OS RICOS E A MORTE GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: SÁTIRA @@@@


Vou eu dando rédeas largas e amplas ao meu alazão das considerações intempestivas sobre os meus benefícios, contribuições ao pensamento, às ciências, artes e religiões, às críticas ferrenhas às doidices humanas, às idéias da existência tão carente de visão de si, das coisas do mundo, de novos ideais, utopias, da felicidade e da fortuna reais.

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Nestes âmbitos, fora eu olvidada, escarnecida, objecto de discriminação, preconceito - que absurdo ininteligível a consciência de que habito no ser humano, em grau simples, regular, avançado, e sou quem possui a chave de ouro para novos tempos. Enterraram-me no mais abissal dos túmulos, substituíram-me pela razão, a deusa de todas as realizações e sabedoria universal. Mas renasci de minhas próprias cinzas sob os olhares esbugalhados dos homens: "Meu Deus, lá vem ela de novo!", sem lar, como era impingida a viver, isto é, no manicômio, sedada de tantos medicamentos psiquiátricos, neste sentido até benéfico, triste saber que os homens me rechaçaram.

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Amaria agora conceder ao meu alazão outra trilha para cavalgar mais tranquilo e solene, enquanto vou tecendo outras mais considerações, aproveitando as minhas energias e vivacidades juvenis.

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Poderia dizer, ao invés de considerações, palavrinha, mas a modéstia não é o meu fraco: sou arrogante, prepotente, pernóstica, usando da gíria hodierna "Me acho a deusa do mundo."

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Desejo agora falar de uma estirpe de uma estirpe de amalucado, laia de doidos que mínima noção tem de meus valores intrínsecos, isto é, dos RICOS. Seria uma lástima sem precedentes não os colocar em cena, quando honram tanto as minhas mazelas e achaques, eivadas de interesses espúrios do poder de possuírem bens materiais os mais relevantes.

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Os ricos, ao aproximarem-se de seus últimos dias neste zopo mundo providenciam magnânimos preparativos para a travessia ao túmulo eterno. É com prazer e alegria inolvidáveis que contemplo como estes céleres moribundos se entregam seriamente às pompas fúnebres. Estabelecem lei por lei, cláusula por cláusula, artigo por artigo, adendo por adendo quantas velas devem arder nos seus velórios, funerais, quantas pessoas vestidas de luto, quantos choradeiros fictícios e reais, quantos cantores de músicas fúnebres religiosas, quantos carpidores devem acompanhar o féretro desde a funerária até à "cidade dos pés juntos", como se, após a morte, ainda fossem capazes de preservar alguma consciência para desfrutar, degustar o espetáculo. Com efeito, e não é delírio meu, parece que esses ricos consideram a morte como como um "cargo edílico", que os obrigue a autorizar festas populares e banquetes suntuosos.

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Não devo, não posso silenciar-me acerca desses céleres vaidosos da própria nobreza. Entre eles aqueles que com disposição abjecta, plebéias e pagãs pasmem ao dizer: "Sou um fidalgo!"

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Esses imbecis de galocha fazem um altíssimo conceito de si e estão empanturrados da estéril idéia de suas ascendências. Eivados dessa quimera levam uma vida feliz e prazerosa.

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Em que contribui? Contribui para que em tão boa conta esse belo bicho papão de nobreza, é efetivamente o respeito que o vugo demente demonstra por eles, enxerga neste gênero de bestas divindades sem precedentes.

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Há os famosos céleres ricos da Artes, não pelos bens materiais que adquiriram, mas por suas contribuições espirituais e humanísticas, nas Artes, Ciências e Religiões. Houve quem dentre os das Artes que exigiram o esquife fosse enterrado em pé: mesmo morto rechaçava a inércia, em pé estaria per siempre em ação.

RIO DE JANEIRO(RJ), 12 DE JANEIRO DE 2021, 07:56 a.m.

 

 


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