Manoel Ferreira Neto ESCRITOR E CRÍTICO LITERÁRIO ANALISA O POEMA Esgotada de Ana Júlia Machado @@@@



Diálogo? Monólogo? Diálogo-monólogo? Ou simplesmente a náusea da existência revelada ipsis verbis e litteris sem qualquer segredo, o vomitar tudo o que está oprimindo a alma, tudo o que está lhe fazendo mal, confissão das dores e sofrimentos? Embora tudo isto esteja límpido e nítido nas linhas dos versos, afirmar o seja, peca-se contra a intenção fundamental do poema, da própria poetisa. Em verdade, é a voz de todas as esperanças e sonhos sussurrando, murmurando aos ouvidos o que há no fundo da alma de desejos e vontades da liberdade... Seja: "Esgotada
de não conseguir verbalizar
o que alojo No meu interior, por que sei que não serei entendida." Ainda que ela(a alma) esteja esgotada por haver muito a ser expresso, mas se encontra na impossibilidade de fazê-lo diante das intempéries, no seu interior há o que dizer às avessas de toda a realidade vivida e vivenciada, mas não será entendida, quiçá todas as utopias e quimeras sejam fugas, sejam apenas paliativos para o momento. Não o é, no entretanto, é o grito altissonante de que a vida não se esgota diante as contingências, ela encontra forças e coragem de lutar, e luta dizendo: o que cicatriza as almas fragmentadas são os ideais, a coragem do sonho. Mesmo que a alma esteja circundada de criaturas não leais, que não expressam o que pensam e sentem, sensibilidades ocas, falsificadas, ela ainda possui o seu livre-arbítrio de na sua própria solidão, solidão que lhe é inerente, habita-lhe o ser, encontrar a via peculiar e singular de suas próprias esperanças, de instituir o Ser que está ausente, a solução é ir ter com a Vida que lhe entrega numa atitude de Cáritas a água que sacia a sede, o sêmen que dá a luz aos frutos da sobrevivência, o Amor a si mesma, o Amor à Vida. O ser humano chafurdou-se nas hipocrisias, farsas, falsidades, é o seu habitat, o mundo mergulhou no caos e absurdo com todas as suas forças, mas a Vida continua sendo Promessas de Felicidade, se esta alma tão angustiada descobrir o horizonte que se esconde de por trás dela, e no poema está nítido que está confissão concebe, gera, dá a luz à Vida, descobriu a si, descobriu o amor por si. Não mais importa o mundo, não mais importa o homem imerso no seu próprio caos, importa sim a Liberdade de sonhar o que há além. Os últimos versos deste poema podem figurar como entrega in totum ao nada: " O vírus pode vir ter comigo e levar-me,
já cumpri o meu dever na terra...", diante da pandemia instaurada por todos os cantos do mundo, vitimando os seres humanos à morte, o que, é compreensível e inteligível, causa medo, horror, tremor e temor, o dever na terra está cumprido, o dever de elevar os sonhos, as quimeras, ser a Vida em sua essência. Muitas vezes, numa obra neste nível, o leitor logo ajuiza ser ela de extremo negativismo, niilismo, mas a poetisa Ana Júlia Machado não anda nestas trilhas, através da realidade das coisas do mundo, das coisas da existência, descrevendo-as, ela está sempre rogando, clamando pela sensibilidade, pela espiritualidade, por os homens se conscientizarem das trilhas escusas que escolheram palmilhar, e des-codificarem suas atitudes, ações criando outros horizontes, universos. Ana Júlia Machado é poetisa que se deve ler às avessas, ao reverso e inverso de seus versos, é sempre no interdito que encontramos as suas intenções fundamentais, e elas são a Vida, a Vida em sua essência. Disse ela não ser entendida, não será entendida, mas isto se refere ao hoje, ao momento presente, pois que os homens não tem conhecimentos a priori, não tem quaisquer condições de intuir, perceber a realidade em que estão chafurdados, assim tudo o que desdiz a amplitude de visão das coisas é condenado, e negligenciado, e refutado e rechaçado, mas com efeito a Vida entende-a, compreende-a e muito bem, e por isto lhe concede a dádiva de superar e suprassumir o caos do mundo. Se ninguém a entende, entendo-a eu, querida. Conheço o que há em sua alma.
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Beijos nossos a você, à nossa amada netinha Aninha Ricardo, à nossa família. Pé na estrada, minha querida, a Vida está ao seu lado.
Manoel Ferreira Neto
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ESGOTADA...
Encontro-me esgotada...Esgotada das criaturas que aguilhoam-me
Simplesmente a verbalizarem “não queria fazê-lo”, “perdão”.
Esses verbos não cicatrizam uma alma fragmentada!
De procurar uma escassa compreensão,
apesar de entender que essa compreensão,
De verdade, jamais vai resistir. Esgotada
de não conseguir verbalizar
o que alojo No meu interior, por que sei que não serei entendida.
De deslindar que mesmo observando nos olhos,
as criaturas não são leais
e que por trás de um sublime sorrir pode haver
muita impiedade, indiferença e embustices.
De confiar, de crer, de ser incauta
e até de cogitar que tudo o que pronunciam-me é realidade.
De aguardar que as criaturas, assim como eu,
não expressam o que não sofrem.
De pretender o que não posso usufruir,
de ser usada, de não conseguir
Tão-pouco verbalizar a verdade, estou esgotada
de sensibilidades ocas e juras falsificadas.
De desejar bem a quem não granjeia-me.
De aguardar demasiado nas criaturas
e que me dececionam a todo instante
e inclusive apelidam-me de louca
Saturada de lacrimejar por quem não vai secar meus aljôfares!
E de aguardar por alguém que ausentou-se sem eu almejar
E tanta falta faz-me seu colo e mais doloroso
é saber que não vai mais regressar...
Vejo uma solução ao fundo do horizonte,
ir ter com aqueles que amavam-me
Jamais apelidaram-me de doida...
Somente sei o quão estou afadigada da vida!
O vírus pode vir ter comigo e levar-me,
já cumpri o meu dever na terra...
Ana Júlia Machado
RIO DE JANEIRO(RJ), 28 DE JANEIRO DE 2021, 15:44 p.m.

 

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