à luz da Genealogia, em busca de uma relação entre a episteme e a sexualidade e loucura; assim, evidenciar como Foucault aparentemente lança mão de temas pouco comuns à filosofia, como sexualidade e loucura, para expor a relação entre saber e poder. A sexualidade e a loucura dentro do discurso histórico mostra-nos a Moral que nos despertará para um conhecimento da realidade da filosofia contemporânea e a realidade em que estamos envolvidos no mundo.
Como entender as categorias “saber” e “poder” como elementos constitutivos dos valores morais da atualidade? Faz-se mister expor qual é no entendimento de Foucault esta relação. O saber, umbilicalmente ligado ao sujeito do conhecimento, e este, por sua vez, crente na sua condição de detentor da verdade, criou um ambiente “perigoso” para a vida humana. Uma vez que vontade de saber seja diferente de vontade de verdade, o que Foucault parece apontar é que estas duas categorias se fundiram e a vontade de verdade se tornou majoritária. Logo, a consciência científica que domina o mundo é a detentora do poder ou da capacidade de ditar valores (normas), mas se esqueceu “que esta verdade do domínio científico pode ser comparada à fé cristã”. A verdade é algo vazio, segundo alguns genealogistas. Isto leva à seguinte consideração: o saber científico que dita as normas do mundo atual pode estar sustentado em princípios ocos, agredindo assim a própria vida humana. Falar, portanto, de conhecimento objetivo, puro, científico não faz sentido e é sintoma de perigo, de decadência da cultura, pois a verdade que não serve à vida, o saber que não vivifica, serve, mesmo que com as melhores intenções, à morte.
Assim, a intenção fundamental é mostrar como o discurso “moralisante” da ciência pode criar “focos de exclusão social e individual”, tomando em conta que o discurso científico serve á decadência da cultura.
Mostrar como as idéias científicas acabaram ”servindo” de um sistema de poder e, simultaneamente, criando condições de “exclusão e punição”, para grupos no interior da sociedade por apresentarem condutas fora da norma científica. O discurso científico, ao elaborar e publicar conceitos (categóricos) como Loucura, sexualidade juvenil no trato com o humano, fora determinante para criar uma consciência moral na sociedade acerca dos indivíduos que se enquadram em tais estereótipos.
A analogia de valor do bom (o normal) e o patológico (mau) serve para dar contorno à intuição do trabalho no que tange à tentativa de esclarecer o caráter moral de tais categorias elaboradas a partir de uma terminologia científica.



b) Epistemologia Arqueológica
Nossa tarefa diante deste projeto, como já dissemos, anteriormente, na Introdução, é a epistemologia. Enquanto epistemologia, a “arqueologia” de Foucault pode colocar-se sob o patrocínio da filosofia do conceito, pois sua teoria da episteme outra coisa não é, como ele próprio reconhece, senão a teoria de um sistema. Não se trata de uma teoria do método científico, mas de uma teoria do dispositivo que funda o sistema das ciências, seu campo epistemológico, sua estrutura e sua história. Ele chega ao conceito de episteme por uma démarche arqueológica: busca das gêneses ideais da época clássica.
O campo epistemológico ou o domínio onde a arqueologia fenomenológica se situa, não é a ciência, mas o solo sobre o qual se constrói a ciência. Trata-se de um sistema, não de códigos de regras relativamente à percepção e à palavra, mas de ordem fundamental que deve orientar e reger as ciências, constituindo para elas um a priori histórico.
Sustentados nestas palavras, é que construiremos a experiência da ordem que determina o “espaço geral do saber”, bem como as afinidades entre as ciências.
Para a epistemologia, o importante não é o objeto tratado por uma ciência, mas o lugar que esta ou aquela ciência ocupa no espaço do saber. No que diz respeito ás ciências humanas, não é o estatuto metafísico ou a indelével transcendência desse homem de que elas falam, mas a complexidade da configuração epistemológica em que elas se encontram situadas que explica sua dificuldade, suas incertezas e sua precariedade.



(**RIO DE JANEIRO**, 21 DE FEVEREIRO DE 2017)


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