RAZÃO E DELÍRIO GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: POEMA @@@@


Encontrei hoje pela manhã,

Tendo-me acabado de acordar,

Dormi pouco, muito pouco,

Dois cadernos na gaveta de um móvel

No quarto.

Havia tempos não a abria,

Creio até não mais existiam para mim,

Nem o móvel nem os cadernos na gaveta

Ou jamais existiram

Algo me disse

Esqueceu-me sua existência.

Os cadernos: não me lembrava deles

Não me recordava haver escrito neles,

Quando fora que escrevi.

Tomei-os em mãos,

Comecei a ler.

Num deles havia a narração

Do nascer do sol numa manhã de verão.

No outro

No alvorecer, o nascer do sol.

Não era o mesmo texto

O primeiro descrevia fluxo de sentimentos

De dentro da alma,

Sentimentos incógnitos, desconhecidos.

As razões apresentadas para

As incógnitas, desconhecimentos

Diziam respeito aos devaneios, delírios.

O segundo narrava os desvarios

Da alma, des-cobrindo, des-velando, des-nudando

As surpresas no decorrer das reflexões,

No decurso das meditações.

As razões e os delírios

De ambos os textos

Comungavam-se, aderiam-se.

As razões do primeiro eram os delírios do segundo,

Os delírios do segundo eram as razões do primeiro.

Como podia ser que comungassem?

Razões são razões.

Delírios são delírios.

Narrações são narrações.

Descrições são descrições.

A verdade da origem do nascer do sol

Era a mesma do delírio do sol

Ao descobrir sua origem.

As incógnitas da razão

Ao registrar o percurso do sol

Desde o infinito até incidir seus raios

Sobre a serra

Partilhava com o delírio do sol,

Descobrindo sua origem.

Não podia entender.

A razão de hoje

É o delírio de amanhã?

A razão é psíquica?

O psíquico é racional?

Senti-me confuso, alucinado.

Dois textos diferentes em linguagem, estilo

Entrelaçarem-se.

Se ao menos pudesse saber

Deles o que no interdito de ambos

Sintetizavam-se, esvaeceria a confusão.

Ou então perguntar

Aos sóis nascentes em épocas diferentes

Como reuniam a razão e os delírios.

Aqueles sóis eram passados; não retornariam.

Nada disso podia ser feito.

Guardei os cadernos na gaveta.

RIO DE JANEIRO(RJ), 30 DE JANEIRO DE 2021, 14:31 p.m.   

 


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