INÉDITO: "LIBERDADE E CONSCIÊNCIA" - TEXTO DO INÍCIO DOS ANOS ´80, EM MÃOS DE Paulo Ursine Krettli.



As situações de um homem são inúmeras e diversas. Ele, a todo o momento, depara-se com ela, angustiando-se e se desesperando. No entanto, ele precisa lutar com todas as suas forças, levando, até as últimas consequências, o que ele quer alcançar e atingir.
Resolvidas estas situações, outras vão surgindo a todo momento, situações estas que não têm mais as mesmas características. Elas são muito mais angustiantes e desesperadoras. Da mesma forma, o homem tem que lutar, a fim de atingir o seu objeto pretendido, a fim de atingir a sua meta. O trabalho é muito mais árduo e causticante. Mas, se ele deseja e quer vencer, ele vence. Tudo depende de seu querer.
O homem, hoje, mais do que nunca, enfrenta um momento de crise em todos os níveis possíveis e impossíveis. Cada vez mais lenta e paulatinamente, sua angústia e desespero vão atingindo rumos que ele próprio desconhece. Agora, ele bem sabe que dar um passo atrás e “estar burguesmente instalado no mundo” em nada vai resolver a sua angústia e depressão, desespero e fastio. A todo o momento, ele tem e precisa de lutar para conseguir os seus próprios objetivos. Sem luta, coisa alguma é conseguida. O trabalho é a própria força de que o homem dispõe para as suas lutas e reivindicações.
O que o homem deseja mais não é que a práxis de sua própria liberdade, a qual intervém e interfere em todas as arbitrariedades e gratuidades de uma sociedade autoritarista repressora. Práxis que, também, tem o caráter fundamental, e não outro mais, que a sua base fundamental no reconhecimento da “subjetividade humana”, se se quiser a Democracia. Práxis que tem o princípio sinequa non de construir uma sociedade em que todos os homens usufruem de sua própria subjetividade humana, sem nenhum organismo repressivo, sem nenhum organismo autoritário. O poder se “veste de terno e gravata” e a desnudação de suas vestimentas seria tirar dele a própria autoridade em que se apoia, nas armas de que possui. O que pode responder pela subjetividade humana senão a liberdade? Ela já deixou de ser um conceito abstrato para ser algo concreto, melhor dizendo, humano. O homem é a sua própria liberdade. Só ele consegue construir a si mesmo, a liberdade e ao mundo em que está inserido.
Vivemos um momento de crise. Seria demasiada radicalização dizer que tal crise centra-se somente nas questões políticas e econômicas. Há esta crise, não haja dúvida! Agora, quando a liberdade está sendo coisificada pelos aparelhos de repressão, pelo autoritarismo, pelas gratuidades e arbitrariedades de um sistema “nojento” e “salafrário”, a crise acentua-se ainda mais, pois a liberdade está sendo escorrida para o primeiro bueiro, para o próximo bueiro. Já temos consciência, diante de todo o processo histórico, mormente deste século, de que água e sabão algum podem limpar o sangue que corre, correu, está correndo nas ruas da humanidade. E tudo por qual motivo? Os aparelhos de repressão e autoritarismo querem, a todo custo, simplesmente, coisificar o homem, pois, nesse processo de coisificação do homem, os burgueses e representantes deste sistema nojento e salafrário podem, sem que a intimidade deles seja ferida, permanecer “perfeitamente instalados no mundo”.
A angústia e desespero acentuam-se cada vez mais em todos os níveis possíveis e impossíveis, em todos os lugares possíveis e impossíveis.
Ontem, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, se assistiu até onde a situação-limite de um homem pode chegar. A crise do sistema cada vez intensifica mais. Ninguém pode ter mais em algo que apoiar. A liberdade está sendo coisificada. Os estudantes - conscientes de toda situação do país, do ponto de vista econômico, mais mormente na sua Universidade, quando o índice de aumento das mensalidades, incompatível com o número de elevado de desempregados deles, que existem e não podem mais continuar pagando suas mensalidades - estão lutando para que muitos não desistam de um projeto - que é o de todos, também o meu! -, ou seja, construir uma sociedade em que a subjetividade humana seja reconhecida. Todos estão sufocados e desesperados.
Felizmente, os tocares do sistema ainda não conseguiram o objetivo deles: coisificar totalmente a liberdade. Chegara o momento de se dizer “basta” a todas as arbitrariedades e gratuidades dos dirigentes desta Eminentíssima Pontifícia Universidade Católica! Era hora de os estudantes reivindicarem os próprios direitos de cada um, os direitos da comunidade.
A escolha foi, pacificamente, ocupar o prédio da Reitoria, exigindo que o Excelentíssimo Reitor, Dr. Gamaliel Herval, comparecesse frente a todos os estudantes, numa plenária, a fim de discutir as reivindicações, onde reclamariam os direitos de cada um e da própria comunidade universitária! Simplesmente a Reitoria negou-se a comparecer frente aos estudantes e, por decreto da própria Reitoria, foi estabelecido um “recesso escolar”, ou seja, uma arma do próprio autoritarismo, a fim de desmobilizar o movimento estudantil, suas propostas e reivindicações. Como definir a atitude da Reitoria, sem nenhuma reação dos professores e dos funcionários? Nada mais senão que uma atitude de “nojento” e “salafrário”. Não existe outra definição.
Isso, no entanto, não impediu que os estudantes ocupassem a Reitoria até que o eminentíssimo senhor Reitor comparecesse frente aos estudantes e discutisse com eles as reivindicações e propostas. Foi práxis, da própria comissão que organizou todo este movimento que, o Sr. Gamaliel Herval não comparecesse no seu espaço físico, ou seja, a Reitoria não seria devolvida a ele. De práxis, também, que nada impediria a luta, até as últimas consequências, por parte dos estudantes, em discussão democraticamente deliberada; por parte da Reitoria, de outra maneira não poderia ser, que a utilização da repressão e autoritarismo.
“Ninguém vai sair enquanto não formos ouvidos”. A liberdade não está coisificada. Continuamos e continuaremos a ser seres humanos e não simplesmente marionetes nas mãos do autoritarismo e do tecnocrático.
A liberdade de um homem é a sua consciência. Dizíamos, nós estudantes, “vamos lutar até o fim para preservar a nossa consciência. Vamos lutar até o fim para que a nossa liberdade seja reconhecida. Vamos lutar até o fim para o que é nosso: ser humano”.



(**RIO DE JANEIRO**, 08 DE FEVEREIRO DE 2017)


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