O INFERNO SOMOS TODOS NÓS GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: POEMA @@@@


Aos poucochitos, aos poucochitos

Sem que alguém algo dissesse, algo falasse

(Dizer o quê, hein? Falar o quê?

Seria que houvesse alguma coisa

A ser dita com percuciência?)

O que me importam as cositas todas

Foram-me ditas ao longo de minha existência?

Pontos de vista são pontos de vista

Sempre vistos de um ponto!

Sem que me ouvissem com alguma atenção esmerada

Que importância há no que

Dissera sem ou com ímpetos?

O que me escutaram dizendo

Com indiferença, olhares de esguelha,

Só mesmo um homem de sumo nonsense

Poderia tecer consideração

De tamanho descabimento.

@@@

Muito bem!...

Aos poucochitos, aos poucochitos

Sem o que disseram, sem o que ouviram,

O inferno somos todos nós,

A compreensão da amplitude de visão

Da língua é impossível

Pois a ela fora dado apenas emitir sons,

Não ter visão ampla das coisas

Do mundo e dos homens,

Vou parar com este lero-lero,

Picuinhas sem quaisquer sentidos,

Vou mergulhar no silêncio

A língua sentir-se-á feliz no seu descanso.

@@@

Acabei?

Que nada!

Não há linguagem, estilo

Que representem isto de acabar

Acabar nada é senão que colocar ponto final,

Estou exausto, muitíssimo exausto

De fingir que nada penso-sinto,

De fingir não pensar os sentimentos,

De sentir fingir que nada penso,

Não coloquei ponto final em coisa alguma,

Ainda estou a sarrabiscar versos e prosas,

Ainda estou a escrever o que não digo a ninguém,

Quem compreenderia? Quem entenderia?

Condenado à incompreensão desde às origens,

As linhas da página onde me sarrabisco,

Se não me compreendem,

Certamente consentem e aceitam

As minhas rabiscagens,

Os rabiscos que registro,

Estou-lhes a preencher os vazios.

@@@

Sou prepotente:

Não vou acabar,

Não vou pingar os “ii”

@@@

Subitamente, no início da avenida dos Timbiras

A janela aberta, homem idoso

Recostado no parapeito,

Rimou águas com fráguas num poema

De seu primeiro livro,

Foi ridicularizado por seus colegas acadêmicos,

Ali chora as mágoas de havê-lo feito,

Por que o fizera?

Pensou que abafaria com tamanha sonoridade das palavras!

@@@

Sigo o caminho de minha consciência

Inexequível,

Não aceno a mão ao poeta das “fráguas”,

Conheço-o, mas jamais tivemos

Quaisquer relações,

O meu caminho é vagabundo!

@@@

Que mais querem que eu sarrabisque?

Que mais querem que eu diga em silêncio?

Acabei.

O papagaio da vizinha não repete palavras:

“Bom dia, dona Tuka! Bom dia, dona Tuka!”,

Esperando que a senhora lhe dê as côdeas de pão

De todas as manhãs.

Contenta-se em ficar apenas

Olhando as coisas,

O padeiro não emite qualquer som

Para dizer às freguesas

O pão fresquinho está chegando

Não há vozes à porta da Mada Pax

Gastaram todas as palavras,

Durante a madrugada,

Para tecerem as virtudes e valores do falecido,

O sepultamento será às oito e meia...

Só haverá lágrimas à soleira do sepulcro,

Não haverá qualquer discurso de despedida.

@@@

Basta...

Basta...

Basta...

Estou mudo para o que vejo

Limito-me a tomar o cafezinho da hora.

RIO DE JANEIRO(RJ), 26 DE JANEIRO DE 2021, 07:23 a.m.

 


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