CAPÍTULO XXV ARVORANDO-ME EM SABIA E RACIOCINADORA GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: NOVELA @@@@


Ah, senhores, venho desde há tempos destilando ácido crítico à razão, rasgando-lhe os verbos na lata sobre as suas insolências e prepotências, prejuízos à existência humana, às contingências do mundo, contudo, não tendo inda explicitado inda com a minha categoria de insana a dimensão em que sinto no abismo de minh´alma  a náusea mais pura que se possa imaginar ou simplesmente devanear, acompanhando este devaneio todos os delírios.  Sou cônscia de que esgotei toda a lábia da amplitude de visão de minha língua não haver prazer à grande senão nos domínios da loucura, aquando se sente em plenitude a graça de existir.

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Pois bem... A visão da razão acerca do prazer é o que me nauseia com ardor, dá-me urticária, chegando quase a vomitar as entranhas, a priori o bofe, a posteriori os rins e o intestino delgado.

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A propriedade do sujeito – assim fala a razão – é o sentimento do prazer ou da dor, tomados como receptor que pertence ao sentido interno, vindo à luz o conceito de imediato bom ser aplicado somente naquilo que esteja ligado à sensação do prazer, não sendo mister colocar em relação o conceito daquilo que é in totum mau senão ao que suscita logo a dor. Como, de que modo isso reversa o uso da língua, que discerne o agradável do bom, o desagradável do bom, exigindo que o bom e o mau sejam ajuizados pela razão, consequentemente por conceitos possíveis, melhor explicitando, passíveis de comunicar universalmente e não pela simplicíssima sensação que é limitada  a sujeitos particulares e à sua receptividade, mas como também um prazer ou sofrimento não podem por si próprios ser ligados a priori do modo imediato à representação alguma de um objeto, os honradíssimos senhores do conhecimento, conceituados filósofos, as corujas que cantem em seus louvores, que se julgassem obrigados a colocarem uma sensação de prazer como base de seu juízo prático, designaria como bom  o que não passa de um meio para chegar ao aprazível, tendo, assim como mau aquilo que só é causa de desagrado ou de sofrimento, porque o julgamento de relação entre os meios e os fins pertence certamente à razão.

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Colocar isto em prática, viver, vivenciar no quotidiano das coisas, nas contingências da existência, é o cúmulo do ser objeto. Mesmo que não fosse louca, recusaria ipsis verbis esta visão da razão, nela não habita qualquer amplitude de contemplar o mundo.

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Na minha condição, nesta conjuntura de jovem que estou vivendo, o prazer que sinto muitas vezes em empreender coisas difíceis, arvorar-me em sábia e raciocinadora, por exemplo, e a expor-me a todos os olhares de deboche, escárnio, mesmo que não tirem disto qualquer proveito, qualquer glória, mesmo que eu própria não realize os sonhos que em mim ardem de viver, viver, viver, surge em mim a reflexão de ser difícil, o que empreendo provoca em meu cérebro uma impressão que, aderida àquela que poderia formar que é um bem sentir-me destemida, corajosa, bastante feliz, destra ou forte, para me arriscar a tal ponto, é causa que obtenho disso prazer.

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A causa que faz com que me sinta naturalmente feliz ao ficar emocionada com todas as espécies de paixões, mesmo com a tristeza e o ódio, aquando essas paixões são causadas unicamente pelas esquisitas aventuras que são representadas num teatro ou por outros caminhos semelhantes que, não me podendo prejudicar de modo algum, parece agradar a minha alma, nela excita a alegria.

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Imagino-me numa caverna, repleta de pessoas presas. Sou a única que consegue fugir. Após longo tempo devaneando pelos vales, contemplando o raiar do sol pela manhã, o crepúsculo do mesmo, escondendo-se atrás da montanha, a beleza dos campos de algodão, vagando sem destino, volto e grito em voz altissonante para que todos os companheiros ouçam: “Como vós me inspirais piedade. Só vedes sombras e fantasmas, sois efetivamente tolos.” O mesmo costuma acontecer com os homens: os mais sensuais tem maior admiração pelas coisas materiais; os que se consagram à piedade, quanto mais relação o corpo tem com o objeto, menos valor lhe dão, e passam a vida sempre imersos na contemplação das coisas invisíveis.

RIO DE JANEIRO(RJ), 22 DE JANEIRO DE 2021, 19:34 p.m.      

 

 


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